Archive for Julho, 2009

Uma foto histórica

26 Julho 2009

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Na foto que publico, reunem-se, numa feliz coincidência, oito nomes que estão profundamente associados à história do concelho de Figueiró dos Vinhos no inicio do século XX, tanto pelo prestigio de que eram detentores, como pela acção que consignaram à dinâmica figueiroense, inscrevendo as suas identidades na nossa história colectiva e que ultrapassam os tempos, tornando-os intemporais no nosso orgulho figueiroense. Quanto não dariamos para ter uma “máquina do tempo”, e usufruir de apenas alguns breves minutos na companhia deste grupo fantástico.
(in: Camara Municipal de Figueiró dos Vinhos, Homenagem a Henrique Pinto, Catálogo de exposição de Pintura, Julho de 2002)

Imaginária (esculturas) da Igreja de Nossa Senhora do Carmo do Convento dos Carmelitas Descalços de Figueiró dos Vinhos

18 Julho 2009

sjoao-nepomuceno_jpeg6A imaginária (esculturas) existente no interior da Igreja do Convento do Carmo é composta por esculturas, maioritariamente em madeira, havendo apenas duas em material diferente: uma em pedra e outra em barro.
A única referência datada em relação a este conjunto de esculturas é a data de 1641, gravada na frontaria da Igreja do Convento, sobre um nicho onde antes se albergava a imagem de Nª Sr.ª do Carmo, feita em pedra e que hoje se resguarda na Casa Paroquial de Figueiró dos Vinhos. As outras imagens carecem desta informação, ou outra que pudesse estreitar o seu momento de criação. A Igreja atravessou três fases distintas durante a sua construção, que se iniciou por volta de 1607, após a conclusão das obras dos dormitórios dos frades e que nesse ano se mudaram para o complexo conventual. O acto litúrgico realizava-se provisoriamente, no espaço que é hoje ocupado pela sacristia, ante-sacristia e lavatório, facto que se prolongou até 1644, ano em que a “Igreja nova” ficou pronta. Nessa data já os retábulos iniciais se encontravam prontos, embora por dourar, lacuna técnica que se prolongaria, pelo menos, até 1751.
A julgar pelos cinco nichos primitivos abertos directamente na parede do altar-mor, poderemos considerar a hipótese, que as cinco esculturas existentes no actual retábulo tenham iniciado o seu percurso existencial a partir desse momento, ou seja, desde o primeiro quartel do século XVII e que em 1644 já estivessem em ligação com a estrutura em talha do retábulo inicial, conjuntamente com a escultura em pedra colocada no nicho exterior, cujo referencial temporal é 1641. Portanto, e com alguma segurança, pode-se concluir que o grosso da produção escultórica que se alberga nesta igreja, pertence ao segundo período maneirista, decorrente entre o último quartel de quinhentos e o segundo quartel de seiscentos.
A colecção de imaginária presente no interior da Igreja divide-se em três grupos: cinco esculturas do altar-mor, duas esculturas dos retábulos colaterais e duas esculturas isoladas do seu contexto litúrgico.
Das cinco esculturas analisadas do retábulo-mor, duas apresentam-se com elementos dissonantes em relação às demais, a julgar pela medições realizadas e pelo apuramento de alguns pormenores, entre os quais, um símbolo não identificado numa delas.
A centralidade temática da maioria destas esculturas traduz o reportório iconográfico (e familiar) da Ordem dos Carmelitas, na sua singularidade identitária e simultaneamente devocional. Conjugadas com a talha dourada, estas esculturas tiveram um papel fundamental na catequização dos fiéis, cuja prática recorria às figuras tridimensionais destes santos, enquadrados em alegorias religiosas, objectivando a tradução e a descodificação de temáticas iconográficas específicas, como o presente caso.
As imagens apresentam um certo rigor plástico, com as figuras de pé, firmes, serenamente hirtas, apresentando uma fisionomia que se queria perfeita, honestidade nos seus rostos, perfeição nos corpos, ornatos nos vestidos, providas com elementos iconográficos destinados a provocar o fascínio e o respeito, perante a massa dos fiéis iletrados, cuja apropriação garantia a sua função didáctica.
A imagem caracteristicamente mais maneirista é, sem dúvida nenhuma, a de São João Nepomuceno e que se situava primitivamente sobre uma pianha no lado esquerdo do nicho do retábulo de S. Sebastião. É em barro policromado, e actualmente encontra-se bastante descolorada. Figura graciosa, em forma serpenteada, insinuando um movimento peculiar em “S”. Mede 0.80m de altura. Está actualmente resguardada e poucas pessoas conhecem esta escultura. Não se sabe como veio parar a esta igreja, sendo a única feita em material diferente das existentes no seu espaço. Tal como S. Sebastião tambem foi um mártir, e isso poderá servir como eventual hipótese de ligação que justificasse a sua presença com esse retábulo.
Infelizmente ainda não consegui descortinar nenhum documento que nomeie os oficiais que estiveram presentes na elaboração destas esculturas, nem o ano exacto, embora se saiba que existiam escultores, marceneiros, imaginários e carpinteiros de alta qualidade em Figueiró dos Vinhos, muitas vezes contratados para laborarem noutras zonas do país, e como tal, deveriam ter à sua responsabilidade oficinas que também funcionavam como “escolas” ligadas a estas técnicas.
A Análise das esculturas que fazem parte da colecção de Imaginária do nosso Convento do Carmo, bem como a sua iconografia, é feita por mim na secção “Património – Docs”, presente neste blogue, acompanhado das respectivas fotos e legendagem das esculturas.
(Bibliografia consultada: S. ANA, feri Belchior de, Chronica de Carmelitas Descalços, Oficina de Henrique Valente de Oliveira, Lisboa, 1657, p.395; MARIA, Feri Joseph de Jesus, Chronica de Carmelitas Descalços, Tomo III, Officina de Bernardo António de Oliveira, Lisboa, 1753, p. 783; GONÇALVES, Carla Alexandra, Os Escultores e a Escultura em Coimbra, Uma Viagem Além do Renascimento, FLUC, Coimbra, 2005.
GONÇALVES, Carla Alexandra, Gaspar Coelho, Um escultor do Maneirismo, Livros Horizonte, Lisboa, 2001; PEREIRA, José Fernandes, Dicionário de Escultura Portuguesa, Caminho, Lisboa 2005; TAVARES, Jorge Campos, Dicionário de Santos, Lello & Irmão Editores, Porto, 1990; SERRÃO, Victor, A Pintura Maneirista em Portugal, Edição do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da Educação e das Universidades, 1992.)

Os (nossos) antigos senhores dos oceanos

14 Julho 2009

funchal_1Entre as décadas de 40 a 70 do século XX, os oceanos foram sulcados por grandes paquetes que ostentavam pavilhão e nome português. Duas grandes companhias rivalizavam no prestígio, no conforto, no exotismo, na elegância e na vanguarda das viagens de carreira e de cruzeiro pelos mares fora, a Companhia Nacional de Navegação (CNN) e a Companhia Colonial de Navegação (CCN). Só por si, a publicidade que ambas as Companhias faziam em torno dos seus navios, fazia sonhar milhares de portugueses, por terras longínquas e exóticas que ansiavam demandar a bordo de um desses paquetes.imperio_
Em conversa com amigos (e inclusivamente com o meu sogro) que fizeram viagens entre a metrópole e as ex-colónias portuguesas nalguns desses navios, sobressai um tom nostálgico, que resguarda o orgulho das suas experiências transatlânticas a bordo destes “senhores” dos oceanos, numa época que consideram de ouro para a marinha mercante portuguesa contemporânea.
Todavia, descobri com mágoa, que todos esses barcos, à excepção de um (o «Funchal»), já foram desmantelados em terras longínquas, sob as mãos e os maçaricos de sucateiros estrangeiros. infante_
Mas mesmo desaparecidos continuam a fazer parte da memória individual de milhares de portugueses, para além de concorrerem para um pedaço da nossa história contemporânea, enquanto símbolos materiais de uma época e de uma conjuntura nacional que os motivou e gerou.
Durante a minha investigação acerca destes barcos, reuni dezenas de fotos (inclusivamente dos seus interiores), dezenas de páginas de textos com o seu historial, dezenas de fichas com os seus desenhos, reproduções de bilhetes de viagem e de menus das refeições a bordo, programas e instruções de viagem, horários das rotas marítimas e dos portos que frequentavam, panfletos publicitários, filmes promocionais e históricos, filmes “caseiros” feitos a bordo (com as emblemáticas máquinas de filmar “Super 8”), fotos, depoimentos e recordações de antigos passageiros, “funcionários” e marinheiros.mocambique_
À medida que avançava na minha investigação, ressuscitando cada um desses barcos, a minha pesquisa transformou-se fácilmente numa obsessão, numa ânsia de os “colocar” novamente a flutuar nos oceanos, porque descobri fascinado e surpreendido, que os meus amigos e as pessoas com quem falei acerca destes navios, não tinham exagerado na admiração que votavam em honra destes transatlânticos portugueses e que tão bem conheceram.
Esta incrível frota de navios foi-se constituindo depois da 2ª guerra mundial, quando Portugal tomou consciência que necessitava de uma marinha mercante que assegurasse ligações constantes e permanentes entre o Império ultramarino e a metrópole, assegurando tanto o transporte rápido de passageiros como de mercadorias (a criação de uma companhia aérea do Estado – a TAP – inseria-se no mesmo programa, com o objectivo de manter uma ligação regular com Angola e Moçambique).patria_
Assim, em 1945 e por despacho governamental, ordenava-se a renovação da frota da nossa marinha mercante, prevendo-se a construção de 70 navios, entre os quais 9 grandes paquetes.
Entretanto, no início da década de 60, a marinha mercante portuguesa atingia o seu apogeu, contando com uma frota admirável e onde se inseriam 22 paquetes, entre eles, o «Santa Maria», o «Vera Cruz», o «Príncipe Perfeito» e o «Infante D. Henrique», cada um com a capacidade de transportar 1000 passageiros.
Das duas companhias de navegação, a CNN – Companhia Nacional de Navegação – era a mais antiga, fundada em 1871, tendo-se transformado através dos tempos numa das mais importantes empresas de navegação portuguesas de sempre. Iniciou a sua actividade com os paquetes “Portugal” e “Angola”. Em 1950 passa a integrar o grupo empresarial CUF e em 1972 torna-se no maior armador nacional com cerca de 40 navios. Em 1975 foi nacionalizada e inicia um período de decadência com a perda dos seus mercados tradicionais, arruinando-se (em apenas 10 anos) até á sua liquidação definitiva.niassa_
A CCN – Companhia Colonial de Navegação – foi fundada em 1922 e iniciou a sua actividade com as carreiras de Angola, Cabo Verde e Guiné, assegurando durante os anos 60 os transportes marítimos entre a metrópole e as nossas colónias ultramarinas. Em 1974 funde-se com a Empresa Insulana de Navegação (EIN) e que daria origem à Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos (CPTM). Entre 1922 e 1974, possuiu 14 navios, entre os quais o «Infante D. Henrique»; «o Vera Cruz» e o «Guiné».
Há no entanto uma nuvem negra que ensombra a bela história de alguns destes navios. A partir de 1961, muitos deles começaram a ser requisitados para o transporte de tropas e material de guerra, ajudando a manter o esforço da guerra colonial-africana até 1974. Destes, o navio “Niassa” seria o inaugurador destes transportes bélicos, contudo seria o “Vera Cruz” que realizaria mais viagens nesse sentido, “chegando a realizar 13 num só ano”. Contas feitas, entre 1961 e 1974, 90% da carga e 80% dos militares que foram enviados da metrópole para a “guerra do ultramar” foram transportados nestes navios de sonho. Muitos destes passageiros fardados quando embarcaram em Lisboa, não sabiam que iriam usufruir apenas da viagem de ida, nunca regressando, deixando no cais pais, irmãos, noivas, esposas e filhos lavados em lágrimas, num paradoxo e num contraste atroz e injusto, com as partidas entusiásticas que outros faziam para os cruzeiros e viagens turísticas, a bordo dos mesmos navios. principe-perfeito_
Todavia, este artigo é para relembrar uma época em que não nos quedámos perante o nosso destino e vocação histórica, assumindo a nossa feição atlântica e aceitando o mar como grande recurso económico e que, de tempos a tempos, teimamos em esquecer e subestimar, deixando para os outros uma coisa que podia ser mais nossa, como quando os oceanos eram, naqueles tempos, continuamente cruzados por paquetes de um país, que ainda ousa em arvorar-se como uma “nação de marinheiros”.
Concluo evocando os nomes destes transatlânticos: Paquetes da Companhia Colonial de Navegação (CCN): Navios: «Colonial», «Vera Cruz», «Pátria», «Guiné», «Ganda», «Império», «Mouzinho», «Serpa Pinto», «Santa Maria», «Uige» e «Infante D. Henrique». Paquetes da Companhia Nacional de Navegação (CNN): Navios: «Moçambique», «Niassa (I e II)», «Quanza», «Angola», «Príncipe Perfeito», «Índia» e «Timor». Alguns destes paquetes tiveram várias versões, casos do «Niassa», «Moçambique», «Guiné» e «Angola». Outros, quando foram vendidos após 1974, tiveram outros nomes, como foi o caso do «Infante D. Henrique», que mudou de nome 3 vezes, para «Vasco da Gama», «Seawind Crown» e por último «Barcelona» (com bandeira da Geórgia), tendo sido desmantelado na China em 2004. Também o «Príncipe Perfeito», lançado à água em 1960 (e que foi considerado o mais elegante navio de passageiros português, com uma estética perfeita, qualquer que fosse o ângulo de observação) teve mais 4 nomes, equivalente a 4 transacções que sofreu: «Al Hasa», «Fairsky», «Vera» e «Marianna 9», tendo sido desmantelado na Índia em 2001. O «Niassa II» foi desmantelado em Espanha em 1979; o «Índia» na Formosa, em 1977; o «Timor», na China em 1984; o «Angola» em 1974; o «Uige» em 1980. Ainda na Formosa seriam tambem desmantelados o «Santa Maria» e o «Vera Cruz», ambos em 1973. O último sobrevivente da antiga frota de navios de passageiros portugueses (que em finais da década de 60 chegou a contar com 26 paquetes em actividade) é o «Funchal», que continua ainda no activo.
Carreiras que estes navios faziam: África Ocidental e Oriental, Brasil, América Central, Europa (Mediterrâneo), e Oriente (Singapura, Hong Kong e Dili).santa-maria_
Em meados da década de setenta, com o aumento do número de passageiros a preferirem a utilização do avião para viajarem, em detrimento dos paquetes, estes vão perdendo importância como navios de carreira. Presentemente são utilizados preferencialmente em cruzeiros e viagens turísticas. Contudo e apesar disso, aceitei relembrar esta belíssima colecção de barcos portugueses, sobretudo, com o intuito de reavivar a memória dos muitos que os utilizaram, numa certa época, numa certa altura das suas vidas e que indelevelmente a eles ficaram ligados.vera-cruz_

Há 80 anos, um sonho: «Figueiró dos Vinhos – Estância de Turismo»

13 Julho 2009

* FESTAS DE S. JOÃO DE 1929 *

programa_festasHá 80 anos atrás, em Junho de 1929, Figueiró dos Vinhos fervia de expectativa e de entusiasmo perante as estrondosas festas de S. João, que eram anunciadas aos sete ventos concelhios com pompa e circunstancia e sob o patrocínio de quatro entidades: Câmara Municipal, Comissão de Turismo / Associação Comercial e Industrial e Comissão das Festas Religiosas.
«O povo de Figueiró, prepara-se com galhardia, a fim de receber as ilustres Autoridades do nosso distrito, expressamente convidadas pela Câmara Municipal e Comissão de Turismo para assistirem às nossas festas do S. João que terão lugar nos próximos dias 23 e 24», lia-se na “Regeneração” cerca de duas semanas antes dos festejos.
Prometiam-se festas dum brilho nunca visto, com vistosas ornamentações, inéditas iluminações eléctricas, bandas de música, fogos de artificio dos primeiros pirotécnicos do país, gyncana de automóveis, batalha de flores, danças populares e interessantes festas desportivas, etc, e tudo isto num ano em que o comércio da vila e a economia em geral atravessavam um momento difícil.
A “Regeneração” incitava ao bairrismo e à união de todos os figueiroenses que se orgulhavam da sua “Sintra do Norte”. Para as festas, para além das autoridades administrativas do distrito, foi igualmente convidada toda a Imprensa de Leiria, para assistir a este vibrante e intenso espírito bairrista, fruto da união «dos valores do comércio, da indústria, das forças vivas e de todos quantos ambicionam garantir a Figueiró dos Vinhos um nome alevantado».
O ponto alto das festas era a inauguração do “Jardim Público” (o Jardim Parque seria inaugurado no ano seguinte) e o lançamento da primeira pedra para a construção das Casas dos Magistrados (hoje “Casa da Juventude”). Para além destes dois acontecimentos primordiais, reavivava-se também a inauguração da luz eléctrica na vila «levada a efeito pelos homens desta situação» (na pequena central da Lapa da Moura), inaugurada cerca de três meses antes (a 31 de Março de 1929), bem como a construção da ponte das Bairradas, que representava a ligação com o distrito de Castelo Branco.
Encarregou-se a Filarmónica Figueiroense de iniciar as festas no Domingo, dia 23, saudando a vila às primeiras horas da manhã, “com um esplêndido passo dobrado”. Seguidamente comungaram 143 crianças, a quem foi tambem servido um “jantar”por “senhoras elegantes e gentis”. Entretanto, chegavam os atletas e a Filarmónica de Pombal, que desfilaram conjuntamente com a Filarmónica Figueiroense pelas ruas da vila, culminando com um esplendoroso concerto no coreto. À tarde foi a vez das provas desportivas: lançamento do disco, lançamento do peso, corridas de 80m e de 150m, “luta de tracção”e futebol (tendo vencido a equipa do Sporting Clube de Pombal, por 2-1, a quem foi entregue um troféu de prata). O campo de jogos esteve sempre apinhado de gente, dada a novidade de algumas modalidades desportivas ali disputadas. Quando caiu a noite, as ruas engalanadas brilharam etereamente com a luz eléctrica, sobretudo o Ramal (Av. Padre Diogo Vasconcelos) que, para o povo, apresentava um aspecto deslumbrante e mágico. O Sr. João Luis Nunes do Carapinhal encarregou-se do fogo de artifício, entretendo a população, que dançou e cantou até de madrugada. Na segunda-feira, 24 de Junho, as comemorações revestiram um ar mais solene, dada a presença das autoridades e personalidades distritais. Coube à Filarmónica Pombalense acordar a vila logo pela madrugada (se é que alguém dormiu nessa noite). Figueiró amanhecia nesse 24 de Junho de 1929, orgulhoso e revestido com um aspecto citadino, com a chegada de muitos carros, camionetas e “camions”, carregadas de forasteiros que não queriam perder os festejos figueiroenses. Entretanto, na igreja matriz decorria a festa religiosa a S. João. No púlpito, o Padre António Inglês, proferia um eloquente e brilhante sermão, com a sua voz poderosa e sonante, comovendo toda a assistência. Depois do almoço, às 15h, formou-se um cortejo para esperar o Governador Civil do Distrito de Leiria e demais autoridades que o acompanhavam. Eis que chegam os ilustres convidados e as duas filarmónicas tocam “A Portuguesa”, enquanto o cortejo, num mar de gente que vai ovacionando os ilustres convidados, se encaminha a pé e a custo para a Câmara Municipal. No salão nobre, o Presidente da Câmara, Dr. Mário Guimarães Cid das Neves e Castro, faz o elogio aos convidados, ao qual o Governador Civil agradece. Este, no seu discurso, aproveita também para elogiar uma personalidade Figueiroense, a quem, segundo ele, também se deviam as presentes obras: o Dr. José Martinho Simões e que nessa altura já se destacava na nova e emergente politica nacional. Por toda a sala reboam salvas de palmas, ovações, “vivas” e aclamações entusiásticas. Seguidamente procederam-se às inaugurações, iniciando-se estas pelo “Jardim Público”, onde o Dr. Manuel Simões Barreiros (Presidente da Comissão de Iniciativa) convida o Governador Civil “a soltar o laço que vedava aquele elegante recinto”. Já no Barreiro (actual Rua Major Neutel Abreu) o ilustre convidado lança a primeira pedra para a construção das Casas dos Magistrados.jardim-publico_1_jpeg
De tarde e depois da procissão seguiu-se a “batalha das flores”, com um corso automobilístico que percorreu o Ramal, provocando uma intensa chuva floral multicolorida, despertando um entusiasmo delirante na multidão espectadora. O carro mais bem enfeitado e vencedor deste festival foi o de Martim Luiz Garcia, que alegorizava um moinho com três jovens moleirinhas “capazes de pôr à roda a moleirinha de qualquer mortal”. Seguidamente realizou-se a Gymcana, que tinha a particularidade das viaturas serem conduzidas por senhoras, prova que foi presenciada e aplaudida “por milhares e milhares de pessoas”. O primeiro prémio coube ao carro conduzido pela “mademoiselle” Maria Luísa, o segundo prémio foi para um casal de condutores de Alvaiázere e o terceiro para uma jovem de Pombal e cujo co-piloto era de Leiria. O júri era constituído pelo Delegado da Comarca e por personalidades de Castanheira de Pêra e Pedrogão Grande. batalha-flores_2_jpeg
Nesta segunda-feira, apesar das iluminações terem sido prejudicadas com a ruptura do dique da Barragem da Lapa da Moura, que não aguentou tanta pressão (mantendo-se as iluminações à moda do Minho), os festejos fecharam com um grande banquete para 50 convidados, iniciando-se por volta das 21h e só terminando madrugada dentro, culminando com um esplendoroso fogo de artificio de Viana do Castelo. Para além dos convidados ilustres, é referida a presença de algumas personalidades figueiroenses e que estiveram igualmente nesse banquete, ou na “Comissão de Honra” dos festejos, naquele ano longínquo de 1929. Homens que marcaram uma época, frutos do seu tempo e da conjuntura histórica que então se vivia mas que muito contribuíram para concretizar os sonhos de um concelho que queria “viver, marchar e progredir”, vencendo os incrédulos e os cépticos, que ainda hoje não acreditam na dinâmica das sociedades. Homens estes que representavam uma nova filosofia de exercício do poder, de um novo poder que já se erguia no horizonte concelhio, à semelhança com o que acontecia a nível nacional. Homens de partidos diferentes, homens de condição social diversa mas que se uniam em torno de vontades firmes e que marcariam a memória e a identidade Figueiroense durante as décadas seguintes, entre os quais: Dr. Mário Guimarães Cid das Neves e Castro (Presidente da Câmara), José Manuel Godinho (vice-Presidente da Câmara), Dr. José Martinho Simões (na altura Director Geral do Ministério do Interior), Dr. Manuel Simões Barreiros (Presidente da Comissão de Iniciativa e futuro presidente da Câmara), Padre António Inglês, Dr. Manuel de Vasconcelos (ex-Presidente da Câmara e responsável pela construção da estrada distrital entre Pombal e Figueiró dos Vinhos), Dr. Diniz de Carvalho, Tenente Carlos Rodrigues Manata (futuro vice-Presidente da Câmara e Administrador do concelho), Manuel dos Santos Abreu (Administrador do Concelho e que viria a ser tambem vereador), Francisco Rodrigues Ferreira (Comissão de Iniciativa e Associação Comercial), Joaquim Matos Pinto, António Alves Tomaz Agria, João António Semedo, José Pedro dos Santos, Joaquim Estêvão Rodrigues, João Luiz Júnior (proprietário do Hotel Comercial da vila), Antero Simões Barreiros, Joaquim José da Conceição Júnior, Augusto Severino, entre outros nomes que vincaram a história do nosso concelho nestes tempos em que a politica se utilizava num «combate pelo conforto do povo, pelos interesses do concelho, pelas aspirações, progresso e prosperidade da linda Cintra do Norte do distrito de Leiria», com todos eles sentados à mesma mesa, há oitenta anos atrás, num simbólico “S. João”, padroeiro de Figueiró dos Vinhos.cartaz_festas2
(Citações e fonte documental: Jornal «A Regeneração», Maio e Junho de 1929. Fotos: arquivo pessoal do autor e Jornal “A Regeneração”).