A “velha” Rua que ousou ser moderna…

Abril 6th, 2008

rua_2008A rua é o espaço público por excelência e pode ser ou não, complementada com praças, zonas de lazer, mobiliário urbano, etc. São fóruns de convívio, de mobilidade e comunicabilidade. Nelas também circula o espírito colectivo exercendo a sua plena cidadania. Para alem de serem espaços óbvios de circulação, são igualmente espaços de lazer, de encontro, de conversação mas também património a preservar ou a melhorar e que evoluem das necessidades decorrentes da evolução natural do homem.
Desde a Antiguidade, que cidades surgiram, transformaram-se, evoluíram. Outras houve que desapareceram, perderam importância, ultrapassadas pela evolução civilizacional. O mundo não é o mesmo desde ontem! Desde que se “inventou” o Planeamento Regional e Urbano, que a requalificação urbana é entendida como uma doutrina para servir e melhorar o que já existe. Melhorar as localidades e a qualidade de vida das populações, melhorar o sentido estético de vilas e cidades, conferindo-lhes mais beleza, assegurar o orgulho dos seus cidadãos e a admiração de quem os visita. Estes foram sempre objectivos prioritários e comuns ao longo dos tempos. A nossa “velha” Rua já é muito antiga. A sua definição física formou-se ao longo do século XIX. figueiro_dos_vinhos_1900Em 1900, chamava-se “Rua Visconde de S. Sebastião”. Nessa altura já era uma das principais artérias da vila. Depois, nos anos 40, passou a denominar-se Rua Dr. Manuel Simões Barreiros, em justa homenagem a este grande vulto figueiroense, mantendo esse nome até à actualidade. Começou por ser em terra batida, sem passeios, porque os carros eram raríssimos ou mesmo inexistentes na nossa vila. Nos anos 40 ganhou um esboço de passeios para os peões, começando a separar-se o que era espaço para pessoas e veículos. Os passeios ganharam mais visibilidade e foram melhorando ao longo das décadas seguintes. A Rua não parava de evoluir, recusava-se a ficar parada no tempo. No final dos anos 80 e inícios de 90, começou a perceber-se que os passeios se “tornavam” estreitos, porque aumentara o número dos que a utilizavam, acedia-se mais a ela, por esta ter conquistado a excelência comercial da terra. O trânsito também se tornara mais intenso. Adquirir um veículo democratizara-se plenamente. Hoje todos temos automóvel! A “velha” Rua, apresentava passeios de ambos os lados, estrada para os carros e estacionamento (apenas num lado), que começou a ser pago e com tempo limitado, a fim de evitar abusos e manter uma alternância equilibrada e justa entre os automobilistas. Mas era tudo muito apertado! A simbiótica viária da rua precisava uma vez mais de ser reajustada com o progresso. Rebentava pelas costuras! Assim, em 2007 a “velha” Rua entrou novamente em obras que a modificaram RADICALMENTE! Ficou mais bonita, agradável à vista, parece até mais larga, com uma aparência “moderna”, adequada aos tempos que se vivem à semelhança do que se vai fazendo noutras vilas e cidades. Ninguém negará ou contestará que ganhou em beleza estética. Contudo, algo não vai bem na “modernidade estética” da “velha” Rua! Com este mote, passo à questão fulcral deste artigo:
No passeio (largo, bonito, com floreiras e que se situa no lado dos correios) ninguém se entende muito bem, entre carros, pessoas, comerciantes, sinalética de trânsito, etc! Os peões que ousarem ou tiverem a necessidade de fazer o percurso por esse lado, têm que se sujeitar muitas vezes a autênticas gincanas por entre os carros literalmente estacionados, entupindo as entradas dos estabelecimentos e a circulação pedonal nesse passeio. Dificuldade mais sentida nas pessoas idosas e nos deficientes que se movem em cadeira de rodas. Há pessoas que ainda não entenderam que uma requalificação altera sempre as regras. E as da circulação dessa rua foram alteradas, enquadrando-se na sua nova funcionalidade, cuja filosofia central a pretende oferecer mais às pessoas do que aos carros. As alterações são simples mas urgem ser consciencializadas e respeitadas para que na prática demonstrem civismo de atitudes. Acontece, que muitos condutores figueiroenses (e não só), fazem daquele passeio o seu lugar privado de estacionamento, como se fossem donos de um bocado dele, com uma facilidade que lhes é facultada pela inexistência de barreiras físicas que os desencorajem. É o típico comportamento da “espertalhice portuga”! E também não é legitimo exigir ou culpabilizar a GNR, para que esteja permanentemente presente para regular o que deveria ser regulado “civicamente”. E é aqui que entra o termo “falta de civismo”, muito complicado de engolir. Mas infelizmente, e acima de tudo, esta é a principal verdade que desequilibra a inovação da rua: falta de civismo nas atitudes e comportamentos que alguns cidadãos manifestam no seu dia-a-dia, com práticas que em nada contribuem para a plena satisfação colectiva. Contribuirão esses condutores para dignificar uma obra que valoriza a terra, só porque insistem em não respeitar regras simples e bem definidas? Não teremos parques de estacionamento na vila (um deles até coberto)? Precisarão as boas regras de convivência estar igualmente definidas na lei e nas posturas municipais? Serão estes senhores os mesmos que se indignam com a falta de educação, disciplina e autoridade que reina nas escolas?! Que se irritam cada vez que alguém não cumpre as regras mas que só vêem as questões no lado dos seus interesses directos?
rua_anos_50Todavia, dentro das regras estabelecidas também há lugar à tolerância e à compreensão para certos “infractores”. Por exemplo, ninguém estranhará se um comerciante dessa rua estacionar MOMENTANEAMENTE a sua viatura no passeio por necessidade da sua actividade profissional, ou que os seus fornecedores também o façam. Estamos numa terra onde todos se conhecem, e não numa grande cidade de gente anónima. Aliás, tenho muito respeito pelos nossos comerciantes, porque são sempre os primeiros a ceder nas mudanças, discutindo-as é certo, mas aceitando contribuir para tornar a vila diferente e original em relação às vilas que nos rodeiam, desde que a “modernização” se faça sem a descaracterizar.
Esta “modernidade” tão clamada por alguns e um pouco por todos, não tem só a ver com edifícios, passeios, praças e ruas. Tem sobretudo a ver com as pessoas e a sua capacidade de aceitarem civicamente as mudanças (fruto da natural dinâmica urbana), numa coerência entre o seu discurso e a prática. Não há quem resista ao permanente descontentamento, quase generalizado, dos meus conterrâneos, que muitas vezes não sabem o que querem. Senão reparem: clamavam por uma “biblioteca moderna”, construiu-se-lhes uma; protestavam pela falta de “uma casa de cinema como deve ser”, deu-se-lhes uma, com sala para exposições e tudo; indignavam-se porque não havia um parque de campismo no “paraíso” paisagístico da Foz de Alge, aí está um, mesmo à beira do rio; reclamavam porque não havia uma “piscina decente para os miúdos”, fez-se uma coberta e aquecida; barafustavam porque não havia um “campo de futebol de jeito para a nossa Desportiva”,…aí está um e que poucos concelhos têm, com bancadas cobertas e relvado; amuavam porque não tinham campos de ténis para praticarem “esse desporto diferente”, fizeram-se dois! rua_anos_90Mais exemplos poderia apontar, mas estes chegam e sobram para concluir aos meus conterrâneos o seguinte: Quantos são os que vão habitualmente à biblioteca municipal? Quantos são os que, para alem do cinema, visitam as exposições, aplaudem as conferencias e o teatro na Casa da Cultura? Quantos são os que trocam o “shoping center” na cidade, por um passeio até à Foz de Alge com a família? Quantos são os que assiduamente frequentam a piscina municipal? Quantos são os que contribuem para “encher” as bancadas do Campo de Futebol novo? Quantos têm raquetes de ténis em casa? E já agora, quantos são os que estão preocupados com o destino do nosso “Casulo” de Malhoa?
Não há politica cultural, desportiva, recreativa, social e urbanística, que consiga satisfazer aqueles, que continuamente, “choram de barriga cheia”! Muitas vezes fazemos mau uso da liberdade e que a democracia concedeu à nossa cidadania, porque em atitudes simples no nosso dia-a-dia, não hesitamos em cercear a dos outros, não por necessidade…mas por puro egoísmo e comodismo!
A “velha-nova” Rua Dr. Manuel Simões Barreiros, está dentro de uma nova cultura visual e urbanística mas não tem o apoio da parte cívica, que não a deixa ser plenamente funcional. Sonhamos muito, exigimos demasiado, mas individualmente! Porque na prática não conseguimos compartilhar sonhos e ideias uns com os outros. E desta forma, não há terra nenhuma que “vá para a frente”, porque somos uns eternos inconformados e ingratos com aqueles que ao longo do tempo e com muitos sacrifícios, nunca desistiram em tentar transformar os nossos sonhos em realidade!

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