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Simões d’Almeida (sobrinho) modelou o busto da República em 1908

18 Fevereiro 2010

busto_1908_saO busto original da República Portuguesa, símbolo do republicanismo português, foi modelado em 1908, dois anos antes da proclamação da República, e foi criado por um Artista de Figueiró dos Vinhos: o Escultor Simões d’Almeida (sobrinho).

Em Fevereiro de 1908 eram assassinados no Terreiro do Paço, em Lisboa, o rei D. Carlos e o herdeiro ao trono, o Príncipe Real D. Luís Filipe de Bragança. Com a morte dos dois estadistas era também decepada a monarquia portuguesa, que entraria numa lenta agonia, que duraria cerca de dois anos e meio, até 5 de Outubro de 1910.
Porém, a paixão republicana entraria também numa época de ansiedade e incerteza quanto ao futuro da sua fé doutrinal. O país conservava-se monárquico, tendo nessa instituição secular a sua referência política. O rei continuava a ser a imagem do chefe da nação, num regime que se renovava providencialmente. As lutas entre monárquicos e republicanos não extravasavam para muito longe de Lisboa, a não ser nas cidades mais importantes, onde se concentrava a intelectualidade e o alfabetismo oficial do reino. O resto da nação permanecia campesina, piolhosa, esfomeada, supersticiosa e paroquial até às entranhas. Aceitava dócil e reverencialmente as indicações do padre-cura, do regedor, do tabelião e do cabo de ordens. Observavam o preceituado nos forais com tanta solicitude, como o respeito e a veneração ao direito canónico, ora tementes aos senhores das terras, ora a Deus todo-poderoso. O primeiro regulava-lhes as relações comunitárias e o segundo, os princípios morais.
O país havia de mudar mas não em 1908 à custa do sangue do chefe da nação e do seu herdeiro. Havia de mudar mas através da força dos ideais que forjam futuros diferentes, assentes na fé em torno de novos símbolos, que não fossem nem a coroa, nem o ceptro.
Um desses símbolos nasceu em meados do ano de 1908, dois anos antes da vitória definitiva e da implantação do regime Republicano, sob as mãos de um Artista nascido no concelho de Figueiró dos Vinhos e que, mesmo não sendo político, estava embebido de republicanismo até à medula e crente nos seus princípios, o grande Escultor Simões d’Almeida sobrinho.
Este Escultor representa a coragem de um punhado de artistas, que não hesitaram em colocar o seu dom e a sua inspiração criadora ao serviço dos ideais que defendiam para o colectivo português, consciente do elevado risco do seu acto, sobretudo num período de forte contracção política, convulsionado ainda pela histeria do regicídio de Fevereiro desse ano.
O Escultor Simões d’Almeida sobrinho nasceu em Figueiró dos Vinhos em 17 de Junho de 1880. Era um homem culto e foi no seio de uma família de grandes génios criadores que seria influenciado para as Artes. Inevitavelmente, colheu a inspiração máxima no seu tio, o conhecido e reputado Escultor, também nascido em Figueiró dos Vinhos – Simões d’Almeida Júnior (Tio) – de quem teve aulas de Desenho na Escola de Belas-Artes de Lisboa, onde ingressou precocemente em 1893, com apenas 13 anos, tendo-se iniciado em estatuária 4 anos depois, curso que concluiria em 1903. No primeiro ano lectivo desse curso, aos 17 anos, obteve a medalha de prata com 18 valores, facto que repetiria no ano seguinte, iniciando um vasto curriculum onde acumularia muitos e valiosos prémios, distribuídos ao longo da sua longa e produtiva carreira Artística. À semelhança do tio, estudou em Paris e Roma durante 3 anos como bolseiro do Estado e foi Professor na Escola de Belas-Artes, em Lisboa.
No ano conturbado de 1908, Simões d’Almeida era já um artista consagrado e reconhecido pelo seu talento, quando o elenco republicano do presidente Braamcamp Freire, bem como o vereador Ventura Terra (grande arquitecto do Palácio de S. Bento) lhe fazem uma encomenda para um busto, para ser colocado na Câmara dos Senadores, no Palácio de S. Bento. Aceita plasmar no gesso o símbolo da República, desse regime que significava liberdade, fraternidade e igualdade. Paixão ideológica que entusiasticamente partilhava nos círculos intelectuais e artisticamente mundanos da capital. Um símbolo que nascesse generosamente das suas mãos, da Arte que magistralmente cultivava, e que alegorizasse apaixonadamente esses novos valores patrióticos. Mas também tinha que ser um símbolo facilmente entendível à generalidade do povo português, saído desse mesmo povo, transformado em novo discurso ideológico, que se propagasse e contaminasse toda a nação portuguesa.
Desta forma, Simões d’Almeida, fechado no seu ateliê, afeiçoa ao gesso um dos mais consagrados símbolos revolucionários de então, o «Busto da República», materializado nas feições de uma jovem mulher do povo, de olhar sereno, resoluta e decidida, imanente de sensualidade recatada, na observância da linha clássica, com o barrete frígio descaído sob a cabeça alevantada, e que toma por emblema da liberdade da Pátria e da República, inspirando-se nos ideais da 1ª República Francesa e dos revolucionários de 1793. Executa o busto com paixão e assim que o termina, corajosa e convictamente apõe-lhe a sua assinatura e a data – Simões (Sob 1908 -, divulgando-o abertamente dentro dos círculos republicanos e que nesta altura enxameavam a capital do país. Assim, desde 1908, o movimento passava a ter um símbolo que facilmente se ampliava e popularizava entre os adeptos do culto Republicano.
A comprovação deste facto teria lugar no 2º dia de vida da embrionária nação republicana portuguesa, em 6 de Outubro de 1910. Nesse dia, o busto da República criado por Simões d’Almeida viria a ser utilizado durante um dos primeiros actos oficiais do governo provisório republicano, nos funerais de dois vultos da jovem República, Cândido Reis e Miguel Bombarda.
E nem o concurso público lançado pela Câmara Municipal de Lisboa em 1910, visando a criação de uma imagem oficial que representasse a República, a ser utilizada nas cerimónias relacionadas pelo novo regime (e cujo prémio foi conquistado por um colega e amigo do Escultor, Francisco Santos) retiraria ao busto de 1908 a aura e a fama popular que granjeara. Seria o busto de Simões d’Almeida que contínua e profusamente se difundiria para fins propagandísticos em medalhas e moedas, bem como a que figuraria em todas as reproduções oficiais ou oficiosas. Afinal, tratava-se de um símbolo criado em 1908, em plena efervescência revolucionária, cuja imagem se popularizara e divulgara desde essa altura, e que fora naturalmente adoptada, tanto pelas grandes figuras da 1ª República Portuguesa, como pelos partidários republicanos em geral. Para mais, Simões d’Almeida veria o seu modelo para a nova moeda republicana, o «escudo», ser aprovado em 1911. Nesse ano ainda venceria o concurso para a lápide comemorativa (em baixo-relevo) da «Proclamação da República» e que seria colocada na escadaria da Câmara Municipal de Lisboa. Em 1912 venceria o concurso para as novas moedas de $4 e $20, destinadas a comemorar a implantação da República. Todas estas criações eram baseadas e inspiradas na imagem da sua «República».
O «Busto da República» original de 1908 ofereceu-o em 1911 a um clube da sua terra natal, o «Clube Figueiroense» da Vila de Figueiró dos Vinhos, numa acção de profundo afecto pela terra que o vira nascer e donde era originária a sua família.
Orgulhando-se desse facto, esse busto original, assinado e datado por Simões d’Almeida sobrinho, encontra-se exposto no Gabinete da Presidência da Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos, em memória de um Artista que soube ter uma visão premonitória acerca do futuro da sua pátria, e que ousada e prematuramente não hesitou em transformar em símbolo de toda uma nação.

(Bibliografia consultada: Comissão Municipal de Turismo, Figueiró dos Vinhos Estancia de Turismo, 2ª Edição, Figueiró dos Vinhos, 1938, in site da Biblioteca Municipal de Figueiró dos Vinhos (http://www.bmfigueirodosvinhos.com.pt/docs/estancia_de_turismo_1938.pdf, ultima consulta em 16 de Fevereiro de 2010); Lello, José, Edgar, Dicionário Lello Universal, Ed. Lello & Irmão, Vol. 1, Porto, 1977; Matias, Maria Margarida C. G. Marques, “O Naturalismo na Escultura”, in História da Arte em Portugal – Do Romantismo ao fim do Século, Vol.11, Ed. Alfa, pp. 147-148; Medeiros, Carlos, Figueiró dos Vinhos Terra de Sonho, CMFV, 2002; Pereira, José Fernandes (dir.), Dicionário de Escultura Portuguesa, Ed. Caminho, Lisboa, 2005; Rede Municipal de Bibliotecas Públicas do Concelho de Palmela, 1ª Republica Dossier temático dirigido às Escolas, Novembro de 2009; Reis, António (Dir.), Portugal Contemporâneo, Selecções do Reader’s Digest, Publicações Alfa, Vols. 1 e 2, Lisboa, 1996; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Página Editora, Vol. 29, p.64); Pereira, António Pedro, Busto – A República começou por perder a cabeça a concurso, in DN Artes, consultado em http://dn.sapo.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=1482690 (última consulta em 18 de Fevereiro de 2010).