Esta Europa dos Tratados: Tratado de Lisboa

Janeiro 6th, 2008

PORTUGAL/UE/TRATADOTratados, acordos, convenções, protocolos, tréguas, pactos, concordatas, cartas, concessões, bulas e uniões, é toda uma vasta parnefália de documentos do género, que existem desde que o homem se organizou em comunidades. Começaram por ser anunciados oralmente, gravados na pedra, no papiro, na cerâmica, no pergaminho, no papel e agora até em base digital.
Contando, de uma lista, todas as celebrações escritas e importantes de que há testemunho e prova, encontramos no mínimo cerca de duzentos documentos escritos. Entre esses temos alguns celebérrimos, como o Tratado de Alcanices (1297-define as nossas fronteiras no Alentejo), Methuen (1703-entre Portugal e Inglaterra), Tordesilhas (1494-Portugal e Espanha dividem entre si o mundo), Versalhes (1919-após a 1ª Guerra Mundial), Carta das Nações Unidas (e que daria origem à ONU), Atlântico Norte (e que criou a NATO), etc, etc, etc.
Um dos primeiros exemplares registados de um Tratado Internacional, é o Tratado de Kadesh, celebrado no século XIII a.C., isto é, há cerca de 3500 anos, entre Ramsés II do Egipto e Hatusil III rei dos Hititas.
O Tratado mais antigo do mundo ainda em vigor, é a Aliança Luso-Britãnica, assinado em 1373 entre a Inglaterra e Portugal.
Mas o que é um Tratado?
O dicionário diz que é um documento pelo qual sujeitos de direito internacional – principalmente, Estados Nacionais e Organizações Internacionais – estipulam direitos e obrigações entre si.
Explicando por miúdos, são documentos que ajudam a regular as relações entre povos diferentes. O papel fundamental dos Tratados na história das relações internacionais é inquestionável, sendo o balanço francamente positivo, embora sejam conhecidos Tratados tristemente célebres, como o que foi assinado entre Ribbentrop e Molotov e que encorajaria Hitler a iniciar a 2ª Guerra Mundial. Mas tem que se reconhecer a importância cada vez maior dos Tratados como meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, sejam quais forem os seus sistemas constitucionais e sociais.
Os principais objectivos onde devem assentar todos os Tratados são: igualdade de direitos, autodeterminação dos povos, igualdade soberana e independência dos Estados, proibição de ameaça ou do emprego da força, respeito pelos direitos humanos. Todos estes princípios devem conjuntamente conduzir à manutenção da paz e da segurança internacionais, desenvolvimento das relações amistosas e a franca cooperação entre as nações.
Ora, o TRATADO DE LISBOA, assinado em Dezembro ultimo pelos 27 países que compõem a União Europeia, não é menos importante que todos os outros consagrados anteriormente. Ele está inserido na estratégia que a Europa tem vindo a seguir e a desenvolver desde 1957. Nesse ano foi assinado o famosíssimo Tratado de Roma, que culmina e credencia o “milagre europeu”, de uma Europa que recomeçara a empreender, a investir e a inovar, a reerguer-se de novo orgulhosa, depois de duas guerras mundiais dentro das suas portas, que custaram ambas mais de setenta milhões de mortos no espaço de duas gerações, e que lhe abalou os fundamentos da sua preponderância, sendo ultrapassada por outros continentes, fragilizado a sua civilização, desunida e arruinada, ficando dependente da caridade americana e soviética. A civilização moderna, após a 2ª Guerra Mundial, revelaria à Europa, sem dó nem piedade, que ela já não era no mundo, o centro de uma bela e pujante civilização, centro de um poder absoluto.
Mas houve homens incríveis (Jean Monet, por exemplo), que contribuíram para o reerguer da democracia europeia, nas últimas décadas.
Falaram com outros homens, sentaram-se à mesma mesa, sonharam com um grande continente onde os canhões se haveriam de calar definitivamente. Forjaram textos e assinaram-nos conjuntamente baseados nos tais princípios que atrás citei. Levaram-nos depois para os seus países e conseguiram convencer os seus povos de que havia factores que podiam levar à unificação, isto é, a Europa recuperara e alcançara progressos em vários domínios: Progresso Técnico (revolução nos transportes, profusão de invenções, de meios de comunicação e difusão da informação); Linguísticos (grandes línguas que se tornaram universais como factores de compreensão e aproximação); Económicos (economias nacionais e continentais cada vez mais interligadas), Culturais (costumes, gostos, tempos livres, que se tendiam a uniformizar e a universalizar e, portanto, a aproximar os homens) e factores Politico-ideológicos (fundo de ideias comuns, um património comum de valores). Havia que partilhar tudo isto com o maior número possível de parceiros. Os mais ricos ajudariam os mais pobres (vieram ou não para Portugal muitos milhões de Euros? A forma como foram utilizados isso é que é discutível!) e juntos elaborariam uma carta de ideias comuns. Daí a importância dos primeiros Tratados e dos que se seguiram, emendando, reajustando, reformando e melhorando as relações entre os países que se foram chegando e alargando a grande família Europeia.
Afinal, a Europa dera ao mundo, desde sempre, muitas ideias que a tornam, em parte, uma civilização comum.
E foi um longo caminho desde 1957: criação da Comunidade Económica Europeia (CEE), o Acto Único Europeu em 1987 e que congrega o Mercado Interno, o Tratado da União Europeia (Maastricht) em 1992 e que instituiu a verdadeira União Europeia, o Tratado de Nice em 2001 e que deu à UE um funcionamento eficaz; a instituição da moeda única e agora o Tratado de Lisboa que pretende substituir o Projecto de uma Constituição Europeia, e que emenda e reforma dois Tratados em vigor: o Tratado da União Europeia e o Tratado da Comunidade Europeia, passando a ser um documento que une esses dois Tratados, ao mesmo tempo que pretende agilizar, desburocratizar e simplificar o funcionamento desta grande Europa unida, agora com 27 (!) países sentados à mesma mesa.
Neste Tratado existem quatro pontos que interessam saber: 1- Que a União Europeia irá ter um Presidente estável eleito pelos 27 por um período de dois anos e meio, renovável uma vez. Isto é, terá um presidente fixo em vez da regra das presidências rotativas; 2- Irá ter um super Ministro dos Negócios Estrangeiros para lidar com as outras potências; 3- Reconhece a iniciativa popular, isto é, um milhão de cidadãos podem pedir à Comissão Europeia (o órgão executivo da União Europeia) uma medida legislativa; 4- Consagra a possibilidade dos Estados poderem abandonar a União Europeia.
Dá também mais poderes legislativos ao Parlamento Europeu mas reduz-lhe o número de deputados. A Comissão Europeia (de que o nosso Durão Barroso é actualmente Presidente) fica também com menos elementos, etc, etc.
Uma vida melhor para os Europeus????
De há cinquenta anos para cá, a Europa mudou e o mundo também. O mundo globalizou-se, a sua população aumentou, o clima alterou-se. O que era antes a “civilização da terra é agora a civilização do satélite”. A economia mundializou-se e surgiram novas ameaças (o terrorismo) que pesam sobre a segurança dos cidadãos. Sozinhos, os Estados-membros desta União Europeia não são capazes de enfrentar todos estes novos desafios que não conhecem fronteiras. É assim um esforço colectivo à escala europeia, numa Europa que se deve modernizar continuamente, por si, com utensílios eficazes para o seu funcionamento conjunto, agora alargada com 27 membros, porque não deve permanecer entrincheirada, impossibilitada de se expandir.
O Tratado de Lisboa está bem feito, é eficaz, é fácil de ler???
Todos podemos ter as nossas “visões” da Europa, mas nem todos estamos aptos a escrever Tratados. Estes devem ser feitos por pessoas competentes e especializadas, gente que saiba de Relações Internacionais e não, unicamente, por sonhadores com ideias para a Europa.
Perguntar se o Tratado pode ser lido e entendido por qualquer pessoa merece outra pergunta: todos os cidadãos portugueses leram a constituição portuguesa? E mesmo os que a leram, quantos são os que a entenderam?
O Tratado de Lisboa, estou certo, é de boa-fé, não tem segredos, está disponível livremente para consulta.
Foi feito por Chefes de Estado e de Governo (Conselho Europeu), assentes em governos democráticos, isto é, por aqueles que nós elegemos e mandatámos para nos governar.
A sabedoria do homem-comum não chega para fazer Tratados, mas também é verdade que existem algumas sombras e vazios que necessitam de ser desvendados e explicados, debatidos e divulgados. É que, a Europa não pode ser vista apenas com espírito de cálculo e de álgebra, ou num nível puramente técnico, dos especialistas e das suas notáveis especulações, de economia dirigida e do planeamento perspicaz. Queria era, que todo esse espírito tecnocrático se embrenhasse de alma humanista, dos homens, e que não lhe dessem como único alimento sábias contas, mas que também acalentassem os seus entusiasmos, as suas sãs loucuras, sempre impregnadas de sabedoria e que tanto ajudaram a criar a alma europeia. Espero que a consciência colectiva Europeia esteja igualmente gravada religiosamente neste Tratado de Lisboa, onde imperam os números, porque a consciência dos homens, essa é imprevisível e não pode ser ultrapassada por cima, por Tratados assinados com canetas de prata, com pompa e circunstancia, escapando a essa consciência colectiva, por entre a densa prosa refinadamente jurídica, económica e politica.
Há acima de tudo valores políticos e civis, e que devem ser partilhados por todos os cidadãos, que sentados à mesma mesa a fazer Tratados, aceitem sobretudo, que é necessário haver a noção de uma auto-imagem e de um auto-reconhecimento de uma ideia “Europeia”, apoiada nos homens, nos povos que formam a grande família europeia, e que vai do Cabo da Roca ao Mar Negro. Uma “ideia de Europa”, permanentemente reinscrita por todos e onde os Tratados são inevitáveis e necessários.

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