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As três “vidas” de um “Casulo” de pintura – Capitulo I – Primeira vida (1895 – 1933)

31 Agosto 2008

casuloSegundo a minha perspectiva, o “Casulo” de Mestre Malhoa teve um percurso que se pode repartir em três fases distintas, a que eu chamo de “vidas”: a primeira entre 1895 e 1933; a segunda, entre 1933 e 1982; e a terceira entre 1982 até (Maio) de 2008. Uma nova vida (a quarta) está a iniciar-se, e que será a justa e merecida reconciliação entre a alma desse edificio e a fortuna patrimonial que ele verdadeiramente
representa para a região, cujo valor merece ser recompensado e plenamente vingado. Desta forma, proponho-me explicar em três artigos a saga existencial deste edificio peculiar, que passou as últimas sete décadas arredado num canto, esquecido e substimado nas suas potencialidades genuínas.

Capitulo I – Primeira vida do “Casulo” (1895 – 1933):

Posso afirmar com toda a segurança que foi em Figueiró dos Vinhos que José Vital Branco Malhoa começou a sua “odisseia rústica nacional”.
Sem ser um pintor ruralista dá-lhe para pintar as gentes do campo, como os cavadores, os malhadores, os semeadores, as ceifeiras, as apanhadeiras e vindimeiras, e que cenografam todo um mundo diferente, longe, burlesco e desconhecido, dos salões mundanos lisboetas. As sua retinas copiam o povo tal e qual como ele existe, desfiando um reportório de personagens reais e concretas, que emergem das cores e da luz que magistralmente mistura na paleta para a tela. Fá-lo-à neste canto da província, onde entre 1883 e 1933, veio a viver grande parte da sua vida criativa mas tambem intíma.
O “Casulo” era a base deste “caçador”, que calcorreava esta região à caça de motivos, do rústico, da alma gentia, ginasticando na paleta as aflorações da luz, do tempo e da natureza beirãs. Em dias de sol, Malhoa deixava o seu “Casulo” muito cedo: “Levanto-me às quatro e meia, arranjo-me, e às cinco e meia estou na rua com minha mulher: vamos para um grande maciço de carvalhos ver romper o dia, pinto, gozo, troco impressões com minha mulher. Venho almoçar, e depois pinto à sombra, na minha horta das dez à uma. Janto às duas, vou pintar até ao pôr-do-sol, e depois um grande passeio, conversar com os pastorzitos, entramos às oito e meia, e às nove…cama” (carta a Manuel Sousa Pinto em 1913). Ia por ali adiante, pelas encostas floridas e os vales profundos, em busca de motivos para instalar o cavalete, esquecendo-se das horas que passavam. Tinha o sol como relógio, tal como na faina dos campos, e regressava muitas vezes acompanhado pelos seus modelos campestres, já o sol se escondia para lá dos montes, para o “afago borralheiro do Casulo”.
Para dentro do “Casulo”, trazia os esboços e os apontamentos da força e da simplicidade das gentes do campo, com as suas alegrias, virilidades e sentimentos, que aprimorava nas telas, como companheiros do seu idílio provinciano e que pintava com a alma e com os olhos, como extensões das suas mãos.
Francisco Gabriel, modelo de Malhoa, natural da Lavandeira, dizia:“Quando vinha da escola, encontrava-o muitas vezes a pintar. E parava para estar ali a vê-lo, como faziam muitos rapazes e raparigas”.
A memória do pintor construiu-se assim, numa longa rotina ao longo de cerca de cinquenta anos, entre a sua constante presença humana e uma casa de fisionomia curiosa de cor de tijolo, numa dupla ligação que passou através das gerações, e cujo testemunho material manteve sempre vivo esse fio comunicador e cuja memória devolve o homem que a habitou, continuando a irradiar dela todos os discursos e símbolos que albergou, sobretudo quando se fala no pintor das gentes portuguesas.
casulo_actualA casa nomeia José Malhoa, delimita-o, combina-se com ele e articula-se no artista. Um e outro, mundo natural e ser humano excepcional, alimentaram-se mutuamente dentro daquele espaço edificado.
O “Casulo” de Malhoa, é um brasão patrimonial dos figueiroenses, cujo retorno ao seu convívio tem sido feito num percurso atribulado nos últimos setenta e cinco anos da sua vida, mas que se reergue sempre, teimando em repor tanto a memória, como o lugar real do pintor, da sua paleta e das superfícies das telas que ali fecundou.
O “Casulo”, foi o laboratório onde registou a história social dos campos, o traço típico do português anónimo mas genuíno, onde “reuniu” o povo Figueiroense e as paisagens desta região.
Perto das férias, em 1883, “Subia eu o Chiado e ao voltar para a então Rua de S. Francisco, hoje Rua Ivens, parei para acender um cigarro e esbarro com o colega Henrique Pinto que vinha da Academia de Belas-Artes. Expansões efusivas de camaradas, e o Pinto desafia-me a ir até Figueiró dos Vinhos, terra do nosso Mestre de desenho Simões D’Almeida (Tio), por quem fôramos várias vezes convidados. O Pintor descreveu-me a paisagem. Entusiasmado, combinei partir na companhia do amigo e colega. E…Figueiró cativou-me para o resto da vida” (Carta de Malhoa a Manuel Sousa Pinto, datada de 1913).
Em 1883 tornou-se Figueiroense de alma e coração e pintará com frequência nos seus quadros a paisagem local. Mal despontava a Primavera, entre esse ano de 1883 e o ano em que faleceu, em 1933, partia para Figueiró dos Vinhos onde se demorava até finais de Outubro, regressando a Lisboa pela época das “merendeiras”, que ele tanto apreciava. Em carta de 1913 dizia a um amigo: “Isto tudo quer dizer, que hoje faço quanto posso para estar longe dos homens…e das mulheres tambem! Trato de me afastar quanto posso da sociedade porque a conheço a fundo e sinto amargamente não poder fazer no resto dos meus dias o mesmo que agora aqui estou fazendo (em Figueiró), isto é, passar a vida entre minha mulher, a minha querida Arte, e a natureza, e…esta ainda às vezes me rala, porque quando necessito sol…chove!”.
Neste rincão provinciano passaria largas temporadas e que, nas epistolas aos amigos, confirmava serem os períodos mais felizes de toda a sua vida.
Inicialmente, guardava os seus apetrechos de pintura dentro de uma barraca de horta que pertencia ao farmacêutico da vila – Lopes Serra – e onde este recolhia os utensílios para a lavoura. Porém, Lopes Serra, homem sensível e dado às artes, pressentindo a grande fortuna memorial e o enorme prestigio que a presença do pintor podia trazer à terra, desafia-o a construir algo sólido e convidativo a permanências mais demoradas, inclusivamente, na companhia da esposa e família. Manuel Quaresma aliou-se ao gesto do conterrâneo e prestou-se a oferecer todas as madeiras necessárias para a construção da casa. José Malhoa não hesitou, e entusiasmado aceita o desafio, iniciando as obras em 1895.
Começa por construir, simplesmente, um atelier melhorado, num edifício com apenas 30.00m2 mas rodeado de luz e à volta do qual mandou plantar um grande número de hortenses (ainda existentes), que acentuavam a beleza e o colorido do local.
A “moradia” resumia-se, assim, “a uma pequeníssima casa rectangular apenas com uma divisão”, onde instalou uma “minúscula cozinha”, dividindo a sala com dois biombos, criando dois espaços e que serviam de sala de jantar/estar e quartos para ele e a sua irmã. “De tão pequeno que aquilo era, o pintor baptizou-o com o nome de «Casulo»”, porque aquele espaço representava o isolamento que ele tanto apreciava para o trabalho mais apurado, tal como o casulo é para o laborioso bicho-da-seda, e daí a razão do nome que deu ao seu atelier renovado.
Passados três anos, em 1898, decidiu ampliá-lo segundo um projecto que o arquitecto, e seu grande amigo, Ernesto Reynaud lhe propusera. Este encontrava-se em Figueiró dos Vinhos a dirigir as obras de reconstrução da Igreja Matriz. Malhoa, decide acrescentar ao atelier (o “Casulo” propriamente dito) mais um corpo com dois pisos. Sob a direcção do referido arquitecto, contrataram-se dois especialistas em construção: Júlio Soares Pinto, para a parte das alvenarias e cantarias, e Manuel Granada, perito em carpintarias. Assim, no corpo localizado a Sul ficaria o atelier, que se destinava sobretudo ao trabalho em dias chuvosos, provido com uma grande clarabóia de vidro e amplas portadas de ambos os lados que complementavam a entrada de luz natural. As paredes da sua nova sala de estar, revestiu-as a couro lavrado, com o seu próprio punho, e a ladear o tecto, colocou pequenos quadros, que incrustou em pequenos nichos, e cujos originais foram elaborados por alunos da Academia de Belas-Artes, num total de vinte e quatro pequenas telas. Esta sala era servida por uma bonita varanda alpendrada totalmente em madeira, sobranceira ao jardim onde se encontram as árvores, o lago, as sombras e as flores e, ainda, o “caramanchão das saborosas horas de repouso e lazer”. O seu quarto, no piso superior, era amplamente iluminado por três janelas, que lhe proporcionavam um panorama paisagístico incomparável: “Quando o Mestre subia ao seu quarto no 1º andar, demorava-se muitas vezes a olhar os montes, para além do Zêzere; o Cabril, a Bouçã; Cernache do Bonjardim, Lavandeira e Senhora da Confiança e a sua capelinha” (novamente o testemunho de Francisco Gabriel). No exterior do edifício, cujas paredes são rebocadas a imitar tijolo de burro, incrustaram-se valiosos painéis de azulejos de Rafael Bordalo Pinheiro, que o artista trouxe da sua terra natal. Os azulejos têm motivos curiosos estando igualmente colocados no edifício segundo um esquema temático: a rodear a área de trabalho, os motivos são geométricos, com buris policromados a formarem ilusões florais interligadas; no rés-do-chão da área habitacional, os motivos são gatos pretos, talvez em alusão à noite e aos serões acesos repartidos com os amigos; ao nível do piso superior, os motivos são rãs sob nenúfares. No sótão, cujo polígono estrutural sobressai da cobertura como uma torre, os motivos são flores de lótus e estrelas (a fazer lembrar o símbolo da energia).
Quando o “Casulo” foi inaugurado, por volta de 1905, houve “festa rija” e foi acontecimento que se prolongou durante um dia inteiro. Tal acontecimento serviu ao inspirado maestro da Filarmónica Figueiroense, que aqui vivia, a composição de uma peça musical em homenagem a esse evento – “O Casulo” – e que existe nos arquivos da nossa Filarmónica Figueiroense.
Malhoa celebrará sempre a sua ligação afectiva a Figueiró, assinando os frequentes estudos, não só com a data, mas com a identificação do Local – “Fig. Vinhos” – e tambem com apontamentos nas folhas dos pequenos álbuns de desenho que sempre trazia no bolso, transportando o nome da vila, a sua paisagem, os costumes e tradições para além dos seus limites geográficos.
Desde o longínquo primeiro quadro pintado em Figueiró em 1883 – “O Perrecho” – que a produção artística aumentara em obras telúricas figueiroenses e que viriam a granjear-lhe a fama e o reconhecimento nacional da sua obra, tais como: “Viático ao Termo”, “As Papas”, “A volta da romaria”, “As Padeiras – Mercado em Figueiró”, “Os Bêbados – Festejando o S. Martinho”, “Varanda dos Rouxinóis”, “o Imigrante”, “Ai Credo”, “Vou ser mãe”, “As Promessas”, “Conversa com o vizinho” e muitos outros.
quadro_de_jose_malhoaEm 26 de Outubro de 1933, José Malhoa falece no quarto do seu “Casulo”, vitimado por uma pneumonia. No seu atelier, sob o cavalete, permanecia uma tela que ia tomando forma. Vislumbrava-se um rosto grosseiro de uma velha camponesa, mulher do Ventura, que reflectia um rosto impregnado de sentimento humano, em que a dor e a saudade se misturam e concentram, com os olhos cansados, nariz afilado e boca descaída. Malhoa, para a pintar, contava-lhe histórias que a faziam chorar, a fim de captar as essências da sua alma, que expressassem “o desabar de uma vida que já não merecia ser vivida”. Julgo, que o próprio Malhoa, de setenta e oito anos, se revia neste retrato, de um homem que já fora um folgazão e alegre conversador, que recebera do mundo a glória, mas que no fim da etapa se encontrava isolado, solitário, “esperando da vida que a morte lhe estendesse a mão” (o seu grande amigo Henrique Pinto falecera em 1912, o irmão em 1917 e a esposa em 1919, facto que o mergulharia numa grande depressão de que só recuperaria plenamente a partir de 1926). Essa obra (a última da sua vida) ficaria para sempre inacabada e com ela terminava tambem a primeira “vida” do “Casulo”, que iniciaria um longo interregno patrimonial e que iria durar décadas.
Contarei a segunda vida do “Casulo” – e que se inscreve entre 1933 e 1982 – no próximo número deste Jornal.

Foz de Alge: as “ferrarias” do Império

15 Agosto 2008

ruinas_das_ferrariasQuando olho as paredes em ruínas das antigas Ferrarias da Foz de Alge, sinto admiração pelo nosso passado, quando procurávamos bastar-nos a nós próprios. Retirávamos da natureza tanto os nossos melhores produtos agrícolas e florestais, como os vários minérios com que alimentávamos o sonho da nossa independência económica, saídos dos recursos do nosso solo e subsolos portugueses. Foram esses mesmos recursos, em grande parte, que possibilitaram o nosso temperamento aventureiro e que nos levou a sulcar os oceanos, procurando muitas vezes em terras longínquas aquilo que tínhamos em nossa casa e cujo valor subestimávamos. Mas foi igualmente através deles que potenciámos a nossa tenacidade para expandir um pequeno país, que ousou tantas vezes surpreender o mundo.
Desta forma, inicio este artigo sobre as antigas Ferrarias da Foz de Alge e do Reino de Portugal, e que faziam parte de um imenso laboratório metalúrgico nacional, onde exímios mineiros, ferreiros e metalurgistas contribuíram para a emergência de uma indústria, que foi fundamental na história do país e dos homens que o serviram. A indústria do ferro em Portugal intensificou outras indústrias afins e beneficiou a sociedade e a economia do país. Ligava-se intimamente ao sector florestal em complemento com uma precária economia de base agrícola, movimentando milhares de braços e energias, num esforço contributivo de uma nação ávida de se libertar de jugos económicos estrangeiros, entre os séculos XVII e XIX.
Desta forma, os primórdios da indústria do ferro no nosso país, chegam às matas da Foz de Alge, que contribuiu também para esse labor intensivo e ao qual devemos render homenagem em sua memória.
Na região do interior, num país onde as actividades económicas estavam intimamente ligadas ao sector agro – pastoril, o início de um empreendimento de uma unidade de mineração e de transformação do ferro, pelo menos desde 1654 (D. João IV), era no mínimo surpreendente. ferrarias_da_foz_de_alge
Geologicamente, o concelho de Figueiró dos Vinhos é constituído por xistos, grauvaques, granitos e também de alguns quartzitos. Contudo, o ferro (e também o ouro, no Rio Zêzere) foi explorado com objectivos económicos, de forma mais intensa, pelo menos desde meados do séc. XVII, sobretudo nas freguesias de Campelo e de Figueiró dos Vinhos. Das jazidas exploradas para prover minério à unidade fabril, posso referir a mina da Ribeira da Provença, localizada entre as Bairradas e o Vale do Rio, e que pode ser estudada em íntima ligação às Ferrarias da Foz de Alge.
Assim, no pequeno estuário formado pela Ribeira de Alge com o Rio Zêzere (o qual delimita o concelho de Figueiró dos Vinhos a Sul), na margem esquerda dessa ribeira, e a cerca de 10 Kms da Vila de Figueiró dos Vinhos, existe ainda hoje o que resta das ruínas de uma antiga fábrica de fundição de ferro, e que no seu tempo foi das melhores do país.
Pode-se também afirmar, que existem muito poucas unidades proto-indústriais de transformação do ferro em Portugal, que se possam comparar às das ferrarias da Foz de Alge, e que fazem delas um importante património arqueológico, não só local, mas também de âmbito nacional, à espera de serem mais estudadas e sobretudo intervencionadas. As ferrarias da Foz de Alge ainda se mantêm perceptíveis, embora a localização das mesmas, em leito de ribeira, lhe imponha o risco do seu total desaparecimento, dificultando a sua conservação como estrutura arquitectónica identificável e monumental. A construção da barragem do Castelo de Bode (inaugurada em 1951), e que elevou o nível das águas do Rio Zêzere para a cota 122.00, fez submergir o que restava do antigo complexo, que ficou à mercê dos caprichos da albufeira, e que só em raras ocasiões põe totalmente a descoberto o que ainda não foi consumido pela natureza e pelo tempo. Recentemente, a construção de uma nova ponte desfechou mais um golpe neste património, infligindo severas perdas e danos às ruínas, tendo feito desaparecer a Casa do Administrador. Infelizmente, a pouca sensibilidade para as questões patrimoniais por parte dos meus conterrâneos, não lhes permitiu perceber a fortuna patrimonial e a susceptível e potencial musealização do local. Para além da preservação/recuperação das ruínas, podia-se ter construído um pavilhão de apoio localizado nas suas proximidades (na Cova da Eira ou na Foz de Alge) e que permitiria a constituição de um núcleo de pesquisa e estudo da mineração e transformação do ferro em Portugal, dotado com maquetes, modelos, mapas, brochuras temáticas, e artefactos arqueológicos que tivessem sido lá produzidos (canhões, balas de artilharia, pregaria, baionetas, espingardas) fotos, desenhos, fogões para aquecimento, alfaias agrícolas, etc. Tal núcleo, para alem de integrar e enriquecer uma Rota Turística, poderia ser visitado por escolas, alunos universitários, estudantes-investigadores, etc. Não imaginam a quantidade de trabalhos científicos e de divulgação, que pólos do género produzem todos os meses por este país fora. Empreendimento esse, que poderia ter sido adicionado às potencialidades turísticas da “nossa” Foz de Alge, agora dotada com um magnifico Parque de Campismo plantado à beira do Rio Zêzere e onde poderá ser igualmente construída uma unidade turística interligada com os recursos da região. Deste modo, poderia ter sido dado àquelas ruínas um lugar de destaque, para a pesquisa e conhecimento arqueológicos da produção do ferro proto-indústrial em Portugal. Mas infelizmente, entristece ver perder-se debaixo das águas e do lodo da Barragem do Castelo de Bode o sonho dos nossos antepassados, cuja memória merecia ser salvaguardada, entendida, estudada, divulgada, homenageada e preservada.planta_das_ferrarias_da_foz_de_alge
Aquela fábrica fundiu canhões, peças de artilharia naval e de fortificações militares, pregaria para as naus, canos de espingardas, baionetas, varetas, fechos e folhas de espadas, fogões para aquecimento (um deles está no convento de Mafra), alfaias diversas para a agricultura, etc. Em 1936, o Engenheiro António Arala Pinto (na altura chefe da 3ª Circunscrição Florestal) encontrou na mata circundante às ferrarias, “uma dúzia de moldes de balas, um contra-molde dum fuso de madeira, e o molde dum cano de canhão habilmente malhetados”, bem como picaretas, hematites e diversas balas de artilharia de calibragens diferentes. Gostaria de saber onde param todos esses objectos!? Servem também como testemunho da capacidade produtiva da fábrica da Foz de Alge, as memórias de um nobre português (António da Rocha Barbosa), em que enumera os produtos saídos das forjas das ferrarias “desde o anno de 1734” (e que eram as seguintes): “231 peças d’artilharia de vários calibres, pesando juntas 6337 arrobas; 6078 balas de munição, pesando 282 arrobas; dois fogões grandes, um para Mafra, e outro para o Conde de Unhão, pesando juntos 347,5 arrobas; de ferro batido: 1273 arrobas de pregos e cavilhas; um fogão para o hiate de Sua Majestade, 19 arrobas; 75 arrobas de ferro, em três carradas, para o convento e Igreja dos Religiosos de S. Domingos da villa de Pedrógão”.
O combustível usado para a fundição era a cepa de moita e com a qual se fazia o carvão. Esta encontrava-se nos montes circundantes à fábrica, muitas vezes em locais de difícil acesso. Era arrancada pelos moradores da região que faziam disto a sua profissão/ocupação, nos intervalos das suas actividades agrícolas. O transporte dos materiais era feito por carreiros com juntas de bois alugadas e depois por barco até Lisboa.
As minas de ferro que abasteciam a fábrica durante a sua existência eram, entre outras, as de Barranca, próximo de Alqueidão de Maçãs de D. Maria; as do sítio do Pinheiro, termo de Pousaflores, donde se extraiu ferro durante mais de duzentos anos; junto à Serra de Alvaiázere, no sitio do Sobral, freguesia de Maçãs de Caminho; na Rapoula, Serra de Aguda, freguesia de Avelar, e junto à Ribeira da Provença, entre Bairradas e Vale do Rio, no concelho de Figueiró dos Vinhos. O transporte da matéria-prima até à Fábrica fazia-se em moldes idênticos ao que era utilizado para o produto acabado.
As ferrarias da Foz de Alge usufruíam e aproveitavam duas energias vitais para o funcionamento das suas forjas e martelos de refino: a energia hidráulica, com o caudal da Ribeira de Alge, que mesmo no pico do Verão se mantinha com a força motriz necessária para accionar os foles das fornalhas, e cujo (grande) Açude – 80m de largura por 7m de altura – localizado a 300m para Norte, era vital para a canalização de água que fazia “mover máquinas e engenhos”; e a energia eólica, que accionava também foles de algumas fornalhas (caso faltasse a água), aproveitando os ventos dominantes de norte e que percorriam o pequeno estuário formado pela confluência da Ribeira com o Rio Zêzere.
Mostro uma planta destas ferrarias, que elaborei com base numa antiga planta de 1804 e que actualizei com base num inventário de 1857, e que apoiada num levantamento topográfico (que realizei a parte das ruínas) e num ortofotomapa do local, dá uma ideia daquela que foi uma das mais importantes Fábricas de Ferro do Império Português.
Este artigo é em honra daquelas pedras e dos homens que as ergueram e cuja fortuna foi esquecida.
A terminar, será também justo mencionar o apoio, que os livros de Carlos Medeiros «Figueiró dos Vinhos, Terra de Sonho», e o de António Arala Pinto «O Pinhal do Rei», me deram para a elaboração do presente artigo, para além de outras fontes que consultei, entre as quais a «Monografia do concelho de Figueiró dos Vinhos».
planta_das_ferrarias

Partidos políticos e candidatos à “Coisa Pública”

31 Julho 2008

politicos_wgHá cerca de duzentos anos, a Revolução Francesa (1789-1799), alargou o campo da política, estendendo-a ao alcance de todos os cidadãos e a todas as actividades, deixando de ser apenas apanágio de um grupo minoritário, intimamente ligado ao poder. A felicidade tornou-se numa noção clara e um direito do indivíduo, e o Estado assumia a responsabilidade pela manutenção dessa condição. A política tornou-se coisa de todos e polarizava-se como mais um instrumento do pleno humanismo social e que tornava o homem, cada vez mais, dono do seu próprio destino, donde irradiava toda a evolução do mundo. A “coisa pública” abria-se ao cidadão comum, e despia-se do secretismo que envolvia a administração do Estado.
Dessa Revolução surgiriam os “Agrupamentos”, os “Clubes” e as “Sociedades Populares” e que seriam os primórdios dos futuros partidos políticos. Durante a era Liberal (séc. XIX) estes grupos não passavam de facções locais, que se formavam apenas com a aproximação das eleições, para preparar os seus candidatos, apoiá-los e patrociná-los, desfazendo-se logo a seguir ao acto eleitoral. Pouco a pouco, estes grupos passam a ter uma vida existencial permanente e formulam as suas doutrinas políticas. Contudo, funcionavam mais como centros de pressão e influência, e com os quais se pretendiam instalar nos círculos do poder, do que como representantes de verdadeiros programas solucionadores das maleitas nacionais.
Com o advento do sufrágio universal e a crescente institucionalização dos actos eleitorais patrocinados pela corrente democrática, estes Grupos tornam-se em algo mais. Começam por se formar de modo institucional e passam a ser verdadeiras “escolas” de pensamento, centros de reflexão, de doutrinas e ideologias políticas que propagam, e cuja actividade vai também assegurando uma certa educação política às populações. Assim, de partidos de “notáveis” (no liberalismo) passam a partidos de militantes (na democracia), federam-se internacionalmente e alargam constantemente as suas bases. Passa-se de uma vida politica confinada aos círculos mundanos ou aos Clubes, para uma vida politica mais alargada e onde todos podem participar, com comícios e campanhas eleitorais nas praças públicas, nas avenidas, nos teatros, etc. Os chefes desses partidos passam a ter o estatuto de figuras públicas conhecidas, a sua voz representa as massas anónimas, que lhe conferem um poder legitimador e que o Estado aprendeu a respeitar e a não subestimar.
Hoje em dia, todos podem intervir activa e livremente na política, sem constrangimentos de qualquer ordem. Qualquer um se pode filiar (ou simpatizar) livremente num qualquer partido político. Tanto assim é, que os grandes partidos medem a sua “grandiosidade” pelo número de militantes que têm e que, constantemente, exibem como credenciais.
No nosso país, somente após o 25 de Abril de 1974, se instituiu o modelo democrático do sufrágio universal, isto é, o povo, na sua totalidade, e mediante as fórmulas democráticas, conquistou a soberania de eleger periodicamente os seus governantes – seja a nível nacional ou local. Antes de 1974, e durante a vigência do Estado Novo, os Presidentes das Câmaras (e que se chamavam “Presidentes das Comissões Administrativas”) eram nomeados pelos governadores civis e eram quase sempre escolhidos de entre os notáveis dos concelhos. Em 12 de Novembro de 1976 realizam-se em Portugal as primeiras eleições democráticas – eleições legislativas – e a 12 de Dezembro do mesmo ano, as primeiras eleições para os órgãos das autarquias locais. Desde aí, já houve nove eleições para escolhermos os nossos Presidentes de Câmara.
Deste modo, foi tambem dada às populações a soberania para julgar, avaliar e escolher, quem se propõe para governar as suas terras. Assim, os políticos autárquicos sabem bem, que prestam contas às suas populações de quatro em quatro anos. O povo ou aprova a sua continuação à frente das Câmaras Municipais …ou demite-os, pura e simplesmente.
A conquista do poder, é feita numa espécie de vindima eleitoral, revestida de colorido, com muitas bandeiras e bandeirinhas, camisolas, cachecóis, autocolantes, cartazes cheios de mensagens “hipnóticas” e automáticas, com os políticos de porta a porta, a interromperem-nos o jantar, para distribuírem as suas “promessas”, as suas “soluções” milagrosas, a falarem-nos ao coração, numa grande máquina “politiqueira” bem montada e organizada, e que quase sempre termina com uma grande caravana automóvel, com os partidos rivais a verem quem leva mais carros, e no fim, apoteoticamente, num grande comício inflamado na principal praça ou rua da terra, e que se esforçam para apinhar de gente.
As semanas das campanhas eleitorais transformam, deste modo, o país num imenso palco de propaganda e de exaltação das personalidades politicas, recheadas de discursos providenciais cheios de tudo (ou quase tudo) que prometem resolver. Se este jogo pela conquista do poder antigamente privilegiava as elites, hoje, infelizmente, favorece o populismo, a cara conhecida, o nome sonante, e que nem sempre são sinónimo de competência para gerirem a “coisa pública”. Alimentados por uma bem articulada estrutura de influências, os partidos políticos estão-se a transformar, novamente, em meras agências de “notáveis” que pretendem eleger, servindo-se de uma bem montada rede mediatizada (e publicitária), tudo fazendo para defender o seu “mercado eleitoral” e os candidatos que patrocinam.
Os partidos políticos nasceram para serem locais de debate de ideias, de diagnóstico ideológico e de argumento reflectido. Todavia, em pouco tempo, conseguiram transformar-se em instituições descredibilizadas e arcaicas, geridas muitas vezes por autênticas famílias feudais, ansiosas por controlarem tudo, incluindo os anseios da sociedade civil, para onde estendem as suas influências tentaculares. Agravam assim, a apatia dos cidadãos, que se vão afastando cada vez mais da intervenção politica, “doentes” e esvaziados dos seus sonhos e expectativas, porque os “seus” políticos se desligam cada vez mais do mundo das pessoas reais e dos problemas que tardam, ou esquecem de resolver.
Muitas vezes pergunto, se hoje em dia os cidadãos votam em programas e ideias, ou se em pessoas e em partidos?! Sou levado a acreditar que, infelizmente, raras são as vezes em que votam nas duas coisas juntas. É pena, porque a liberdade de escolha e o direito de voto, que foi oferecido a todos, é a mais sagrada conquista da democracia, que dá às populações o poder e o desígnio de escolher os seus governantes. Mas é também, simultaneamente, a arma mais importante do direito colectivo, porque simboliza, afirma e impõe a sua soberania perante um Estado tantas vezes prepotente. Contudo, este direito que o povo detém, tem que ser um direito de plena consciência, bem esclarecido e não submetido unicamente à pressão e ao fascínio das épocas eleitorais, para evitar que a politica se torne numa espécie de antecâmara, onde se trocam favores e se negoceiam “dotes”. As Assembleias Municipais, começam a assemelhar-se a locais onde se usa mais a táctica e o ardil político do que a construção e a promoção do diálogo através do debate de objectivos, que visem solucionar os reais anseios das populações. Os partidos políticos deviam ser exemplos desinteressados para as ideologias que representam e orgulhar os adeptos que pretendem conquistar para as suas causas. Contudo, tornaram-se grupos de pressão poderosos e formadores de opinião, com uma retórica vocabular eloquente e artificialmente construída, com que cenografam e manipulam as emoções. Cheiram demasiado a ambição pelo poder, caindo facilmente em incoerência ideológica, vivendo muitas vezes do clientelismo fácil e de lealdades fabricadas e que se vão cultivando numa espécie de “municipalismo paroquial”. São polvos que tentam chegar a todos os lugares onde cheire a poder e, caso seja necessário, não hesitam em mediatizar-se e a instalar-se nos jornais e nas associações locais, com a intenção de fiscalizarem todo o tipo de decisões e, deste modo, anular adversários, que se possam transformar em contra-poderes dos seus complexos jogos políticos.
Muitos são também os “notáveis”, que estão mais preocupados com as suas carreiras politicas do que com o interesse genuíno das populações. Muitas vezes, aqueles que se apresentam como candidatos, propondo-se para liderar o futuro e o destino dos seus concelhos, são fruto de estratégias partidárias, realizadas em reuniões onde poucos falam e onde o segredo envolve as decisões, não restando ao partido outro remédio senão nomeá-los como tal.
Contam “afirmar-se” com o tempo decorrente das campanhas eleitorais mas que é manifestamente insuficiente, para avaliarmos as suas ideias e as soluções que propõem. O folclore eleitoralista enfeita facilmente as suas mensagens de “esperança” e cheias de “providencialismo”.
Os candidatos ao governo da “coisa pública”, deviam forjar as suas credenciais pessoais no meio da comunidade, e que dizem representar, longe das campanhas eleitorais, donde sairia também um programa e um projecto, erguidos com os contributos colhidos no terreno e da boca dos seus concidadãos. O que as populações almejam são políticos sem máscara e não “actores” com o papel bem decorado.
Não existem pessoas naturalmente talhadas ou nascidas para os cargos de chefia politica, nem mesmo aqueles que exibem constantemente os seus altos curriculuns tecidos e aprimorados por uma qualquer carreira politica e que parecem fazer deles seres de outro mundo, infalíveis e inquestionáveis. Não!!
Os candidatos aos cargos políticos deviam, acima de tudo, constituir-se por homens e mulheres de consciência, que pretendam exercer os cargos governativos sem vaidade pelos seus lustrosos estatutos, suportando-os com modéstia e, de igual forma, sabendo aceitar humildemente os seus erros junto das (suas) populações, a quem constantemente devem tambem saber pedir conselho. A juntar a isto, deviam ter a ciência necessária, que lhes permita serem tanto animadores, como bons gestores da vida das comunidades locais, munirem-se com a necessária flexibilidade humana e dotarem-se, simultaneamente, com a imprescindível competência técnica, qualidades que lhes permitiriam agilizar esses altos cargos, e cujo exercício está longe de ser fácil, exigindo-lhes muita abnegação, humildade, trabalho e sabedoria genuínas.
Mas deviam sobretudo, serem feitos daquela matéria com que se fazem os sonhos colectivos. E seria bom, que esses pretensos candidatos a “homens do leme”, saíssem tambem do meio desses sonhos, prontos a inscreverem no futuro uma história comum e que orgulhasse gerações passadas e presentes, bem como as vindouras.
Contudo peço-lhes, que antes de se apresentarem como candidatos, julgando-se já aptos para exercerem os deveres da “coisa pública”, que tenham a fortuna e a coragem, de saberem observar e aprender com o exemplo daqueles que, presentemente, de norte a sul do país, ainda praticam e exercem o poder pelo puro prazer de servir as suas populações.
O novo ano que se aproxima – 2009 – vai ser fértil em eleições e campanhas eleitorais. Os portugueses irão ser chamados a votos por duas vezes: uma para elegerem os seus representantes ao governo do país e a outra para elegerem os órgãos das suas autarquias locais. Vai ser um ano em cheio para os “profissionais” da política. Irão aparecer nas nossas caixas de correio os panfletos e as mensagens do costume, na televisão vamos ter que aturar os tempos de antena dos vários partidos políticos e na rua vamos ser muito bem cumprimentados por pessoas que raramente falavam para nós, e que agora acrescentam uma outra mesura ao cumprimento.
A democracia não é um sistema perfeito, todavia, ainda não foi inventado um melhor e que permita às comunidades ter, pelo menos, a sensação de que a sua opinião tambem conta para as decisões dos poderes instituídos. Que o digam os nossos pais e avós que viveram épocas muito complicadas, em que as suas ideias não gozavam de qualquer liberdade expressiva.
Acredito, que por este país fora, já há quem prepare a “máscara” para usar no longo ano eleitoral que se aproxima, que já ensaie vários discursos para vários cenários, e que já treine sorrisos pepsodente e palavras de circunstancia e simpáticas para quando nos apertarem a mão, ou nos beijarem os filhos, com o folclore e as maquilhagens do costume. Uns a quererem ser donos do poder, outros a quererem exercê-lo para sonhar futuros comuns. E perante aqueles que se disfarçam para disputarem as eleições, o nosso exercício está, exactamente, em saber discernir, quem é quem por detrás da “máscara”. E isso só é possível com liberdade de expressão e em democracia.

A “velha” Rua que ousou ser moderna…

06 Abril 2008

rua_2008A rua é o espaço público por excelência e pode ser ou não, complementada com praças, zonas de lazer, mobiliário urbano, etc. São fóruns de convívio, de mobilidade e comunicabilidade. Nelas também circula o espírito colectivo exercendo a sua plena cidadania. Para alem de serem espaços óbvios de circulação, são igualmente espaços de lazer, de encontro, de conversação mas também património a preservar ou a melhorar e que evoluem das necessidades decorrentes da evolução natural do homem.
Desde a Antiguidade, que cidades surgiram, transformaram-se, evoluíram. Outras houve que desapareceram, perderam importância, ultrapassadas pela evolução civilizacional. O mundo não é o mesmo desde ontem! Desde que se “inventou” o Planeamento Regional e Urbano, que a requalificação urbana é entendida como uma doutrina para servir e melhorar o que já existe. Melhorar as localidades e a qualidade de vida das populações, melhorar o sentido estético de vilas e cidades, conferindo-lhes mais beleza, assegurar o orgulho dos seus cidadãos e a admiração de quem os visita. Estes foram sempre objectivos prioritários e comuns ao longo dos tempos. A nossa “velha” Rua já é muito antiga. A sua definição física formou-se ao longo do século XIX. figueiro_dos_vinhos_1900Em 1900, chamava-se “Rua Visconde de S. Sebastião”. Nessa altura já era uma das principais artérias da vila. Depois, nos anos 40, passou a denominar-se Rua Dr. Manuel Simões Barreiros, em justa homenagem a este grande vulto figueiroense, mantendo esse nome até à actualidade. Começou por ser em terra batida, sem passeios, porque os carros eram raríssimos ou mesmo inexistentes na nossa vila. Nos anos 40 ganhou um esboço de passeios para os peões, começando a separar-se o que era espaço para pessoas e veículos. Os passeios ganharam mais visibilidade e foram melhorando ao longo das décadas seguintes. A Rua não parava de evoluir, recusava-se a ficar parada no tempo. No final dos anos 80 e inícios de 90, começou a perceber-se que os passeios se “tornavam” estreitos, porque aumentara o número dos que a utilizavam, acedia-se mais a ela, por esta ter conquistado a excelência comercial da terra. O trânsito também se tornara mais intenso. Adquirir um veículo democratizara-se plenamente. Hoje todos temos automóvel! A “velha” Rua, apresentava passeios de ambos os lados, estrada para os carros e estacionamento (apenas num lado), que começou a ser pago e com tempo limitado, a fim de evitar abusos e manter uma alternância equilibrada e justa entre os automobilistas. Mas era tudo muito apertado! A simbiótica viária da rua precisava uma vez mais de ser reajustada com o progresso. Rebentava pelas costuras! Assim, em 2007 a “velha” Rua entrou novamente em obras que a modificaram RADICALMENTE! Ficou mais bonita, agradável à vista, parece até mais larga, com uma aparência “moderna”, adequada aos tempos que se vivem à semelhança do que se vai fazendo noutras vilas e cidades. Ninguém negará ou contestará que ganhou em beleza estética. Contudo, algo não vai bem na “modernidade estética” da “velha” Rua! Com este mote, passo à questão fulcral deste artigo:
No passeio (largo, bonito, com floreiras e que se situa no lado dos correios) ninguém se entende muito bem, entre carros, pessoas, comerciantes, sinalética de trânsito, etc! Os peões que ousarem ou tiverem a necessidade de fazer o percurso por esse lado, têm que se sujeitar muitas vezes a autênticas gincanas por entre os carros literalmente estacionados, entupindo as entradas dos estabelecimentos e a circulação pedonal nesse passeio. Dificuldade mais sentida nas pessoas idosas e nos deficientes que se movem em cadeira de rodas. Há pessoas que ainda não entenderam que uma requalificação altera sempre as regras. E as da circulação dessa rua foram alteradas, enquadrando-se na sua nova funcionalidade, cuja filosofia central a pretende oferecer mais às pessoas do que aos carros. As alterações são simples mas urgem ser consciencializadas e respeitadas para que na prática demonstrem civismo de atitudes. Acontece, que muitos condutores figueiroenses (e não só), fazem daquele passeio o seu lugar privado de estacionamento, como se fossem donos de um bocado dele, com uma facilidade que lhes é facultada pela inexistência de barreiras físicas que os desencorajem. É o típico comportamento da “espertalhice portuga”! E também não é legitimo exigir ou culpabilizar a GNR, para que esteja permanentemente presente para regular o que deveria ser regulado “civicamente”. E é aqui que entra o termo “falta de civismo”, muito complicado de engolir. Mas infelizmente, e acima de tudo, esta é a principal verdade que desequilibra a inovação da rua: falta de civismo nas atitudes e comportamentos que alguns cidadãos manifestam no seu dia-a-dia, com práticas que em nada contribuem para a plena satisfação colectiva. Contribuirão esses condutores para dignificar uma obra que valoriza a terra, só porque insistem em não respeitar regras simples e bem definidas? Não teremos parques de estacionamento na vila (um deles até coberto)? Precisarão as boas regras de convivência estar igualmente definidas na lei e nas posturas municipais? Serão estes senhores os mesmos que se indignam com a falta de educação, disciplina e autoridade que reina nas escolas?! Que se irritam cada vez que alguém não cumpre as regras mas que só vêem as questões no lado dos seus interesses directos?
rua_anos_50Todavia, dentro das regras estabelecidas também há lugar à tolerância e à compreensão para certos “infractores”. Por exemplo, ninguém estranhará se um comerciante dessa rua estacionar MOMENTANEAMENTE a sua viatura no passeio por necessidade da sua actividade profissional, ou que os seus fornecedores também o façam. Estamos numa terra onde todos se conhecem, e não numa grande cidade de gente anónima. Aliás, tenho muito respeito pelos nossos comerciantes, porque são sempre os primeiros a ceder nas mudanças, discutindo-as é certo, mas aceitando contribuir para tornar a vila diferente e original em relação às vilas que nos rodeiam, desde que a “modernização” se faça sem a descaracterizar.
Esta “modernidade” tão clamada por alguns e um pouco por todos, não tem só a ver com edifícios, passeios, praças e ruas. Tem sobretudo a ver com as pessoas e a sua capacidade de aceitarem civicamente as mudanças (fruto da natural dinâmica urbana), numa coerência entre o seu discurso e a prática. Não há quem resista ao permanente descontentamento, quase generalizado, dos meus conterrâneos, que muitas vezes não sabem o que querem. Senão reparem: clamavam por uma “biblioteca moderna”, construiu-se-lhes uma; protestavam pela falta de “uma casa de cinema como deve ser”, deu-se-lhes uma, com sala para exposições e tudo; indignavam-se porque não havia um parque de campismo no “paraíso” paisagístico da Foz de Alge, aí está um, mesmo à beira do rio; reclamavam porque não havia uma “piscina decente para os miúdos”, fez-se uma coberta e aquecida; barafustavam porque não havia um “campo de futebol de jeito para a nossa Desportiva”,…aí está um e que poucos concelhos têm, com bancadas cobertas e relvado; amuavam porque não tinham campos de ténis para praticarem “esse desporto diferente”, fizeram-se dois! rua_anos_90Mais exemplos poderia apontar, mas estes chegam e sobram para concluir aos meus conterrâneos o seguinte: Quantos são os que vão habitualmente à biblioteca municipal? Quantos são os que, para alem do cinema, visitam as exposições, aplaudem as conferencias e o teatro na Casa da Cultura? Quantos são os que trocam o “shoping center” na cidade, por um passeio até à Foz de Alge com a família? Quantos são os que assiduamente frequentam a piscina municipal? Quantos são os que contribuem para “encher” as bancadas do Campo de Futebol novo? Quantos têm raquetes de ténis em casa? E já agora, quantos são os que estão preocupados com o destino do nosso “Casulo” de Malhoa?
Não há politica cultural, desportiva, recreativa, social e urbanística, que consiga satisfazer aqueles, que continuamente, “choram de barriga cheia”! Muitas vezes fazemos mau uso da liberdade e que a democracia concedeu à nossa cidadania, porque em atitudes simples no nosso dia-a-dia, não hesitamos em cercear a dos outros, não por necessidade…mas por puro egoísmo e comodismo!
A “velha-nova” Rua Dr. Manuel Simões Barreiros, está dentro de uma nova cultura visual e urbanística mas não tem o apoio da parte cívica, que não a deixa ser plenamente funcional. Sonhamos muito, exigimos demasiado, mas individualmente! Porque na prática não conseguimos compartilhar sonhos e ideias uns com os outros. E desta forma, não há terra nenhuma que “vá para a frente”, porque somos uns eternos inconformados e ingratos com aqueles que ao longo do tempo e com muitos sacrifícios, nunca desistiram em tentar transformar os nossos sonhos em realidade!

Ser eterno (Geração sonhadora)

16 Março 2008

foto_ge_O que foi que ficou de todas as escolas por onde passámos? Que frases ficaram inscritas no quadro, onde o giz serpenteava?
Na escola onde andei, ainda lá está a velha árvore onde inscrevi o meu nome (“Tó-Zé – 3º A”), com o canivete da minha inocência. Foi há 33 anos!!
Tinha um grupo, rapazes e raparigas fantásticos. Alguns já não os vejo há décadas, outros já “partiram”, mas recordo-me de todos eles.
Quem não se recorda desse tempo, dos 15 anos, quando trocávamos sonhos uns com os outros e sempre à procura de discípulos para os nossos poemas, das histórias que inventávamos e sempre com o sol por companheiro, que repartíamos entre todos, cheio de cores mágicas, cores com que inventávamos os dias?! Com os olhos escrevíamos o sol, enquanto cantávamos as canções dos nossos ídolos cabeludos, de mochila às costas com o gravador a pilhas sempre aos “berros” e ligado no máximo. “Onde está a malta?”, era a pergunta do costume. Transformávamos as quatro estações do ano numa só: a Primavera eterna, que era só nossa e que bebíamos no jardim e pelas ruas da vila por entre mãos em mil triângulos de luz, na aventura de sermos alguém, cheios de sonhos onde caíam todas as cores dos pores-do-sol doirados. Clubes, esquemas, mundo de surpresas, de dias e dias, como se fosse sempre um longo Maio eterno. Agora aos 46 anos, tenho vários oásis de memórias, que revejo muitas vezes de alma apertada e que são como que peregrinos atravessando e enchendo a minha vida, cheia dessas vozes longínquas, desses dias em que pensava ser eterno. E se acaso fechar os olhos em finais de tardes como esta, vendo a alegria desta maravilhosa geração sonhadora, torno o meu universo instável, que acorda o adolescente que ainda há em mim, regressado desse mundo onde viviam as alegorias doces, tempo onde se fabricavam futuros, tempo inventado, com a alegria sempre aos ombros, dos dias cheios de segredos e que rompiam pelas manhãs fora. Coleccionávamos sonhos que colhíamos uns com os outros. E neste final de tarde, encho-me de nostalgia, que me relembra os dias da minha adolescência, sempre insuficientemente vividos. Tenho saudades dessas horas instáveis, cheias de mistérios mas que guardo preciosamente em baús cheios de recordações doces. E é assim, que nesta tarde crepuscular quase primaveril, me revejo a mim trinta anos atrás, numa intensidade que quebra as fronteiras conhecidas. E sinto nesta brisa que acompanha o fim de mais um dia, alevantando folhas e memórias, vindas desta alegria inspiradora e tranquilizadora, a serenidade necessária que me relembra, que seja qual for a idade que tenhamos, é sempre possível inventar palavras novas, sonhos cheios de visões, porque somos personagens incríveis, de alma ilimitada. E ao vê-los abraçados em grupos a tirar fotografias, a autografarem as camisolas uns aos outros, aos saltos entoando “gritos de guerra”, com a alegria contagiosa que invade tudo e todos, numa dimensão que lhes dá a aura de deuses do Olimpo, tomo consciência, que afinal ainda temos TODOS capacidade para nos rirmos diante do espelho, enquanto acreditarmos que a vida ainda se revela, como o outro lado do mesmo riso, trocando as voltas às forças do destino.
Existem sonhos! Temos de aprendê-los, de manifestá-los, penetrar neles e conhecê-los! Acreditar é a palavra mágica! Se não acreditarmos nada valerá a pena e vale mais desistirmos! Mas os sonhos nunca desistem, só aqueles que se afastam deles. E se os sonhos que tínhamos tiverem adormecido, basta acordá-los. E para os acordar bastam palavras simples, dessas que os transportam para todo o lado, ou então uma praça como esta e onde eu estive, cheia de jovens sonhadores, a viverem a eternidade! E a eternidade vive-se na felicidade, nem que ela dure apenas um final de tarde, no meio dos nossos sonhos, aos “pulos” com estes jovens poderosamente felizes e eternos.

“Era um tempo,
e que tempo era…
um tempo de inocência,
um tempo de confidencias.
Há muito tempo, deve ter sido…
Tenho uma fotografia,
Guarda as tuas recordações:
– É tudo o que ficou de ti!”

(‘Bookends’ © Simon & Garfunkel)

Os “museus secretos” de Figueiró dos Vinhos

29 Fevereiro 2008

cofre_de_prataQuem pensar que a vila de Figueiró dos Vinhos não possui locais onde os seus conterrâneos possam ver testemunhos da sua história, pondo os olhos em ricas peças valiosas e de pôr todos de boca aberta, desengane-se! A vila tem uma mão cheia de locais que são pequenas galerias de arte, com testemunhos de gente valiosa que por cá andou, viveu ou passou. Acontece, que não estão abertas ao público mas somente acessíveis àqueles que possuem esses pequenos “museus” privados. De uma assentada, posso referir a que tipo de objectos me refiro: algum mobiliário, livros raros e valiosos, peças religiosas diversas (algumas em metal precioso), quadros de Malhoa, Henrique Pinto, Ramalho, Simões d’Almeida Júnior, cerâmicas, centenas de fotografias e postais raros de extrema curiosidade e importância, vestuário e trajes antigos, documentação variada e valiosa (alguma com alguns séculos), colecções de Jornais locais, filmes antigos, etc, etc. De quem é a propriedade disto tudo? Aqui também há um pouco de tudo. Vejamos: uns conseguiram as peças por oferta directa dos próprios autores, outros por herança ou doações familiares, por compra (despendendo algumas somas importantes para as obterem), por coleccionismo, de busca constante levada a cabo em feiras, alfarrabistas e antiquários e ainda outros por aquisição de imóveis de elevado interesse patrimonial juntamente com o seu recheio. Isto sem falar em instituições concelhias que também detêm espólio importante. Ninguém roubou nada! Todos são proprietários legítimos daquilo que possuem! A questão não é essa! Muito também eu podia falar do espólio (imenso espólio) que ao longo dos anos tem “sumido” daqui, levado para fora do nosso concelho. Algum dele estará para sempre fora do nosso alcance, numa sangria de valores patrimoniais que, infelizmente, corre o risco de continuar com o pouco que ainda vai sobrando por estas paragens. A culpa não é de quem detém esses objectos. É de quem nunca quis saber do seu significado e do potencial que representam para as suas terras. Já agora, podia igualmente referir-me a sítios de grande significado arqueológico (e da extrema importância informativa que possuíam), que foram sistematicamente destruídos ou danificados ao longo das décadas figueiroenses: vestígio de aldeias castrenses, caminhos romanos, as Ferrarias da Foz de Alge, etc. De referir igualmente, a recuperação mal dirigida a edifícios religiosos, onde imperou tudo, menos o espírito pela genuína e verdadeira preservação. (Não ficaria bem comigo próprio se não registasse aqui uma nota positiva no meio de todo este cenário, que foi a recuperação da aldeia de Casal S. Simão à qual a Câmara Municipal prestou apoio). Agora pergunto: existe ou existiu alguma vez na nossa terra, um sítio onde a história local pudesse ser depositada com confiança, legitimada na sua importância, enquadrada no seu real valor e que motivasse ao longo dos anos um voluntariado de partilha entre os nossos conterrâneos? NÃO! Nunca houve tal sítio! Então, como podíamos nós pedir a essa meia-dúzia de “privilegiados”, que detêm os seus objectos valiosos, para confiar os mesmos à comunidade de forma altruísta e genuína?! Assim sendo, esse espólio (que já foi maior e mais importante) irá continuar por aí, espalhado em casas particulares, a decorar paredes e móveis ou metido em arcas e caixotes a ganhar bolor, arredado do olhar do publico, que julga ter direito à sua história, entendendo-se que esta não é pertença de ninguém e que deve ser partilhada generosamente. Fiquem os meus conterrâneos convencidos de uma coisa: a nossa terra tem também um passado digno de mostra, de exposição pública, de reconhecimento regional, de fazer corar de orgulho toda a gente. Queríamos era ver o que só alguns podem ver: a peça religiosa, o livro antigo, o postal ou a foto de outrora, o quadro de tal pintor, etc. Mas como garantir aos seus proprietários a mesma devoção, carinho e valor que eles devotam às suas peças?! A quem podiam eles confiar os seus espólios patrimoniais? E para colocar onde? Razão têm eles quando pensam, que o melhor será continuar a serem eles próprios os fiéis depositários daquilo que possuem. Seria necessário edificar um local onde essas peças ficariam expostas de forma condigna e valorizada e que galvanizariam simultaneamente os seus proprietários. figueiro_dos_vinhos_inicio_seculo_xxA exemplo do que se fez em S. Miguel de Seide com a Casa Camilo Castelo Branco, onde se agregou um museu a um centro cultural moderno e ímpar no País, de belíssima arquitectura moderna e que hoje é o orgulho do município de Vila Nova de Famalicão. O que é que eles instalaram lá? Muito simplesmente, um local que atraiu em 2006 cerca de 24000 visitantes, nacionais e estrangeiros, promovendo concertos, colóquios, palestras, conferências, seminários temáticos, visitas guiadas, iniciativas pedagógicas dirigidas às escolas, etc. Imaginem um local como o Casulo de Malhoa, munido de um Centro de artes (ou Cultural e museológico) agregado ao seu edifício, com auditório, espaço polivalente, biblioteca de artes, salas de exposição, gabinetes de trabalho e atelier, oficinas de artes, etc! Seria a nossa casa comum, viveiro de ideias e de iniciativas, uma casa para todas as artes, uma autêntica indústria criativa, de conhecimento, ciência e cultura. Um núcleo destes podia-lhe ser agregado com um belo edifício e não tenho duvidas, que para alem de atrair os artistas e as artes de outrora, acolheria e atrairia também os de agora. Temos ou não artistas e artesãos de grande valor entre nós? Claro que temos! E muito têm eles para nos oferecer e ensinar! Hoje em dia, estes espaços têm uma função diferente, longe daquela ideia de serem locais silenciosos, chatos, com uma data de “coisas velhas” expostas, para visitar aos fins-de-semana com a família e pouco mais. Presentemente, são tidos como autênticos meios de comunicação e a sua intervenção não se resume às colecções que guardam e apresentam. livro_antigoHá toda uma interferência actuante: valoriza os recursos locais, o património, os aspectos culturais, o turismo, apoia o ensino, fomenta o emprego e proporciona formação profissional. Estão voltados para as necessidades das comunidades onde se inserem. Participam na discussão e na busca de soluções dos problemas comunitários, interpretando-os e intervindo junto das populações, de forma questionadora, interventora e, sobretudo, independente, desde que haja um consórcio de vontades para enfrentar os problemas da nossa terra. Nunca será uma instituição supérflua, porque não actuará, jamais, à margem dos problemas e das dinâmicas locais. Pode possuir duas componentes: promoção interna e promoção externa. Na PROMOÇÃO INTERNA promoveria o bem estar material e imaterial da população da área onde se insere (o nosso concelho), através de estudos, exposições, história e dinâmica local, identificação territorial do concelho, diagnósticos e procura de soluções, criando um ambiente de dinamismo individual e colectivo, com acções de formação, etc. Na PROMOÇÃO EXTERNA, promoveria o potencial turístico local, o nosso comércio, divulgando apropriadamente as potencialidades da região com acções especificas e ligado a uma rede nacional, a fim de promover os nossos produtos locais e valorizando os de base tradicional, de forma permanente. Promoveria também os valores e a educação patrimonial, num amplo programa, interligado com outros organismos locais e dirigido tanto aos “de fora” como aos “de dentro”. Estes locais, para alem de estimularem a participação dos cidadãos e a consciência critica, estimulam a criatividade de cada um e unem as comunidades. São locais interdisciplinares. Que o digam os tipos de Vila Nova de Famalicão, a quem foi prestada atenção à sua força criadora, a quem foi dado o estimulo necessário para continuarem a criar, recusando a acomodação, valorizando o que de melhor possuem, para que não se perca, disperse, dando-lhes um lar que os acolha e que é o somatório das suas iniciativas individuais e colectivas. Já aqui o disse uma vez e repito, que é possível reforçar a cultura e o turismo como factores de desenvolvimento e de emprego e que para alem da sua óbvia componente divulgadora, de um concelho e de uma região, através de uma cultura feita por todos e para todos, poderá também agir como “chamariz” e despertar a curiosidade dos outros para nos virem conhecer. Mas para isso temos de construir juntos um enorme “cartaz”, para que possa ser visto ao longe e por muita gente. Um “cartaz” que diga: “Estamos aqui e vejam o que temos para vos oferecer. Sejam bem-vindos!”

Um “herói” incómodo: Dr. Manuel Simões Barreiros

12 Fevereiro 2008

manuel_simoes_barreiros_e_amigosManuel Simões Barreiros era filho de um simples comerciante e nasceu em 1894 no lugar do Fontão Fundeiro, freguesia de Campelo. Aos 12 anos acompanhava o pai atrás de uma carroça, a comerciar por terras de Trás-os-Montes, vida que levou até aos 16 anos, altura em que se cansou de saborear essa existência dura, de saltimbanco de feira em feira, feita por caminhos inóspitos e rudes.
Decidido a conquistar melhor futuro, matriculou-se no liceu com 16 anos. O certo, é que volvidos dez anos (1920) saía da Universidade licenciado em Medicina, com a classificação de Bom. Fizera em dez anos o que normalmente levaria treze anos a fazer. dr_manuel_simoes_barreiros1
Nesse mesmo ano de 1920 foi nomeado médico municipal de Figueiró dos Vinhos. Não tardou em romper com antigas práticas médicas e a impor novos métodos e conceitos de fazer clínica, incluindo cirurgia, numa espécie de revolução da saúde que encetou entre as nossas gentes. Percorria distâncias enormes numa região onde a melhor maneira de locomoção era o cavalo. Saía muitas vezes de casa madrugada alta e regressava pela noite fora. Muitas vezes nem tempo tinha para as refeições.
Em 1923, era tal a solicitação dos seus serviços e o aumento de doentes, que foi obrigado a adquirir um automóvel para se deslocar. Nunca recusou em acorrer à aldeia mais remota, inclusivamente nos concelhos vizinhos. A vida naquele tempo era dura. As maleitas eram muitas! Deste modo, palmilhou estas terras que conhecia como ninguém e teve assim a oportunidade de contemplar a vida do seu concelho, nascendo-lhe a vontade de “reformar isto tudo!” (citações do próprio), ir mais alem, fora do âmbito restrito da sua vida de médico de província.
Nas palavras dele: “sentia-me atraído para uma obra que visionava grande e que era necessária”, numa ânsia de melhores dias que almejava para a sua terra. Queria e sentia, o dever de lançar obras “para que todo o concelho se desenvolvesse sob os mais diversos pontos de vista, quer materiais, quer políticos, quer sociais”. Para enfrentar esta áspera luta da mudança teve com ele grandes nomes a que soube aliar-se: Dr. José Martinho Simões, Tenente Carlos Rodrigues Manata, José Manuel Godinho, Padre António Inglês, Mário Denis Ferreira, entre outros.
Lembro, que naquele tempo para se ir a votos, para alem da coragem necessária, era preciso saber enfrentar grupos de “caceteiros”, “chapeladas” e até tentativas de “liquidação forçadas”. Respiravam-se odores estranhos no ar, misturados com o suor dos camponeses e o cheiro a pólvora dos revólveres dos caciques.
Mas foi assim, que este grupo de jovens, então na casa dos 30 anos mas com “uma fé inabalável”, acreditou no “ressurgimento da nossa terra”, única ideologia que lhes dava alento, força e entusiasmo.
De referir, que toda a sua obra e gerência municipal, exercida entre 1932 e 1947, foi exercida no tempo do Estado Novo, numa época de fortes condicionalismos politico-ideológicos e económicos. Contudo, não se pode negar à história a evidência dos factos e a verdade que por eles fala, principalmente, quando os mesmos estão materializados em obra feita, testemunhos de uma vontade férrea, de quem passou por este mundo e o quis melhorar um pouco, pensando sobretudo naqueles que nada tinham.
Manuel Simões Barreiros teve a oportunidade aliada à capacidade e soube-as aproveitar bem para “revolucionar” o nosso concelho! Dotou-o com uma vila de vanguarda, uma “pequena cidade” como dizia o então ministro da educação e que os jornais ampliavam. Em 1928, muito antes de ser Presidente da Câmara, já a sua equipa conseguira para o concelho a classificação de “Estancia de Turismo”, por decreto estatal. Fizeram propaganda em álbuns turísticos, postais ilustrados, revistas e jornais nacionais e em pouco tempo a vila começou a ser visitada por turistas. O concelho começou a ser conhecido por “Sintra do Norte”. Foi um pioneiro com ideias avançadas para o seu tempo. Lutou, inclusivamente, contra as mentalidades com métodos e ideias novas, que ajudaram a desenvolver a agricultura, o comércio e “até a implantar uma pequena industria” que então possuímos, transformando estruturalmente a sociedade figueiroense. Em poucos anos, transformou igualmente a fisionomia urbana da vila e do concelho. Deu à vila dois belos jardins e que são ainda hoje o orgulho de todos os figueiroenses, a nossa “sala de visitas da vila”; melhorou e implantou a assistência médica nos meios rurais, com profilaxia maternal e infantil; reformou e construiu escolas (13) pelas sedes de freguesia e noutros lugares (e equipou-as com material escolar e didáctico); abasteceu o concelho de água, instalando fontanários (mais de 30) em quase todos os lugares do concelho; melhorou e abriu estradas e caminhos municipais em todas as freguesias, ligando-as à sede do concelho e criou-lhe também as Estradas Municipais; abasteceu a vila com água ao domicílio; electrificou-a (rivalizando com qualquer grande cidade); instalou os correios, telégrafos e telefones; construiu e melhorou pontes (28) ligando povoações e acabando com o isolamento de outras; deu à vila novas praças, um mercado municipal (onde era o mercado do peixe), a Casa do povo, reformou o edifício da Câmara Municipal, abriu avenidas novas na vila, implantou a instrução secundária, instalou um Centro de Saúde e chegou mesmo a planear um grande projecto de urbanização que estendia o tecido urbano da vila a partir da actual avenida das escolas e que ocupava uma área de cinco hectares, onde não faltavam um parque de jogos, campos de ténis, escolas, um novo e moderno edifício da Câmara Municipal, parque infantil, moradias, estacionamentos, etc. E tudo isto nos anos 40. Projecto, que infelizmente não teve tempo de concretizar.
Lembramos, que na altura o nosso concelho tinha cerca de doze mil habitantes (hoje tem cerca de metade), isto é, havia mais gente a quem era necessário “acudir”, e que naquele tempo não tínhamos a ajuda da União Europeia ou dos Programas dos Quadros Comunitários de Apoio. A Câmara Municipal tinha somente meia dúzia de funcionários, não havia arquitectos, engenheiros ou técnicos especializados. É certo que os tempos eram outros e não quero fazer somente a apologia da história, como se estivesse preso ao passado, num acto nostálgico e séptico quanto ao futuro. Antes pelo contrário! Mas não posso esquecer, que também temos os nossos heróis locais e que ao reavivar a sua memória, mais do que brandir a espada do exemplo, é brandir a minha gratidão por tudo aquilo que fizeram pelas nossas terras. A gratidão pertence à história e compete aos homens assumir as duas coisas, não como um passado morto, arquivado, mas que vive na memória colectiva, por tudo aquilo que outros, antes de nós, fizeram e ofereceram, melhorando a nossa maneira de viver.
Manuel Simões Barreiros não estava amarrado a conceitos ultrapassados, era um visionário, longe de interesses partidários, com ideias estruturais, projectos estruturantes e que dizia o que verdadeiramente pensava, uma espécie rara de político e que hoje está em vias de extinção. Ser de esquerda, de direita, comunista, socialista ou social-democrata, hoje pouco diz às pessoas, principalmente sobre o que elas realmente querem para as suas terras.
Este homem e a sua equipa, os “novos de Figueiró” como eram apelidados (quando surgiram), atravessaram tempos de crise nacional e internacional, passaram por anos muito complicados, militaram num estado arcaico e pouco inovador, presidiram a uma câmara em que as finanças locais estavam longe de serem o que são hoje, e no meio destas considerações, há uma coisa que sobressai e que ninguém pode negar: a sua bandeira era o concelho de Figueiró dos Vinhos, o seu partido era a sua terra, a sua politica era fazer obra útil para as suas gentes, independentemente da agilidade e do jeito que tinham para andar em cima de areias movediças. Para enumerar todas as obras que este homem realizou enquanto Presidente da Câmara, eram necessárias várias páginas deste jornal. Como ele dizia em 1943: “ o plano concebido por nós era grandioso demais para esta câmara, de erários reduzidos…”. Mas dos fracos não reza a história.
E assim este homem simples, era sobretudo um político desenvolto, conhecedor profundo do seu concelho e das suas reais aspirações, que desprezava literalmente moralismos de sábios iluminados, preferindo o realismo da obra pensada, estudada, avaliada e realizada.
Um plano que não se ficou em palavras e em desenhos mas que se concretizou em obras generosas, em auxilio das populações, acertando sempre em cheio no alvo das necessidades locais, porque foi sempre um andarilho, de povoação em povoação, “auscultando” as populações. Pela terra sacrificou tudo, a começar pela sua vida privada e profissional.
Contudo, há-de sempre existir uma escola de pessoas no lado oposto àqueles que produzem, irritando-se cada vez que alguém faz alguma coisa e principalmente, com aqueles que melhoram as condições de vida dos seus conterrâneos. Os seus adversários políticos nunca lhe deram tréguas, até conseguirem em Dezembro de 1947, por concluios e compadrios políticos, o seu afastamento da Câmara Municipal. Morreria pouco tempo depois, em Julho de 1948, com o coração carregado da ingratidão dos povos, e acreditem ou não, não existe em nenhuma acta da Câmara Municipal, imediatamente a seguir à data da sua morte, nenhuma referência ao facto ou com o mais leve louvor ou gratidão. Só encontro uma explicação para este facto: Manuel Simões Barreiros tornara-se um “herói” incómodo, por ser difícil de igualar. Quanto menos se falasse nele melhor, porque se afastava a tentação das comparações.
Mas na verdade, será sempre fora das “actas” oficiais, que os povos recordarão tanto os bons como os maus presidentes de câmara (para eles o “meio termo” não existe)!
Contudo, mesmo “abafado” em termos oficiais, o nome dele passa de geração em geração! Porquê?
Porque as obras que os nossos autarcas realizarem em beneficio genuíno dos nossos concelhos, em prol das suas populações, será a sua melhor assinatura, que perdurará no tempo, inscritas na consciência dos povos e que por mais ingratos que estes sejam, nunca poderão ser esquecidos.

Na der(rota) da cultura: a “casa fantasma”

28 Janeiro 2008

jose_malhoaO silêncio, a omissão, a oclusão do “Centro Cultural de Figueiró dos Vinhos”, que teve “guarida” no chalet – “Casulo” de mestre José Malhoa, oferecem-nos argumentos polémicos pelo inexplicável da situação a que chegou tal história: primeiro, aos sócios legítimos daquela “Casa” e depois a TODOS os figueiroenses, que acreditavam ter no “Casulo de Malhoa”, algo que os projectava ainda e de alguma forma, para fora das portas do humilde burgo onde habitam.
Agora, aquela casa desbota nas suas cores, amarelece na sua caminhada ruinante e passa (de há uns valentes anos para cá) envergonhada e despercebida na história, e dói, principalmente àqueles que tanto deram pela instituição e pela casa, a começar no seu primeiro proprietário, o próprio pintor, que já deve ter dado algumas voltas no tumulo, impotente e à mercê dos tempos que correm. Chegámos ao cúmulo da garotada inocente chamar ao Casulo a “Casa Fantasma”!
Afinal, quantos são os que amam a nossa terra com simplicidade, sem presunção, sem protagonismos ridículos ou pretenciosismos falsos e plásticos???
Não existe ninguém, por mais explicações que colha, que me consiga meter na cabeça os motivos que levaram à actual situação em que se encontra aquela casa!!!
A quem se devem apontar responsabilidades? À Direcção do Centro Cultural? Aos sócios da colectividade? À edilidade concelhia? Aos Figueiroenses em geral?
Eu acho que TODOS temos um pedaço de culpa! Uns directamente, outros por omissão e os restantes por passividade e alheamento.
Quando se tem numa localidade um edifício de elevado valor histórico-patrimonial, como o Casulo de Malhoa, ao lado de cidadãos, que ao passar todos os dias diante dele encolhem os ombros e a consciência, divorciando-se do problema, está em parte explicada a questão das responsabilidades gerais.
É que, a cultura, o património e essas coisas, não enchem a barriga a ninguém! Será mesmo assim?
As colectividades concelhias, principalmente nos concelhos mais pobres, são vistas como empecilhos para o erário municipal (também ele pobre). Que maçada, despender uns dinheirinhos para essas “coisas”!
Mais: as verbas disponibilizadas para o associativismo são meras esmolas, quando deviam ser enquadradas e tidas em consideração através de um “Regulamento Municipal de apoio ao associativismo” (à semelhança daquilo que é prática nalguns concelhos), que entendesse as colectividades como segmentos extensivos das próprias autarquias. As colectividades são uma espécie de “Secretarias de Estado” da cultura, desporto, divulgação e recreio dos concelhos. (São ou não são?!).
Há uma indiferença generalizada das pessoas por estas coisas, sob pena de estarmos todos a apagar e a subalternizar a nossa memória comum em função de valores estritamente políticos e económicos. Se acaso vier para o concelho uma grande fábrica, que empregue tanto licenciados e não licenciados, estarão eles interessados em construir ou comprar casa numa vila onde tudo “fecha” ás oito da noite e onde ao fim de semana nada “abre”??? Duvido!!! Ganharão sobretudo os concelhos em redor, que oferecerem condições de lazer, recreio, cultura, enfim, que tenham dinamismos naturais e “automáticos”. Ou estamos à espera que sejam essas pessoas a montar, também, tudo isso?
O sector do turismo, é hoje um elevado potencial económico e que assenta, também, nas particularidades e riquezas do património, seja ele ambiental, cultural ou histórico. Há que fornecer ao turismo municipal uma estratégia comum e juntar todas as referências num grande “menu” local a promover, agregando todas as potencialidades locais num Programa plurianual diversificado e concreto. Quais são as nossas especificidades próprias? Quais são os nossos recursos naturais e que é possível potenciar? Quais são as nossas componentes sócio-culturais particulares e que é possível identificar e divulgar?
Está isso tudo inscrito em agendas sectoriais comuns, interligadas e atraentes, ou são apenas prenúncios avulsos ao sabor das épocas, dos protagonismos e dos padroeiros (com e sem aspas!)???
Numa época marcada pelo individualismo, há que enveredar no sentido de se desenvolverem as responsabilidades colectivas.
Há que saber encontrar a forma de inovar, transmitindo simultaneamente a ideia do respeito pelos usos, costumes e tradições das nossas terras. Essa é uma estratégia que só se consegue com o envolvimento de TODOS num grande projecto globalizador, numa complexa teia que interligue todas as entidades envolvidas (associações, entidades públicas e privadas, grupos recreativos, desportivos e culturais, escolas, etc).
É uma tarefa dificílima, que implica abdicar de algumas mentalidades que contrastam entre o discursar e o fazer. Mas sobretudo, tem que ser realizada longe de status intelectuais, que vivem muitas vezes da aparência e da critica fácil, porque os incomoda fazer de outras maneiras, colher outras sugestões e opiniões, isto é, mais terra-a-terra, junto da população e das suas verdadeiras simbologias e apetências.
Quando em 1898, Malhoa com a ajuda do seu amigo e arquitecto Ernesto Reynaud inicia a ampliação do seu humilde atelier, aliado às artes do pedreiro Júlio Soares Pinto e do marceneiro Manuel Granada, estava longe de imaginar, que as gerações vindouras iam ser tão ingratas com ele. E se ele tivesse construído o seu “Casulo” em Chão de Couce, ou Pedrógão Grande? Teria sido melhor opção? Dá para pensar! Quanto não dariam Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra ou Chão de Couce, para terem este “casulo” de Malhoa?
A alma de um povo, dos seus usos e costumes, da forma de estar na vida, têm o seu reflexo no Associativismo, no património que edificam, nos símbolos que constroem, que nos tornam únicos e que permitem serem veículos de transmissão desses saberes geracionais, resultado do espírito comunitário e que só se vai mantendo graças à persistência e dedicação de alguns.
Para que os valores associativos não se percam, exige-se um trabalho sistemático de planeamento, de animação local, de diagnóstico, que desperte motivações, promova o envolvimento activo de todos, em actividades sociais, desportivas, recreativas e culturais, locais e regionais e que comece a criar uma dinâmica de REAL mudança.
Realizar estudos sobre o perfil, motivações, comportamentos e preferência das populações, a fim de afinar estratégias e organizar uma BOA AGENDA de actividades e que durem o ano inteiro de forma habitual.
Modernizar o conceito e o aspecto patrimonial e cultural, tornar os seus símbolos como “imagens de marca” dos concelhos, frutos de um extenso imaginário colectivo e que devem, igualmente, ser tidos como recursos importantes para o desenvolvimento local, possíveis de serem rentabilizados. Assim, o nosso património sócio-cultural, ambiental, desportivo e associativo tanto pode ser usado para fins turísticos e produtivos, como para galvanizar a importância de uma terra, projectando-a no futuro, como num cruzamento onde passado e presente se encontram e onde juntos seguem em frente.
Não bastam somente atitudes políticas, são necessárias sobretudo atitudes de cidadania! Desligar a cultura de dependências, de protagonismos e de clientelismos políticos, permitindo ás pessoas compreender melhor a sociedade em que vivem e motivando-as a intervir, preparando principalmente as gerações mais novas, para o exercício de uma cidadania plena e consciente, que se traduza em atitudes de cidadãos conscientes das acções que devem empreender, sobretudo ao nível local e relativamente ao destino das suas terras.
Se aceitamos receber uma herança importante, temos a obrigação de saber conquistar o orgulho, tanto dos nossos avós, como dos nossos filhos e netos, passando-a (a estes) mais enriquecida, aumentada e valorizada.
Em resumo: permitir a passagem do testemunho de forma sublime, para que a história, lá mais para diante, não nos trate muito mal!

Esta Europa dos Tratados: Tratado de Lisboa

06 Janeiro 2008

PORTUGAL/UE/TRATADOTratados, acordos, convenções, protocolos, tréguas, pactos, concordatas, cartas, concessões, bulas e uniões, é toda uma vasta parnefália de documentos do género, que existem desde que o homem se organizou em comunidades. Começaram por ser anunciados oralmente, gravados na pedra, no papiro, na cerâmica, no pergaminho, no papel e agora até em base digital.
Contando, de uma lista, todas as celebrações escritas e importantes de que há testemunho e prova, encontramos no mínimo cerca de duzentos documentos escritos. Entre esses temos alguns celebérrimos, como o Tratado de Alcanices (1297-define as nossas fronteiras no Alentejo), Methuen (1703-entre Portugal e Inglaterra), Tordesilhas (1494-Portugal e Espanha dividem entre si o mundo), Versalhes (1919-após a 1ª Guerra Mundial), Carta das Nações Unidas (e que daria origem à ONU), Atlântico Norte (e que criou a NATO), etc, etc, etc.
Um dos primeiros exemplares registados de um Tratado Internacional, é o Tratado de Kadesh, celebrado no século XIII a.C., isto é, há cerca de 3500 anos, entre Ramsés II do Egipto e Hatusil III rei dos Hititas.
O Tratado mais antigo do mundo ainda em vigor, é a Aliança Luso-Britãnica, assinado em 1373 entre a Inglaterra e Portugal.
Mas o que é um Tratado?
O dicionário diz que é um documento pelo qual sujeitos de direito internacional – principalmente, Estados Nacionais e Organizações Internacionais – estipulam direitos e obrigações entre si.
Explicando por miúdos, são documentos que ajudam a regular as relações entre povos diferentes. O papel fundamental dos Tratados na história das relações internacionais é inquestionável, sendo o balanço francamente positivo, embora sejam conhecidos Tratados tristemente célebres, como o que foi assinado entre Ribbentrop e Molotov e que encorajaria Hitler a iniciar a 2ª Guerra Mundial. Mas tem que se reconhecer a importância cada vez maior dos Tratados como meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, sejam quais forem os seus sistemas constitucionais e sociais.
Os principais objectivos onde devem assentar todos os Tratados são: igualdade de direitos, autodeterminação dos povos, igualdade soberana e independência dos Estados, proibição de ameaça ou do emprego da força, respeito pelos direitos humanos. Todos estes princípios devem conjuntamente conduzir à manutenção da paz e da segurança internacionais, desenvolvimento das relações amistosas e a franca cooperação entre as nações.
Ora, o TRATADO DE LISBOA, assinado em Dezembro ultimo pelos 27 países que compõem a União Europeia, não é menos importante que todos os outros consagrados anteriormente. Ele está inserido na estratégia que a Europa tem vindo a seguir e a desenvolver desde 1957. Nesse ano foi assinado o famosíssimo Tratado de Roma, que culmina e credencia o “milagre europeu”, de uma Europa que recomeçara a empreender, a investir e a inovar, a reerguer-se de novo orgulhosa, depois de duas guerras mundiais dentro das suas portas, que custaram ambas mais de setenta milhões de mortos no espaço de duas gerações, e que lhe abalou os fundamentos da sua preponderância, sendo ultrapassada por outros continentes, fragilizado a sua civilização, desunida e arruinada, ficando dependente da caridade americana e soviética. A civilização moderna, após a 2ª Guerra Mundial, revelaria à Europa, sem dó nem piedade, que ela já não era no mundo, o centro de uma bela e pujante civilização, centro de um poder absoluto.
Mas houve homens incríveis (Jean Monet, por exemplo), que contribuíram para o reerguer da democracia europeia, nas últimas décadas.
Falaram com outros homens, sentaram-se à mesma mesa, sonharam com um grande continente onde os canhões se haveriam de calar definitivamente. Forjaram textos e assinaram-nos conjuntamente baseados nos tais princípios que atrás citei. Levaram-nos depois para os seus países e conseguiram convencer os seus povos de que havia factores que podiam levar à unificação, isto é, a Europa recuperara e alcançara progressos em vários domínios: Progresso Técnico (revolução nos transportes, profusão de invenções, de meios de comunicação e difusão da informação); Linguísticos (grandes línguas que se tornaram universais como factores de compreensão e aproximação); Económicos (economias nacionais e continentais cada vez mais interligadas), Culturais (costumes, gostos, tempos livres, que se tendiam a uniformizar e a universalizar e, portanto, a aproximar os homens) e factores Politico-ideológicos (fundo de ideias comuns, um património comum de valores). Havia que partilhar tudo isto com o maior número possível de parceiros. Os mais ricos ajudariam os mais pobres (vieram ou não para Portugal muitos milhões de Euros? A forma como foram utilizados isso é que é discutível!) e juntos elaborariam uma carta de ideias comuns. Daí a importância dos primeiros Tratados e dos que se seguiram, emendando, reajustando, reformando e melhorando as relações entre os países que se foram chegando e alargando a grande família Europeia.
Afinal, a Europa dera ao mundo, desde sempre, muitas ideias que a tornam, em parte, uma civilização comum.
E foi um longo caminho desde 1957: criação da Comunidade Económica Europeia (CEE), o Acto Único Europeu em 1987 e que congrega o Mercado Interno, o Tratado da União Europeia (Maastricht) em 1992 e que instituiu a verdadeira União Europeia, o Tratado de Nice em 2001 e que deu à UE um funcionamento eficaz; a instituição da moeda única e agora o Tratado de Lisboa que pretende substituir o Projecto de uma Constituição Europeia, e que emenda e reforma dois Tratados em vigor: o Tratado da União Europeia e o Tratado da Comunidade Europeia, passando a ser um documento que une esses dois Tratados, ao mesmo tempo que pretende agilizar, desburocratizar e simplificar o funcionamento desta grande Europa unida, agora com 27 (!) países sentados à mesma mesa.
Neste Tratado existem quatro pontos que interessam saber: 1- Que a União Europeia irá ter um Presidente estável eleito pelos 27 por um período de dois anos e meio, renovável uma vez. Isto é, terá um presidente fixo em vez da regra das presidências rotativas; 2- Irá ter um super Ministro dos Negócios Estrangeiros para lidar com as outras potências; 3- Reconhece a iniciativa popular, isto é, um milhão de cidadãos podem pedir à Comissão Europeia (o órgão executivo da União Europeia) uma medida legislativa; 4- Consagra a possibilidade dos Estados poderem abandonar a União Europeia.
Dá também mais poderes legislativos ao Parlamento Europeu mas reduz-lhe o número de deputados. A Comissão Europeia (de que o nosso Durão Barroso é actualmente Presidente) fica também com menos elementos, etc, etc.
Uma vida melhor para os Europeus????
De há cinquenta anos para cá, a Europa mudou e o mundo também. O mundo globalizou-se, a sua população aumentou, o clima alterou-se. O que era antes a “civilização da terra é agora a civilização do satélite”. A economia mundializou-se e surgiram novas ameaças (o terrorismo) que pesam sobre a segurança dos cidadãos. Sozinhos, os Estados-membros desta União Europeia não são capazes de enfrentar todos estes novos desafios que não conhecem fronteiras. É assim um esforço colectivo à escala europeia, numa Europa que se deve modernizar continuamente, por si, com utensílios eficazes para o seu funcionamento conjunto, agora alargada com 27 membros, porque não deve permanecer entrincheirada, impossibilitada de se expandir.
O Tratado de Lisboa está bem feito, é eficaz, é fácil de ler???
Todos podemos ter as nossas “visões” da Europa, mas nem todos estamos aptos a escrever Tratados. Estes devem ser feitos por pessoas competentes e especializadas, gente que saiba de Relações Internacionais e não, unicamente, por sonhadores com ideias para a Europa.
Perguntar se o Tratado pode ser lido e entendido por qualquer pessoa merece outra pergunta: todos os cidadãos portugueses leram a constituição portuguesa? E mesmo os que a leram, quantos são os que a entenderam?
O Tratado de Lisboa, estou certo, é de boa-fé, não tem segredos, está disponível livremente para consulta.
Foi feito por Chefes de Estado e de Governo (Conselho Europeu), assentes em governos democráticos, isto é, por aqueles que nós elegemos e mandatámos para nos governar.
A sabedoria do homem-comum não chega para fazer Tratados, mas também é verdade que existem algumas sombras e vazios que necessitam de ser desvendados e explicados, debatidos e divulgados. É que, a Europa não pode ser vista apenas com espírito de cálculo e de álgebra, ou num nível puramente técnico, dos especialistas e das suas notáveis especulações, de economia dirigida e do planeamento perspicaz. Queria era, que todo esse espírito tecnocrático se embrenhasse de alma humanista, dos homens, e que não lhe dessem como único alimento sábias contas, mas que também acalentassem os seus entusiasmos, as suas sãs loucuras, sempre impregnadas de sabedoria e que tanto ajudaram a criar a alma europeia. Espero que a consciência colectiva Europeia esteja igualmente gravada religiosamente neste Tratado de Lisboa, onde imperam os números, porque a consciência dos homens, essa é imprevisível e não pode ser ultrapassada por cima, por Tratados assinados com canetas de prata, com pompa e circunstancia, escapando a essa consciência colectiva, por entre a densa prosa refinadamente jurídica, económica e politica.
Há acima de tudo valores políticos e civis, e que devem ser partilhados por todos os cidadãos, que sentados à mesma mesa a fazer Tratados, aceitem sobretudo, que é necessário haver a noção de uma auto-imagem e de um auto-reconhecimento de uma ideia “Europeia”, apoiada nos homens, nos povos que formam a grande família europeia, e que vai do Cabo da Roca ao Mar Negro. Uma “ideia de Europa”, permanentemente reinscrita por todos e onde os Tratados são inevitáveis e necessários.

O PDM: Plano Director Municipal

16 Dezembro 2007

vista_aerea_de_figueiro_dos_vinhosO primeiro PDM do nosso concelho foi publicado no Diário da República em Fevereiro de 1995. Até essa data ninguém sabia o que era um PDM!
Veio-se a constatar ao longo do seu horizonte de vigência que tem lacunas e erros graves, nalguns casos diria mesmo, grosseiros.
Contudo, convém lembrar a população, que as Câmaras Municipais há 12 anos não tinham qualquer experiência (nem ferramentas técnicas eficazes) em planeamento territorial mais extenso.
Os PDM’s foram elaborados por entidades externas aos municipios, por gabinetes com perfil e competência técnica mas que não estavam por dentro da vivência e do pulsar dos concelhos e das suas gentes. Resultaram PDM’s feitos um pouco à pressa, por imposição da União Europeia, senão os dinheirinhos da Europa deixavam de pingar para as Câmaras Municipais. Os presidentes de Câmara há 12 anos sofreram uma dupla pressão: económica e temporal, isto é, concederam-lhes prazos excessivamente curtos para apresentarem os seus PDM’s.
O resultado não se sentiu de imediato mas apenas ao longo destes anos. Aprendeu-se muito com os erros e ganhou-se calo para estas coisas do Planeamento. Os municípios equiparam-se com gabinetes técnicos e procurou-se mitigar os desajustamentos dos PDM’s. Para isso, os técnicos camarários procuravam exaustivamente saídas e soluções, que permitissem de alguma forma conciliar a lei com os anseios naturais das populações. Iam ao terreno, apontavam soluções ou alternativas que permitissem a construção, etc.
Mas o que são realmente os Planos Directores Municipais?
São planos que cobrem a totalidade do concelho. Classificam os solos, os perímetros urbanos (Cidades, vilas, aldeias), fornecem os indicadores urbanísticos (áreas de construção, nº de pisos, tipo de construção, etc), tendo em conta os objectivos de desenvolvimento dos concelhos.
É que, o desenvolvimento do território a nível nacional e regional faz-se, deste modo, conjuntamente a nível local em que são articuladas as politicas sectoriais locais, programando a gestão do território municipal no seu todo.
São assim definidos: a estrutura ecológica municipal, a qualidade ambiental, a preservação do património cultural, a localização das infraestruturas, equipamentos, serviços, industrias, actividades turísticas, comerciais e serviços. Isto é, onde se pode e não se pode construir. Em suma, o objectivo central de um PDM é o espaço urbano, o desenvolvimento urbano e consequentemente as actividades económicas (agricultura, floresta, pescas, industria, turismo, transportes, comércio e serviços), tudo aquilo que gere riqueza e desenvolvimento a uma região, a um concelho.
O conceito de PDM teve a sua génese, como plano territorial mais extensivo, na década de 60 do séc. XX, com os chamados planos concelhios. Como PDM’s propriamente ditos, os primeiros são de 1982 e somente em 1990 foram regulados por decreto-lei, juntamente com os Planos de Urbanização e os Planos de Pormenor.
No entanto existem outros Planos que pretendem disciplinar e ordenar o nosso território: Planos Nacionais (Planos de Desenvolvimento Regional e Planos Nacionais de Politica do Ambiente); Planos Sectoriais (Energéticos, Turismo, Florestas, Rodoviário Nacional); Planos de Ordenamento do Território (Planos Regionais de Ordenamento do Território, Planos Especiais de Ordenamento do Território e Planos Municipais de Ordenamento do Território – onde se insere, por sua vez, o nosso Plano Director Municipal -, os Planos de Urbanização, de Pormenor e de Salvaguarda).
Como estamos a ver, até nestas coisas de Planeamento e de Ordenamento existe uma hierarquia. Os grandes chefes são os Planos Nacionais, e por aí abaixo. O nosso PDM é um mero “sargento” às ordens dos grandes Planos-Capitães. É que, os grandes Planos ordenam, e o Ordenamento situa-se a montante, isto é, tem maior agregação e importância que o Planeamento.
Por isso são terrivelmente racionalistas. As soluções finais não se podem alterar com facilidade. E é aqui que a coisa não bate certo. Ao mesmo tempo que ambicionam representar uma imagem daquilo que venha a acontecer no futuro de uma região ou de um concelho, possuem poucos, ou nenhuns mecanismos que permitam modificar ou alterar a sua forma final depois de aprovados e implementados, porque obedecem a uma hierarquia rígida e taxativa a que não podem fugir, durando pelo menos cerca de uma década. Não têm em conta o dinamismo natural da sociedade e do mundo (de lembrar também, que os Presidentes de Câmara perdem os seus mandatos caso o PDM seja violado).
Costumam as pessoas dizerem: “Então já não mando naquilo que é meu, nos meus terrenos?!”. A verdade, é que nenhum de nós vive isoladamente, fechado dentro do seu quintal. Vivemos em grupos, comunitariamente, com necessidades comunitárias. Sozinhos não encontramos resposta para elas. Precisamos de nos agrupar, de conjugar as necessidades individuais. O interesse geral tem que estar acima do interesse individual.
Neste momento o nosso PDM está em trabalho de revisão.
Fazem-se estudos que avaliem a viabilidade e a importância das soluções que foram adoptadas em 1995. Revêem-se essas politicas e as decisões anteriormente tomadas para desencadear um novo PDM, numa nova imagem de futuro para o concelho.
Indicar onde estão os problemas, onde se falhou e contribuir para fornecer soluções e alternativas a prosseguir no planeamento do novo PDM. Quais os pontos que falharam anteriormente e quais as novas prioridades a ter em conta. E neste processo a participação da sociedade civil e das suas instituições é importante. Num processo participativo existem diversas formas de ver o futuro, assim, deve-se procurar articular e compatibilizar soluções de compromisso, sem exageros, nem falsas expectativas ou secretismos, e que não se afastem das prioridades vitais para o desenvolvimento do concelho, harmonizando os vários interesses.
Estudar a fundo as alternativas, optimizar os nossos próprios recursos e potencialidades, que permitam a procura de soluções mais preventivas e minimizadoras de conflitos, num Plano mais flexível e mais aberto à dinâmica natural da sociedade.
Para isso, há que garantir a participação dos vários actores sociais do concelho, sem sofismas, no processo de revisão do PDM.
Se a formulação de objectivos é claramente uma actividade politica, cabe então às autoridades politicas responsáveis pela revisão do nosso PDM, identificá-las e apontá-las com o consenso de todos.
O PDM deve resultar e concretizar-se através do diálogo, do esclarecimento antecipado e da inserção de contributos públicos na decisão final e não apenas ser uma decisão fortemente centralizada. É necessário não esquecer os indivíduos e as suas comunidades e o seu papel como elementos actuantes no desenvolvimento económico e social.
Se o PDM pretende ser uma visão de futuro que se quer para o concelho, esse esforço para procurar adaptar o nosso território concelhio à satisfação de objectivos de desenvolvimento social e económico, tem que ser assegurado por todos.
E todos temos que estar envolvidos, co-responsabilizados nas decisões a tomar e nas consequências positivas ou negativas que poderão advir.

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