Archive for Janeiro, 2008

Na der(rota) da cultura: a “casa fantasma”

28 Janeiro 2008

jose_malhoaO silêncio, a omissão, a oclusão do “Centro Cultural de Figueiró dos Vinhos”, que teve “guarida” no chalet – “Casulo” de mestre José Malhoa, oferecem-nos argumentos polémicos pelo inexplicável da situação a que chegou tal história: primeiro, aos sócios legítimos daquela “Casa” e depois a TODOS os figueiroenses, que acreditavam ter no “Casulo de Malhoa”, algo que os projectava ainda e de alguma forma, para fora das portas do humilde burgo onde habitam.
Agora, aquela casa desbota nas suas cores, amarelece na sua caminhada ruinante e passa (de há uns valentes anos para cá) envergonhada e despercebida na história, e dói, principalmente àqueles que tanto deram pela instituição e pela casa, a começar no seu primeiro proprietário, o próprio pintor, que já deve ter dado algumas voltas no tumulo, impotente e à mercê dos tempos que correm. Chegámos ao cúmulo da garotada inocente chamar ao Casulo a “Casa Fantasma”!
Afinal, quantos são os que amam a nossa terra com simplicidade, sem presunção, sem protagonismos ridículos ou pretenciosismos falsos e plásticos???
Não existe ninguém, por mais explicações que colha, que me consiga meter na cabeça os motivos que levaram à actual situação em que se encontra aquela casa!!!
A quem se devem apontar responsabilidades? À Direcção do Centro Cultural? Aos sócios da colectividade? À edilidade concelhia? Aos Figueiroenses em geral?
Eu acho que TODOS temos um pedaço de culpa! Uns directamente, outros por omissão e os restantes por passividade e alheamento.
Quando se tem numa localidade um edifício de elevado valor histórico-patrimonial, como o Casulo de Malhoa, ao lado de cidadãos, que ao passar todos os dias diante dele encolhem os ombros e a consciência, divorciando-se do problema, está em parte explicada a questão das responsabilidades gerais.
É que, a cultura, o património e essas coisas, não enchem a barriga a ninguém! Será mesmo assim?
As colectividades concelhias, principalmente nos concelhos mais pobres, são vistas como empecilhos para o erário municipal (também ele pobre). Que maçada, despender uns dinheirinhos para essas “coisas”!
Mais: as verbas disponibilizadas para o associativismo são meras esmolas, quando deviam ser enquadradas e tidas em consideração através de um “Regulamento Municipal de apoio ao associativismo” (à semelhança daquilo que é prática nalguns concelhos), que entendesse as colectividades como segmentos extensivos das próprias autarquias. As colectividades são uma espécie de “Secretarias de Estado” da cultura, desporto, divulgação e recreio dos concelhos. (São ou não são?!).
Há uma indiferença generalizada das pessoas por estas coisas, sob pena de estarmos todos a apagar e a subalternizar a nossa memória comum em função de valores estritamente políticos e económicos. Se acaso vier para o concelho uma grande fábrica, que empregue tanto licenciados e não licenciados, estarão eles interessados em construir ou comprar casa numa vila onde tudo “fecha” ás oito da noite e onde ao fim de semana nada “abre”??? Duvido!!! Ganharão sobretudo os concelhos em redor, que oferecerem condições de lazer, recreio, cultura, enfim, que tenham dinamismos naturais e “automáticos”. Ou estamos à espera que sejam essas pessoas a montar, também, tudo isso?
O sector do turismo, é hoje um elevado potencial económico e que assenta, também, nas particularidades e riquezas do património, seja ele ambiental, cultural ou histórico. Há que fornecer ao turismo municipal uma estratégia comum e juntar todas as referências num grande “menu” local a promover, agregando todas as potencialidades locais num Programa plurianual diversificado e concreto. Quais são as nossas especificidades próprias? Quais são os nossos recursos naturais e que é possível potenciar? Quais são as nossas componentes sócio-culturais particulares e que é possível identificar e divulgar?
Está isso tudo inscrito em agendas sectoriais comuns, interligadas e atraentes, ou são apenas prenúncios avulsos ao sabor das épocas, dos protagonismos e dos padroeiros (com e sem aspas!)???
Numa época marcada pelo individualismo, há que enveredar no sentido de se desenvolverem as responsabilidades colectivas.
Há que saber encontrar a forma de inovar, transmitindo simultaneamente a ideia do respeito pelos usos, costumes e tradições das nossas terras. Essa é uma estratégia que só se consegue com o envolvimento de TODOS num grande projecto globalizador, numa complexa teia que interligue todas as entidades envolvidas (associações, entidades públicas e privadas, grupos recreativos, desportivos e culturais, escolas, etc).
É uma tarefa dificílima, que implica abdicar de algumas mentalidades que contrastam entre o discursar e o fazer. Mas sobretudo, tem que ser realizada longe de status intelectuais, que vivem muitas vezes da aparência e da critica fácil, porque os incomoda fazer de outras maneiras, colher outras sugestões e opiniões, isto é, mais terra-a-terra, junto da população e das suas verdadeiras simbologias e apetências.
Quando em 1898, Malhoa com a ajuda do seu amigo e arquitecto Ernesto Reynaud inicia a ampliação do seu humilde atelier, aliado às artes do pedreiro Júlio Soares Pinto e do marceneiro Manuel Granada, estava longe de imaginar, que as gerações vindouras iam ser tão ingratas com ele. E se ele tivesse construído o seu “Casulo” em Chão de Couce, ou Pedrógão Grande? Teria sido melhor opção? Dá para pensar! Quanto não dariam Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra ou Chão de Couce, para terem este “casulo” de Malhoa?
A alma de um povo, dos seus usos e costumes, da forma de estar na vida, têm o seu reflexo no Associativismo, no património que edificam, nos símbolos que constroem, que nos tornam únicos e que permitem serem veículos de transmissão desses saberes geracionais, resultado do espírito comunitário e que só se vai mantendo graças à persistência e dedicação de alguns.
Para que os valores associativos não se percam, exige-se um trabalho sistemático de planeamento, de animação local, de diagnóstico, que desperte motivações, promova o envolvimento activo de todos, em actividades sociais, desportivas, recreativas e culturais, locais e regionais e que comece a criar uma dinâmica de REAL mudança.
Realizar estudos sobre o perfil, motivações, comportamentos e preferência das populações, a fim de afinar estratégias e organizar uma BOA AGENDA de actividades e que durem o ano inteiro de forma habitual.
Modernizar o conceito e o aspecto patrimonial e cultural, tornar os seus símbolos como “imagens de marca” dos concelhos, frutos de um extenso imaginário colectivo e que devem, igualmente, ser tidos como recursos importantes para o desenvolvimento local, possíveis de serem rentabilizados. Assim, o nosso património sócio-cultural, ambiental, desportivo e associativo tanto pode ser usado para fins turísticos e produtivos, como para galvanizar a importância de uma terra, projectando-a no futuro, como num cruzamento onde passado e presente se encontram e onde juntos seguem em frente.
Não bastam somente atitudes políticas, são necessárias sobretudo atitudes de cidadania! Desligar a cultura de dependências, de protagonismos e de clientelismos políticos, permitindo ás pessoas compreender melhor a sociedade em que vivem e motivando-as a intervir, preparando principalmente as gerações mais novas, para o exercício de uma cidadania plena e consciente, que se traduza em atitudes de cidadãos conscientes das acções que devem empreender, sobretudo ao nível local e relativamente ao destino das suas terras.
Se aceitamos receber uma herança importante, temos a obrigação de saber conquistar o orgulho, tanto dos nossos avós, como dos nossos filhos e netos, passando-a (a estes) mais enriquecida, aumentada e valorizada.
Em resumo: permitir a passagem do testemunho de forma sublime, para que a história, lá mais para diante, não nos trate muito mal!

Esta Europa dos Tratados: Tratado de Lisboa

06 Janeiro 2008

PORTUGAL/UE/TRATADOTratados, acordos, convenções, protocolos, tréguas, pactos, concordatas, cartas, concessões, bulas e uniões, é toda uma vasta parnefália de documentos do género, que existem desde que o homem se organizou em comunidades. Começaram por ser anunciados oralmente, gravados na pedra, no papiro, na cerâmica, no pergaminho, no papel e agora até em base digital.
Contando, de uma lista, todas as celebrações escritas e importantes de que há testemunho e prova, encontramos no mínimo cerca de duzentos documentos escritos. Entre esses temos alguns celebérrimos, como o Tratado de Alcanices (1297-define as nossas fronteiras no Alentejo), Methuen (1703-entre Portugal e Inglaterra), Tordesilhas (1494-Portugal e Espanha dividem entre si o mundo), Versalhes (1919-após a 1ª Guerra Mundial), Carta das Nações Unidas (e que daria origem à ONU), Atlântico Norte (e que criou a NATO), etc, etc, etc.
Um dos primeiros exemplares registados de um Tratado Internacional, é o Tratado de Kadesh, celebrado no século XIII a.C., isto é, há cerca de 3500 anos, entre Ramsés II do Egipto e Hatusil III rei dos Hititas.
O Tratado mais antigo do mundo ainda em vigor, é a Aliança Luso-Britãnica, assinado em 1373 entre a Inglaterra e Portugal.
Mas o que é um Tratado?
O dicionário diz que é um documento pelo qual sujeitos de direito internacional – principalmente, Estados Nacionais e Organizações Internacionais – estipulam direitos e obrigações entre si.
Explicando por miúdos, são documentos que ajudam a regular as relações entre povos diferentes. O papel fundamental dos Tratados na história das relações internacionais é inquestionável, sendo o balanço francamente positivo, embora sejam conhecidos Tratados tristemente célebres, como o que foi assinado entre Ribbentrop e Molotov e que encorajaria Hitler a iniciar a 2ª Guerra Mundial. Mas tem que se reconhecer a importância cada vez maior dos Tratados como meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, sejam quais forem os seus sistemas constitucionais e sociais.
Os principais objectivos onde devem assentar todos os Tratados são: igualdade de direitos, autodeterminação dos povos, igualdade soberana e independência dos Estados, proibição de ameaça ou do emprego da força, respeito pelos direitos humanos. Todos estes princípios devem conjuntamente conduzir à manutenção da paz e da segurança internacionais, desenvolvimento das relações amistosas e a franca cooperação entre as nações.
Ora, o TRATADO DE LISBOA, assinado em Dezembro ultimo pelos 27 países que compõem a União Europeia, não é menos importante que todos os outros consagrados anteriormente. Ele está inserido na estratégia que a Europa tem vindo a seguir e a desenvolver desde 1957. Nesse ano foi assinado o famosíssimo Tratado de Roma, que culmina e credencia o “milagre europeu”, de uma Europa que recomeçara a empreender, a investir e a inovar, a reerguer-se de novo orgulhosa, depois de duas guerras mundiais dentro das suas portas, que custaram ambas mais de setenta milhões de mortos no espaço de duas gerações, e que lhe abalou os fundamentos da sua preponderância, sendo ultrapassada por outros continentes, fragilizado a sua civilização, desunida e arruinada, ficando dependente da caridade americana e soviética. A civilização moderna, após a 2ª Guerra Mundial, revelaria à Europa, sem dó nem piedade, que ela já não era no mundo, o centro de uma bela e pujante civilização, centro de um poder absoluto.
Mas houve homens incríveis (Jean Monet, por exemplo), que contribuíram para o reerguer da democracia europeia, nas últimas décadas.
Falaram com outros homens, sentaram-se à mesma mesa, sonharam com um grande continente onde os canhões se haveriam de calar definitivamente. Forjaram textos e assinaram-nos conjuntamente baseados nos tais princípios que atrás citei. Levaram-nos depois para os seus países e conseguiram convencer os seus povos de que havia factores que podiam levar à unificação, isto é, a Europa recuperara e alcançara progressos em vários domínios: Progresso Técnico (revolução nos transportes, profusão de invenções, de meios de comunicação e difusão da informação); Linguísticos (grandes línguas que se tornaram universais como factores de compreensão e aproximação); Económicos (economias nacionais e continentais cada vez mais interligadas), Culturais (costumes, gostos, tempos livres, que se tendiam a uniformizar e a universalizar e, portanto, a aproximar os homens) e factores Politico-ideológicos (fundo de ideias comuns, um património comum de valores). Havia que partilhar tudo isto com o maior número possível de parceiros. Os mais ricos ajudariam os mais pobres (vieram ou não para Portugal muitos milhões de Euros? A forma como foram utilizados isso é que é discutível!) e juntos elaborariam uma carta de ideias comuns. Daí a importância dos primeiros Tratados e dos que se seguiram, emendando, reajustando, reformando e melhorando as relações entre os países que se foram chegando e alargando a grande família Europeia.
Afinal, a Europa dera ao mundo, desde sempre, muitas ideias que a tornam, em parte, uma civilização comum.
E foi um longo caminho desde 1957: criação da Comunidade Económica Europeia (CEE), o Acto Único Europeu em 1987 e que congrega o Mercado Interno, o Tratado da União Europeia (Maastricht) em 1992 e que instituiu a verdadeira União Europeia, o Tratado de Nice em 2001 e que deu à UE um funcionamento eficaz; a instituição da moeda única e agora o Tratado de Lisboa que pretende substituir o Projecto de uma Constituição Europeia, e que emenda e reforma dois Tratados em vigor: o Tratado da União Europeia e o Tratado da Comunidade Europeia, passando a ser um documento que une esses dois Tratados, ao mesmo tempo que pretende agilizar, desburocratizar e simplificar o funcionamento desta grande Europa unida, agora com 27 (!) países sentados à mesma mesa.
Neste Tratado existem quatro pontos que interessam saber: 1- Que a União Europeia irá ter um Presidente estável eleito pelos 27 por um período de dois anos e meio, renovável uma vez. Isto é, terá um presidente fixo em vez da regra das presidências rotativas; 2- Irá ter um super Ministro dos Negócios Estrangeiros para lidar com as outras potências; 3- Reconhece a iniciativa popular, isto é, um milhão de cidadãos podem pedir à Comissão Europeia (o órgão executivo da União Europeia) uma medida legislativa; 4- Consagra a possibilidade dos Estados poderem abandonar a União Europeia.
Dá também mais poderes legislativos ao Parlamento Europeu mas reduz-lhe o número de deputados. A Comissão Europeia (de que o nosso Durão Barroso é actualmente Presidente) fica também com menos elementos, etc, etc.
Uma vida melhor para os Europeus????
De há cinquenta anos para cá, a Europa mudou e o mundo também. O mundo globalizou-se, a sua população aumentou, o clima alterou-se. O que era antes a “civilização da terra é agora a civilização do satélite”. A economia mundializou-se e surgiram novas ameaças (o terrorismo) que pesam sobre a segurança dos cidadãos. Sozinhos, os Estados-membros desta União Europeia não são capazes de enfrentar todos estes novos desafios que não conhecem fronteiras. É assim um esforço colectivo à escala europeia, numa Europa que se deve modernizar continuamente, por si, com utensílios eficazes para o seu funcionamento conjunto, agora alargada com 27 membros, porque não deve permanecer entrincheirada, impossibilitada de se expandir.
O Tratado de Lisboa está bem feito, é eficaz, é fácil de ler???
Todos podemos ter as nossas “visões” da Europa, mas nem todos estamos aptos a escrever Tratados. Estes devem ser feitos por pessoas competentes e especializadas, gente que saiba de Relações Internacionais e não, unicamente, por sonhadores com ideias para a Europa.
Perguntar se o Tratado pode ser lido e entendido por qualquer pessoa merece outra pergunta: todos os cidadãos portugueses leram a constituição portuguesa? E mesmo os que a leram, quantos são os que a entenderam?
O Tratado de Lisboa, estou certo, é de boa-fé, não tem segredos, está disponível livremente para consulta.
Foi feito por Chefes de Estado e de Governo (Conselho Europeu), assentes em governos democráticos, isto é, por aqueles que nós elegemos e mandatámos para nos governar.
A sabedoria do homem-comum não chega para fazer Tratados, mas também é verdade que existem algumas sombras e vazios que necessitam de ser desvendados e explicados, debatidos e divulgados. É que, a Europa não pode ser vista apenas com espírito de cálculo e de álgebra, ou num nível puramente técnico, dos especialistas e das suas notáveis especulações, de economia dirigida e do planeamento perspicaz. Queria era, que todo esse espírito tecnocrático se embrenhasse de alma humanista, dos homens, e que não lhe dessem como único alimento sábias contas, mas que também acalentassem os seus entusiasmos, as suas sãs loucuras, sempre impregnadas de sabedoria e que tanto ajudaram a criar a alma europeia. Espero que a consciência colectiva Europeia esteja igualmente gravada religiosamente neste Tratado de Lisboa, onde imperam os números, porque a consciência dos homens, essa é imprevisível e não pode ser ultrapassada por cima, por Tratados assinados com canetas de prata, com pompa e circunstancia, escapando a essa consciência colectiva, por entre a densa prosa refinadamente jurídica, económica e politica.
Há acima de tudo valores políticos e civis, e que devem ser partilhados por todos os cidadãos, que sentados à mesma mesa a fazer Tratados, aceitem sobretudo, que é necessário haver a noção de uma auto-imagem e de um auto-reconhecimento de uma ideia “Europeia”, apoiada nos homens, nos povos que formam a grande família europeia, e que vai do Cabo da Roca ao Mar Negro. Uma “ideia de Europa”, permanentemente reinscrita por todos e onde os Tratados são inevitáveis e necessários.