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Os “museus secretos” de Figueiró dos Vinhos

29 Fevereiro 2008

cofre_de_prataQuem pensar que a vila de Figueiró dos Vinhos não possui locais onde os seus conterrâneos possam ver testemunhos da sua história, pondo os olhos em ricas peças valiosas e de pôr todos de boca aberta, desengane-se! A vila tem uma mão cheia de locais que são pequenas galerias de arte, com testemunhos de gente valiosa que por cá andou, viveu ou passou. Acontece, que não estão abertas ao público mas somente acessíveis àqueles que possuem esses pequenos “museus” privados. De uma assentada, posso referir a que tipo de objectos me refiro: algum mobiliário, livros raros e valiosos, peças religiosas diversas (algumas em metal precioso), quadros de Malhoa, Henrique Pinto, Ramalho, Simões d’Almeida Júnior, cerâmicas, centenas de fotografias e postais raros de extrema curiosidade e importância, vestuário e trajes antigos, documentação variada e valiosa (alguma com alguns séculos), colecções de Jornais locais, filmes antigos, etc, etc. De quem é a propriedade disto tudo? Aqui também há um pouco de tudo. Vejamos: uns conseguiram as peças por oferta directa dos próprios autores, outros por herança ou doações familiares, por compra (despendendo algumas somas importantes para as obterem), por coleccionismo, de busca constante levada a cabo em feiras, alfarrabistas e antiquários e ainda outros por aquisição de imóveis de elevado interesse patrimonial juntamente com o seu recheio. Isto sem falar em instituições concelhias que também detêm espólio importante. Ninguém roubou nada! Todos são proprietários legítimos daquilo que possuem! A questão não é essa! Muito também eu podia falar do espólio (imenso espólio) que ao longo dos anos tem “sumido” daqui, levado para fora do nosso concelho. Algum dele estará para sempre fora do nosso alcance, numa sangria de valores patrimoniais que, infelizmente, corre o risco de continuar com o pouco que ainda vai sobrando por estas paragens. A culpa não é de quem detém esses objectos. É de quem nunca quis saber do seu significado e do potencial que representam para as suas terras. Já agora, podia igualmente referir-me a sítios de grande significado arqueológico (e da extrema importância informativa que possuíam), que foram sistematicamente destruídos ou danificados ao longo das décadas figueiroenses: vestígio de aldeias castrenses, caminhos romanos, as Ferrarias da Foz de Alge, etc. De referir igualmente, a recuperação mal dirigida a edifícios religiosos, onde imperou tudo, menos o espírito pela genuína e verdadeira preservação. (Não ficaria bem comigo próprio se não registasse aqui uma nota positiva no meio de todo este cenário, que foi a recuperação da aldeia de Casal S. Simão à qual a Câmara Municipal prestou apoio). Agora pergunto: existe ou existiu alguma vez na nossa terra, um sítio onde a história local pudesse ser depositada com confiança, legitimada na sua importância, enquadrada no seu real valor e que motivasse ao longo dos anos um voluntariado de partilha entre os nossos conterrâneos? NÃO! Nunca houve tal sítio! Então, como podíamos nós pedir a essa meia-dúzia de “privilegiados”, que detêm os seus objectos valiosos, para confiar os mesmos à comunidade de forma altruísta e genuína?! Assim sendo, esse espólio (que já foi maior e mais importante) irá continuar por aí, espalhado em casas particulares, a decorar paredes e móveis ou metido em arcas e caixotes a ganhar bolor, arredado do olhar do publico, que julga ter direito à sua história, entendendo-se que esta não é pertença de ninguém e que deve ser partilhada generosamente. Fiquem os meus conterrâneos convencidos de uma coisa: a nossa terra tem também um passado digno de mostra, de exposição pública, de reconhecimento regional, de fazer corar de orgulho toda a gente. Queríamos era ver o que só alguns podem ver: a peça religiosa, o livro antigo, o postal ou a foto de outrora, o quadro de tal pintor, etc. Mas como garantir aos seus proprietários a mesma devoção, carinho e valor que eles devotam às suas peças?! A quem podiam eles confiar os seus espólios patrimoniais? E para colocar onde? Razão têm eles quando pensam, que o melhor será continuar a serem eles próprios os fiéis depositários daquilo que possuem. Seria necessário edificar um local onde essas peças ficariam expostas de forma condigna e valorizada e que galvanizariam simultaneamente os seus proprietários. figueiro_dos_vinhos_inicio_seculo_xxA exemplo do que se fez em S. Miguel de Seide com a Casa Camilo Castelo Branco, onde se agregou um museu a um centro cultural moderno e ímpar no País, de belíssima arquitectura moderna e que hoje é o orgulho do município de Vila Nova de Famalicão. O que é que eles instalaram lá? Muito simplesmente, um local que atraiu em 2006 cerca de 24000 visitantes, nacionais e estrangeiros, promovendo concertos, colóquios, palestras, conferências, seminários temáticos, visitas guiadas, iniciativas pedagógicas dirigidas às escolas, etc. Imaginem um local como o Casulo de Malhoa, munido de um Centro de artes (ou Cultural e museológico) agregado ao seu edifício, com auditório, espaço polivalente, biblioteca de artes, salas de exposição, gabinetes de trabalho e atelier, oficinas de artes, etc! Seria a nossa casa comum, viveiro de ideias e de iniciativas, uma casa para todas as artes, uma autêntica indústria criativa, de conhecimento, ciência e cultura. Um núcleo destes podia-lhe ser agregado com um belo edifício e não tenho duvidas, que para alem de atrair os artistas e as artes de outrora, acolheria e atrairia também os de agora. Temos ou não artistas e artesãos de grande valor entre nós? Claro que temos! E muito têm eles para nos oferecer e ensinar! Hoje em dia, estes espaços têm uma função diferente, longe daquela ideia de serem locais silenciosos, chatos, com uma data de “coisas velhas” expostas, para visitar aos fins-de-semana com a família e pouco mais. Presentemente, são tidos como autênticos meios de comunicação e a sua intervenção não se resume às colecções que guardam e apresentam. livro_antigoHá toda uma interferência actuante: valoriza os recursos locais, o património, os aspectos culturais, o turismo, apoia o ensino, fomenta o emprego e proporciona formação profissional. Estão voltados para as necessidades das comunidades onde se inserem. Participam na discussão e na busca de soluções dos problemas comunitários, interpretando-os e intervindo junto das populações, de forma questionadora, interventora e, sobretudo, independente, desde que haja um consórcio de vontades para enfrentar os problemas da nossa terra. Nunca será uma instituição supérflua, porque não actuará, jamais, à margem dos problemas e das dinâmicas locais. Pode possuir duas componentes: promoção interna e promoção externa. Na PROMOÇÃO INTERNA promoveria o bem estar material e imaterial da população da área onde se insere (o nosso concelho), através de estudos, exposições, história e dinâmica local, identificação territorial do concelho, diagnósticos e procura de soluções, criando um ambiente de dinamismo individual e colectivo, com acções de formação, etc. Na PROMOÇÃO EXTERNA, promoveria o potencial turístico local, o nosso comércio, divulgando apropriadamente as potencialidades da região com acções especificas e ligado a uma rede nacional, a fim de promover os nossos produtos locais e valorizando os de base tradicional, de forma permanente. Promoveria também os valores e a educação patrimonial, num amplo programa, interligado com outros organismos locais e dirigido tanto aos “de fora” como aos “de dentro”. Estes locais, para alem de estimularem a participação dos cidadãos e a consciência critica, estimulam a criatividade de cada um e unem as comunidades. São locais interdisciplinares. Que o digam os tipos de Vila Nova de Famalicão, a quem foi prestada atenção à sua força criadora, a quem foi dado o estimulo necessário para continuarem a criar, recusando a acomodação, valorizando o que de melhor possuem, para que não se perca, disperse, dando-lhes um lar que os acolha e que é o somatório das suas iniciativas individuais e colectivas. Já aqui o disse uma vez e repito, que é possível reforçar a cultura e o turismo como factores de desenvolvimento e de emprego e que para alem da sua óbvia componente divulgadora, de um concelho e de uma região, através de uma cultura feita por todos e para todos, poderá também agir como “chamariz” e despertar a curiosidade dos outros para nos virem conhecer. Mas para isso temos de construir juntos um enorme “cartaz”, para que possa ser visto ao longe e por muita gente. Um “cartaz” que diga: “Estamos aqui e vejam o que temos para vos oferecer. Sejam bem-vindos!”

Um “herói” incómodo: Dr. Manuel Simões Barreiros

12 Fevereiro 2008

manuel_simoes_barreiros_e_amigosManuel Simões Barreiros era filho de um simples comerciante e nasceu em 1894 no lugar do Fontão Fundeiro, freguesia de Campelo. Aos 12 anos acompanhava o pai atrás de uma carroça, a comerciar por terras de Trás-os-Montes, vida que levou até aos 16 anos, altura em que se cansou de saborear essa existência dura, de saltimbanco de feira em feira, feita por caminhos inóspitos e rudes.
Decidido a conquistar melhor futuro, matriculou-se no liceu com 16 anos. O certo, é que volvidos dez anos (1920) saía da Universidade licenciado em Medicina, com a classificação de Bom. Fizera em dez anos o que normalmente levaria treze anos a fazer. dr_manuel_simoes_barreiros1
Nesse mesmo ano de 1920 foi nomeado médico municipal de Figueiró dos Vinhos. Não tardou em romper com antigas práticas médicas e a impor novos métodos e conceitos de fazer clínica, incluindo cirurgia, numa espécie de revolução da saúde que encetou entre as nossas gentes. Percorria distâncias enormes numa região onde a melhor maneira de locomoção era o cavalo. Saía muitas vezes de casa madrugada alta e regressava pela noite fora. Muitas vezes nem tempo tinha para as refeições.
Em 1923, era tal a solicitação dos seus serviços e o aumento de doentes, que foi obrigado a adquirir um automóvel para se deslocar. Nunca recusou em acorrer à aldeia mais remota, inclusivamente nos concelhos vizinhos. A vida naquele tempo era dura. As maleitas eram muitas! Deste modo, palmilhou estas terras que conhecia como ninguém e teve assim a oportunidade de contemplar a vida do seu concelho, nascendo-lhe a vontade de “reformar isto tudo!” (citações do próprio), ir mais alem, fora do âmbito restrito da sua vida de médico de província.
Nas palavras dele: “sentia-me atraído para uma obra que visionava grande e que era necessária”, numa ânsia de melhores dias que almejava para a sua terra. Queria e sentia, o dever de lançar obras “para que todo o concelho se desenvolvesse sob os mais diversos pontos de vista, quer materiais, quer políticos, quer sociais”. Para enfrentar esta áspera luta da mudança teve com ele grandes nomes a que soube aliar-se: Dr. José Martinho Simões, Tenente Carlos Rodrigues Manata, José Manuel Godinho, Padre António Inglês, Mário Denis Ferreira, entre outros.
Lembro, que naquele tempo para se ir a votos, para alem da coragem necessária, era preciso saber enfrentar grupos de “caceteiros”, “chapeladas” e até tentativas de “liquidação forçadas”. Respiravam-se odores estranhos no ar, misturados com o suor dos camponeses e o cheiro a pólvora dos revólveres dos caciques.
Mas foi assim, que este grupo de jovens, então na casa dos 30 anos mas com “uma fé inabalável”, acreditou no “ressurgimento da nossa terra”, única ideologia que lhes dava alento, força e entusiasmo.
De referir, que toda a sua obra e gerência municipal, exercida entre 1932 e 1947, foi exercida no tempo do Estado Novo, numa época de fortes condicionalismos politico-ideológicos e económicos. Contudo, não se pode negar à história a evidência dos factos e a verdade que por eles fala, principalmente, quando os mesmos estão materializados em obra feita, testemunhos de uma vontade férrea, de quem passou por este mundo e o quis melhorar um pouco, pensando sobretudo naqueles que nada tinham.
Manuel Simões Barreiros teve a oportunidade aliada à capacidade e soube-as aproveitar bem para “revolucionar” o nosso concelho! Dotou-o com uma vila de vanguarda, uma “pequena cidade” como dizia o então ministro da educação e que os jornais ampliavam. Em 1928, muito antes de ser Presidente da Câmara, já a sua equipa conseguira para o concelho a classificação de “Estancia de Turismo”, por decreto estatal. Fizeram propaganda em álbuns turísticos, postais ilustrados, revistas e jornais nacionais e em pouco tempo a vila começou a ser visitada por turistas. O concelho começou a ser conhecido por “Sintra do Norte”. Foi um pioneiro com ideias avançadas para o seu tempo. Lutou, inclusivamente, contra as mentalidades com métodos e ideias novas, que ajudaram a desenvolver a agricultura, o comércio e “até a implantar uma pequena industria” que então possuímos, transformando estruturalmente a sociedade figueiroense. Em poucos anos, transformou igualmente a fisionomia urbana da vila e do concelho. Deu à vila dois belos jardins e que são ainda hoje o orgulho de todos os figueiroenses, a nossa “sala de visitas da vila”; melhorou e implantou a assistência médica nos meios rurais, com profilaxia maternal e infantil; reformou e construiu escolas (13) pelas sedes de freguesia e noutros lugares (e equipou-as com material escolar e didáctico); abasteceu o concelho de água, instalando fontanários (mais de 30) em quase todos os lugares do concelho; melhorou e abriu estradas e caminhos municipais em todas as freguesias, ligando-as à sede do concelho e criou-lhe também as Estradas Municipais; abasteceu a vila com água ao domicílio; electrificou-a (rivalizando com qualquer grande cidade); instalou os correios, telégrafos e telefones; construiu e melhorou pontes (28) ligando povoações e acabando com o isolamento de outras; deu à vila novas praças, um mercado municipal (onde era o mercado do peixe), a Casa do povo, reformou o edifício da Câmara Municipal, abriu avenidas novas na vila, implantou a instrução secundária, instalou um Centro de Saúde e chegou mesmo a planear um grande projecto de urbanização que estendia o tecido urbano da vila a partir da actual avenida das escolas e que ocupava uma área de cinco hectares, onde não faltavam um parque de jogos, campos de ténis, escolas, um novo e moderno edifício da Câmara Municipal, parque infantil, moradias, estacionamentos, etc. E tudo isto nos anos 40. Projecto, que infelizmente não teve tempo de concretizar.
Lembramos, que na altura o nosso concelho tinha cerca de doze mil habitantes (hoje tem cerca de metade), isto é, havia mais gente a quem era necessário “acudir”, e que naquele tempo não tínhamos a ajuda da União Europeia ou dos Programas dos Quadros Comunitários de Apoio. A Câmara Municipal tinha somente meia dúzia de funcionários, não havia arquitectos, engenheiros ou técnicos especializados. É certo que os tempos eram outros e não quero fazer somente a apologia da história, como se estivesse preso ao passado, num acto nostálgico e séptico quanto ao futuro. Antes pelo contrário! Mas não posso esquecer, que também temos os nossos heróis locais e que ao reavivar a sua memória, mais do que brandir a espada do exemplo, é brandir a minha gratidão por tudo aquilo que fizeram pelas nossas terras. A gratidão pertence à história e compete aos homens assumir as duas coisas, não como um passado morto, arquivado, mas que vive na memória colectiva, por tudo aquilo que outros, antes de nós, fizeram e ofereceram, melhorando a nossa maneira de viver.
Manuel Simões Barreiros não estava amarrado a conceitos ultrapassados, era um visionário, longe de interesses partidários, com ideias estruturais, projectos estruturantes e que dizia o que verdadeiramente pensava, uma espécie rara de político e que hoje está em vias de extinção. Ser de esquerda, de direita, comunista, socialista ou social-democrata, hoje pouco diz às pessoas, principalmente sobre o que elas realmente querem para as suas terras.
Este homem e a sua equipa, os “novos de Figueiró” como eram apelidados (quando surgiram), atravessaram tempos de crise nacional e internacional, passaram por anos muito complicados, militaram num estado arcaico e pouco inovador, presidiram a uma câmara em que as finanças locais estavam longe de serem o que são hoje, e no meio destas considerações, há uma coisa que sobressai e que ninguém pode negar: a sua bandeira era o concelho de Figueiró dos Vinhos, o seu partido era a sua terra, a sua politica era fazer obra útil para as suas gentes, independentemente da agilidade e do jeito que tinham para andar em cima de areias movediças. Para enumerar todas as obras que este homem realizou enquanto Presidente da Câmara, eram necessárias várias páginas deste jornal. Como ele dizia em 1943: “ o plano concebido por nós era grandioso demais para esta câmara, de erários reduzidos…”. Mas dos fracos não reza a história.
E assim este homem simples, era sobretudo um político desenvolto, conhecedor profundo do seu concelho e das suas reais aspirações, que desprezava literalmente moralismos de sábios iluminados, preferindo o realismo da obra pensada, estudada, avaliada e realizada.
Um plano que não se ficou em palavras e em desenhos mas que se concretizou em obras generosas, em auxilio das populações, acertando sempre em cheio no alvo das necessidades locais, porque foi sempre um andarilho, de povoação em povoação, “auscultando” as populações. Pela terra sacrificou tudo, a começar pela sua vida privada e profissional.
Contudo, há-de sempre existir uma escola de pessoas no lado oposto àqueles que produzem, irritando-se cada vez que alguém faz alguma coisa e principalmente, com aqueles que melhoram as condições de vida dos seus conterrâneos. Os seus adversários políticos nunca lhe deram tréguas, até conseguirem em Dezembro de 1947, por concluios e compadrios políticos, o seu afastamento da Câmara Municipal. Morreria pouco tempo depois, em Julho de 1948, com o coração carregado da ingratidão dos povos, e acreditem ou não, não existe em nenhuma acta da Câmara Municipal, imediatamente a seguir à data da sua morte, nenhuma referência ao facto ou com o mais leve louvor ou gratidão. Só encontro uma explicação para este facto: Manuel Simões Barreiros tornara-se um “herói” incómodo, por ser difícil de igualar. Quanto menos se falasse nele melhor, porque se afastava a tentação das comparações.
Mas na verdade, será sempre fora das “actas” oficiais, que os povos recordarão tanto os bons como os maus presidentes de câmara (para eles o “meio termo” não existe)!
Contudo, mesmo “abafado” em termos oficiais, o nome dele passa de geração em geração! Porquê?
Porque as obras que os nossos autarcas realizarem em beneficio genuíno dos nossos concelhos, em prol das suas populações, será a sua melhor assinatura, que perdurará no tempo, inscritas na consciência dos povos e que por mais ingratos que estes sejam, nunca poderão ser esquecidos.