Os “museus secretos” de Figueiró dos Vinhos

29 Fevereiro 2008

cofre_de_prataQuem pensar que a vila de Figueiró dos Vinhos não possui locais onde os seus conterrâneos possam ver testemunhos da sua história, pondo os olhos em ricas peças valiosas e de pôr todos de boca aberta, desengane-se! A vila tem uma mão cheia de locais que são pequenas galerias de arte, com testemunhos de gente valiosa que por cá andou, viveu ou passou. Acontece, que não estão abertas ao público mas somente acessíveis àqueles que possuem esses pequenos “museus” privados. De uma assentada, posso referir a que tipo de objectos me refiro: algum mobiliário, livros raros e valiosos, peças religiosas diversas (algumas em metal precioso), quadros de Malhoa, Henrique Pinto, Ramalho, Simões d’Almeida Júnior, cerâmicas, centenas de fotografias e postais raros de extrema curiosidade e importância, vestuário e trajes antigos, documentação variada e valiosa (alguma com alguns séculos), colecções de Jornais locais, filmes antigos, etc, etc. De quem é a propriedade disto tudo? Aqui também há um pouco de tudo. Vejamos: uns conseguiram as peças por oferta directa dos próprios autores, outros por herança ou doações familiares, por compra (despendendo algumas somas importantes para as obterem), por coleccionismo, de busca constante levada a cabo em feiras, alfarrabistas e antiquários e ainda outros por aquisição de imóveis de elevado interesse patrimonial juntamente com o seu recheio. Isto sem falar em instituições concelhias que também detêm espólio importante. Ninguém roubou nada! Todos são proprietários legítimos daquilo que possuem! A questão não é essa! Muito também eu podia falar do espólio (imenso espólio) que ao longo dos anos tem “sumido” daqui, levado para fora do nosso concelho. Algum dele estará para sempre fora do nosso alcance, numa sangria de valores patrimoniais que, infelizmente, corre o risco de continuar com o pouco que ainda vai sobrando por estas paragens. A culpa não é de quem detém esses objectos. É de quem nunca quis saber do seu significado e do potencial que representam para as suas terras. Já agora, podia igualmente referir-me a sítios de grande significado arqueológico (e da extrema importância informativa que possuíam), que foram sistematicamente destruídos ou danificados ao longo das décadas figueiroenses: vestígio de aldeias castrenses, caminhos romanos, as Ferrarias da Foz de Alge, etc. De referir igualmente, a recuperação mal dirigida a edifícios religiosos, onde imperou tudo, menos o espírito pela genuína e verdadeira preservação. (Não ficaria bem comigo próprio se não registasse aqui uma nota positiva no meio de todo este cenário, que foi a recuperação da aldeia de Casal S. Simão à qual a Câmara Municipal prestou apoio). Agora pergunto: existe ou existiu alguma vez na nossa terra, um sítio onde a história local pudesse ser depositada com confiança, legitimada na sua importância, enquadrada no seu real valor e que motivasse ao longo dos anos um voluntariado de partilha entre os nossos conterrâneos? NÃO! Nunca houve tal sítio! Então, como podíamos nós pedir a essa meia-dúzia de “privilegiados”, que detêm os seus objectos valiosos, para confiar os mesmos à comunidade de forma altruísta e genuína?! Assim sendo, esse espólio (que já foi maior e mais importante) irá continuar por aí, espalhado em casas particulares, a decorar paredes e móveis ou metido em arcas e caixotes a ganhar bolor, arredado do olhar do publico, que julga ter direito à sua história, entendendo-se que esta não é pertença de ninguém e que deve ser partilhada generosamente. Fiquem os meus conterrâneos convencidos de uma coisa: a nossa terra tem também um passado digno de mostra, de exposição pública, de reconhecimento regional, de fazer corar de orgulho toda a gente. Queríamos era ver o que só alguns podem ver: a peça religiosa, o livro antigo, o postal ou a foto de outrora, o quadro de tal pintor, etc. Mas como garantir aos seus proprietários a mesma devoção, carinho e valor que eles devotam às suas peças?! A quem podiam eles confiar os seus espólios patrimoniais? E para colocar onde? Razão têm eles quando pensam, que o melhor será continuar a serem eles próprios os fiéis depositários daquilo que possuem. Seria necessário edificar um local onde essas peças ficariam expostas de forma condigna e valorizada e que galvanizariam simultaneamente os seus proprietários. figueiro_dos_vinhos_inicio_seculo_xxA exemplo do que se fez em S. Miguel de Seide com a Casa Camilo Castelo Branco, onde se agregou um museu a um centro cultural moderno e ímpar no País, de belíssima arquitectura moderna e que hoje é o orgulho do município de Vila Nova de Famalicão. O que é que eles instalaram lá? Muito simplesmente, um local que atraiu em 2006 cerca de 24000 visitantes, nacionais e estrangeiros, promovendo concertos, colóquios, palestras, conferências, seminários temáticos, visitas guiadas, iniciativas pedagógicas dirigidas às escolas, etc. Imaginem um local como o Casulo de Malhoa, munido de um Centro de artes (ou Cultural e museológico) agregado ao seu edifício, com auditório, espaço polivalente, biblioteca de artes, salas de exposição, gabinetes de trabalho e atelier, oficinas de artes, etc! Seria a nossa casa comum, viveiro de ideias e de iniciativas, uma casa para todas as artes, uma autêntica indústria criativa, de conhecimento, ciência e cultura. Um núcleo destes podia-lhe ser agregado com um belo edifício e não tenho duvidas, que para alem de atrair os artistas e as artes de outrora, acolheria e atrairia também os de agora. Temos ou não artistas e artesãos de grande valor entre nós? Claro que temos! E muito têm eles para nos oferecer e ensinar! Hoje em dia, estes espaços têm uma função diferente, longe daquela ideia de serem locais silenciosos, chatos, com uma data de “coisas velhas” expostas, para visitar aos fins-de-semana com a família e pouco mais. Presentemente, são tidos como autênticos meios de comunicação e a sua intervenção não se resume às colecções que guardam e apresentam. livro_antigoHá toda uma interferência actuante: valoriza os recursos locais, o património, os aspectos culturais, o turismo, apoia o ensino, fomenta o emprego e proporciona formação profissional. Estão voltados para as necessidades das comunidades onde se inserem. Participam na discussão e na busca de soluções dos problemas comunitários, interpretando-os e intervindo junto das populações, de forma questionadora, interventora e, sobretudo, independente, desde que haja um consórcio de vontades para enfrentar os problemas da nossa terra. Nunca será uma instituição supérflua, porque não actuará, jamais, à margem dos problemas e das dinâmicas locais. Pode possuir duas componentes: promoção interna e promoção externa. Na PROMOÇÃO INTERNA promoveria o bem estar material e imaterial da população da área onde se insere (o nosso concelho), através de estudos, exposições, história e dinâmica local, identificação territorial do concelho, diagnósticos e procura de soluções, criando um ambiente de dinamismo individual e colectivo, com acções de formação, etc. Na PROMOÇÃO EXTERNA, promoveria o potencial turístico local, o nosso comércio, divulgando apropriadamente as potencialidades da região com acções especificas e ligado a uma rede nacional, a fim de promover os nossos produtos locais e valorizando os de base tradicional, de forma permanente. Promoveria também os valores e a educação patrimonial, num amplo programa, interligado com outros organismos locais e dirigido tanto aos “de fora” como aos “de dentro”. Estes locais, para alem de estimularem a participação dos cidadãos e a consciência critica, estimulam a criatividade de cada um e unem as comunidades. São locais interdisciplinares. Que o digam os tipos de Vila Nova de Famalicão, a quem foi prestada atenção à sua força criadora, a quem foi dado o estimulo necessário para continuarem a criar, recusando a acomodação, valorizando o que de melhor possuem, para que não se perca, disperse, dando-lhes um lar que os acolha e que é o somatório das suas iniciativas individuais e colectivas. Já aqui o disse uma vez e repito, que é possível reforçar a cultura e o turismo como factores de desenvolvimento e de emprego e que para alem da sua óbvia componente divulgadora, de um concelho e de uma região, através de uma cultura feita por todos e para todos, poderá também agir como “chamariz” e despertar a curiosidade dos outros para nos virem conhecer. Mas para isso temos de construir juntos um enorme “cartaz”, para que possa ser visto ao longe e por muita gente. Um “cartaz” que diga: “Estamos aqui e vejam o que temos para vos oferecer. Sejam bem-vindos!”

Um “herói” incómodo: Dr. Manuel Simões Barreiros

12 Fevereiro 2008

manuel_simoes_barreiros_e_amigosManuel Simões Barreiros era filho de um simples comerciante e nasceu em 1894 no lugar do Fontão Fundeiro, freguesia de Campelo. Aos 12 anos acompanhava o pai atrás de uma carroça, a comerciar por terras de Trás-os-Montes, vida que levou até aos 16 anos, altura em que se cansou de saborear essa existência dura, de saltimbanco de feira em feira, feita por caminhos inóspitos e rudes.
Decidido a conquistar melhor futuro, matriculou-se no liceu com 16 anos. O certo, é que volvidos dez anos (1920) saía da Universidade licenciado em Medicina, com a classificação de Bom. Fizera em dez anos o que normalmente levaria treze anos a fazer. dr_manuel_simoes_barreiros1
Nesse mesmo ano de 1920 foi nomeado médico municipal de Figueiró dos Vinhos. Não tardou em romper com antigas práticas médicas e a impor novos métodos e conceitos de fazer clínica, incluindo cirurgia, numa espécie de revolução da saúde que encetou entre as nossas gentes. Percorria distâncias enormes numa região onde a melhor maneira de locomoção era o cavalo. Saía muitas vezes de casa madrugada alta e regressava pela noite fora. Muitas vezes nem tempo tinha para as refeições.
Em 1923, era tal a solicitação dos seus serviços e o aumento de doentes, que foi obrigado a adquirir um automóvel para se deslocar. Nunca recusou em acorrer à aldeia mais remota, inclusivamente nos concelhos vizinhos. A vida naquele tempo era dura. As maleitas eram muitas! Deste modo, palmilhou estas terras que conhecia como ninguém e teve assim a oportunidade de contemplar a vida do seu concelho, nascendo-lhe a vontade de “reformar isto tudo!” (citações do próprio), ir mais alem, fora do âmbito restrito da sua vida de médico de província.
Nas palavras dele: “sentia-me atraído para uma obra que visionava grande e que era necessária”, numa ânsia de melhores dias que almejava para a sua terra. Queria e sentia, o dever de lançar obras “para que todo o concelho se desenvolvesse sob os mais diversos pontos de vista, quer materiais, quer políticos, quer sociais”. Para enfrentar esta áspera luta da mudança teve com ele grandes nomes a que soube aliar-se: Dr. José Martinho Simões, Tenente Carlos Rodrigues Manata, José Manuel Godinho, Padre António Inglês, Mário Denis Ferreira, entre outros.
Lembro, que naquele tempo para se ir a votos, para alem da coragem necessária, era preciso saber enfrentar grupos de “caceteiros”, “chapeladas” e até tentativas de “liquidação forçadas”. Respiravam-se odores estranhos no ar, misturados com o suor dos camponeses e o cheiro a pólvora dos revólveres dos caciques.
Mas foi assim, que este grupo de jovens, então na casa dos 30 anos mas com “uma fé inabalável”, acreditou no “ressurgimento da nossa terra”, única ideologia que lhes dava alento, força e entusiasmo.
De referir, que toda a sua obra e gerência municipal, exercida entre 1932 e 1947, foi exercida no tempo do Estado Novo, numa época de fortes condicionalismos politico-ideológicos e económicos. Contudo, não se pode negar à história a evidência dos factos e a verdade que por eles fala, principalmente, quando os mesmos estão materializados em obra feita, testemunhos de uma vontade férrea, de quem passou por este mundo e o quis melhorar um pouco, pensando sobretudo naqueles que nada tinham.
Manuel Simões Barreiros teve a oportunidade aliada à capacidade e soube-as aproveitar bem para “revolucionar” o nosso concelho! Dotou-o com uma vila de vanguarda, uma “pequena cidade” como dizia o então ministro da educação e que os jornais ampliavam. Em 1928, muito antes de ser Presidente da Câmara, já a sua equipa conseguira para o concelho a classificação de “Estancia de Turismo”, por decreto estatal. Fizeram propaganda em álbuns turísticos, postais ilustrados, revistas e jornais nacionais e em pouco tempo a vila começou a ser visitada por turistas. O concelho começou a ser conhecido por “Sintra do Norte”. Foi um pioneiro com ideias avançadas para o seu tempo. Lutou, inclusivamente, contra as mentalidades com métodos e ideias novas, que ajudaram a desenvolver a agricultura, o comércio e “até a implantar uma pequena industria” que então possuímos, transformando estruturalmente a sociedade figueiroense. Em poucos anos, transformou igualmente a fisionomia urbana da vila e do concelho. Deu à vila dois belos jardins e que são ainda hoje o orgulho de todos os figueiroenses, a nossa “sala de visitas da vila”; melhorou e implantou a assistência médica nos meios rurais, com profilaxia maternal e infantil; reformou e construiu escolas (13) pelas sedes de freguesia e noutros lugares (e equipou-as com material escolar e didáctico); abasteceu o concelho de água, instalando fontanários (mais de 30) em quase todos os lugares do concelho; melhorou e abriu estradas e caminhos municipais em todas as freguesias, ligando-as à sede do concelho e criou-lhe também as Estradas Municipais; abasteceu a vila com água ao domicílio; electrificou-a (rivalizando com qualquer grande cidade); instalou os correios, telégrafos e telefones; construiu e melhorou pontes (28) ligando povoações e acabando com o isolamento de outras; deu à vila novas praças, um mercado municipal (onde era o mercado do peixe), a Casa do povo, reformou o edifício da Câmara Municipal, abriu avenidas novas na vila, implantou a instrução secundária, instalou um Centro de Saúde e chegou mesmo a planear um grande projecto de urbanização que estendia o tecido urbano da vila a partir da actual avenida das escolas e que ocupava uma área de cinco hectares, onde não faltavam um parque de jogos, campos de ténis, escolas, um novo e moderno edifício da Câmara Municipal, parque infantil, moradias, estacionamentos, etc. E tudo isto nos anos 40. Projecto, que infelizmente não teve tempo de concretizar.
Lembramos, que na altura o nosso concelho tinha cerca de doze mil habitantes (hoje tem cerca de metade), isto é, havia mais gente a quem era necessário “acudir”, e que naquele tempo não tínhamos a ajuda da União Europeia ou dos Programas dos Quadros Comunitários de Apoio. A Câmara Municipal tinha somente meia dúzia de funcionários, não havia arquitectos, engenheiros ou técnicos especializados. É certo que os tempos eram outros e não quero fazer somente a apologia da história, como se estivesse preso ao passado, num acto nostálgico e séptico quanto ao futuro. Antes pelo contrário! Mas não posso esquecer, que também temos os nossos heróis locais e que ao reavivar a sua memória, mais do que brandir a espada do exemplo, é brandir a minha gratidão por tudo aquilo que fizeram pelas nossas terras. A gratidão pertence à história e compete aos homens assumir as duas coisas, não como um passado morto, arquivado, mas que vive na memória colectiva, por tudo aquilo que outros, antes de nós, fizeram e ofereceram, melhorando a nossa maneira de viver.
Manuel Simões Barreiros não estava amarrado a conceitos ultrapassados, era um visionário, longe de interesses partidários, com ideias estruturais, projectos estruturantes e que dizia o que verdadeiramente pensava, uma espécie rara de político e que hoje está em vias de extinção. Ser de esquerda, de direita, comunista, socialista ou social-democrata, hoje pouco diz às pessoas, principalmente sobre o que elas realmente querem para as suas terras.
Este homem e a sua equipa, os “novos de Figueiró” como eram apelidados (quando surgiram), atravessaram tempos de crise nacional e internacional, passaram por anos muito complicados, militaram num estado arcaico e pouco inovador, presidiram a uma câmara em que as finanças locais estavam longe de serem o que são hoje, e no meio destas considerações, há uma coisa que sobressai e que ninguém pode negar: a sua bandeira era o concelho de Figueiró dos Vinhos, o seu partido era a sua terra, a sua politica era fazer obra útil para as suas gentes, independentemente da agilidade e do jeito que tinham para andar em cima de areias movediças. Para enumerar todas as obras que este homem realizou enquanto Presidente da Câmara, eram necessárias várias páginas deste jornal. Como ele dizia em 1943: “ o plano concebido por nós era grandioso demais para esta câmara, de erários reduzidos…”. Mas dos fracos não reza a história.
E assim este homem simples, era sobretudo um político desenvolto, conhecedor profundo do seu concelho e das suas reais aspirações, que desprezava literalmente moralismos de sábios iluminados, preferindo o realismo da obra pensada, estudada, avaliada e realizada.
Um plano que não se ficou em palavras e em desenhos mas que se concretizou em obras generosas, em auxilio das populações, acertando sempre em cheio no alvo das necessidades locais, porque foi sempre um andarilho, de povoação em povoação, “auscultando” as populações. Pela terra sacrificou tudo, a começar pela sua vida privada e profissional.
Contudo, há-de sempre existir uma escola de pessoas no lado oposto àqueles que produzem, irritando-se cada vez que alguém faz alguma coisa e principalmente, com aqueles que melhoram as condições de vida dos seus conterrâneos. Os seus adversários políticos nunca lhe deram tréguas, até conseguirem em Dezembro de 1947, por concluios e compadrios políticos, o seu afastamento da Câmara Municipal. Morreria pouco tempo depois, em Julho de 1948, com o coração carregado da ingratidão dos povos, e acreditem ou não, não existe em nenhuma acta da Câmara Municipal, imediatamente a seguir à data da sua morte, nenhuma referência ao facto ou com o mais leve louvor ou gratidão. Só encontro uma explicação para este facto: Manuel Simões Barreiros tornara-se um “herói” incómodo, por ser difícil de igualar. Quanto menos se falasse nele melhor, porque se afastava a tentação das comparações.
Mas na verdade, será sempre fora das “actas” oficiais, que os povos recordarão tanto os bons como os maus presidentes de câmara (para eles o “meio termo” não existe)!
Contudo, mesmo “abafado” em termos oficiais, o nome dele passa de geração em geração! Porquê?
Porque as obras que os nossos autarcas realizarem em beneficio genuíno dos nossos concelhos, em prol das suas populações, será a sua melhor assinatura, que perdurará no tempo, inscritas na consciência dos povos e que por mais ingratos que estes sejam, nunca poderão ser esquecidos.

Na der(rota) da cultura: a “casa fantasma”

28 Janeiro 2008

jose_malhoaO silêncio, a omissão, a oclusão do “Centro Cultural de Figueiró dos Vinhos”, que teve “guarida” no chalet – “Casulo” de mestre José Malhoa, oferecem-nos argumentos polémicos pelo inexplicável da situação a que chegou tal história: primeiro, aos sócios legítimos daquela “Casa” e depois a TODOS os figueiroenses, que acreditavam ter no “Casulo de Malhoa”, algo que os projectava ainda e de alguma forma, para fora das portas do humilde burgo onde habitam.
Agora, aquela casa desbota nas suas cores, amarelece na sua caminhada ruinante e passa (de há uns valentes anos para cá) envergonhada e despercebida na história, e dói, principalmente àqueles que tanto deram pela instituição e pela casa, a começar no seu primeiro proprietário, o próprio pintor, que já deve ter dado algumas voltas no tumulo, impotente e à mercê dos tempos que correm. Chegámos ao cúmulo da garotada inocente chamar ao Casulo a “Casa Fantasma”!
Afinal, quantos são os que amam a nossa terra com simplicidade, sem presunção, sem protagonismos ridículos ou pretenciosismos falsos e plásticos???
Não existe ninguém, por mais explicações que colha, que me consiga meter na cabeça os motivos que levaram à actual situação em que se encontra aquela casa!!!
A quem se devem apontar responsabilidades? À Direcção do Centro Cultural? Aos sócios da colectividade? À edilidade concelhia? Aos Figueiroenses em geral?
Eu acho que TODOS temos um pedaço de culpa! Uns directamente, outros por omissão e os restantes por passividade e alheamento.
Quando se tem numa localidade um edifício de elevado valor histórico-patrimonial, como o Casulo de Malhoa, ao lado de cidadãos, que ao passar todos os dias diante dele encolhem os ombros e a consciência, divorciando-se do problema, está em parte explicada a questão das responsabilidades gerais.
É que, a cultura, o património e essas coisas, não enchem a barriga a ninguém! Será mesmo assim?
As colectividades concelhias, principalmente nos concelhos mais pobres, são vistas como empecilhos para o erário municipal (também ele pobre). Que maçada, despender uns dinheirinhos para essas “coisas”!
Mais: as verbas disponibilizadas para o associativismo são meras esmolas, quando deviam ser enquadradas e tidas em consideração através de um “Regulamento Municipal de apoio ao associativismo” (à semelhança daquilo que é prática nalguns concelhos), que entendesse as colectividades como segmentos extensivos das próprias autarquias. As colectividades são uma espécie de “Secretarias de Estado” da cultura, desporto, divulgação e recreio dos concelhos. (São ou não são?!).
Há uma indiferença generalizada das pessoas por estas coisas, sob pena de estarmos todos a apagar e a subalternizar a nossa memória comum em função de valores estritamente políticos e económicos. Se acaso vier para o concelho uma grande fábrica, que empregue tanto licenciados e não licenciados, estarão eles interessados em construir ou comprar casa numa vila onde tudo “fecha” ás oito da noite e onde ao fim de semana nada “abre”??? Duvido!!! Ganharão sobretudo os concelhos em redor, que oferecerem condições de lazer, recreio, cultura, enfim, que tenham dinamismos naturais e “automáticos”. Ou estamos à espera que sejam essas pessoas a montar, também, tudo isso?
O sector do turismo, é hoje um elevado potencial económico e que assenta, também, nas particularidades e riquezas do património, seja ele ambiental, cultural ou histórico. Há que fornecer ao turismo municipal uma estratégia comum e juntar todas as referências num grande “menu” local a promover, agregando todas as potencialidades locais num Programa plurianual diversificado e concreto. Quais são as nossas especificidades próprias? Quais são os nossos recursos naturais e que é possível potenciar? Quais são as nossas componentes sócio-culturais particulares e que é possível identificar e divulgar?
Está isso tudo inscrito em agendas sectoriais comuns, interligadas e atraentes, ou são apenas prenúncios avulsos ao sabor das épocas, dos protagonismos e dos padroeiros (com e sem aspas!)???
Numa época marcada pelo individualismo, há que enveredar no sentido de se desenvolverem as responsabilidades colectivas.
Há que saber encontrar a forma de inovar, transmitindo simultaneamente a ideia do respeito pelos usos, costumes e tradições das nossas terras. Essa é uma estratégia que só se consegue com o envolvimento de TODOS num grande projecto globalizador, numa complexa teia que interligue todas as entidades envolvidas (associações, entidades públicas e privadas, grupos recreativos, desportivos e culturais, escolas, etc).
É uma tarefa dificílima, que implica abdicar de algumas mentalidades que contrastam entre o discursar e o fazer. Mas sobretudo, tem que ser realizada longe de status intelectuais, que vivem muitas vezes da aparência e da critica fácil, porque os incomoda fazer de outras maneiras, colher outras sugestões e opiniões, isto é, mais terra-a-terra, junto da população e das suas verdadeiras simbologias e apetências.
Quando em 1898, Malhoa com a ajuda do seu amigo e arquitecto Ernesto Reynaud inicia a ampliação do seu humilde atelier, aliado às artes do pedreiro Júlio Soares Pinto e do marceneiro Manuel Granada, estava longe de imaginar, que as gerações vindouras iam ser tão ingratas com ele. E se ele tivesse construído o seu “Casulo” em Chão de Couce, ou Pedrógão Grande? Teria sido melhor opção? Dá para pensar! Quanto não dariam Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra ou Chão de Couce, para terem este “casulo” de Malhoa?
A alma de um povo, dos seus usos e costumes, da forma de estar na vida, têm o seu reflexo no Associativismo, no património que edificam, nos símbolos que constroem, que nos tornam únicos e que permitem serem veículos de transmissão desses saberes geracionais, resultado do espírito comunitário e que só se vai mantendo graças à persistência e dedicação de alguns.
Para que os valores associativos não se percam, exige-se um trabalho sistemático de planeamento, de animação local, de diagnóstico, que desperte motivações, promova o envolvimento activo de todos, em actividades sociais, desportivas, recreativas e culturais, locais e regionais e que comece a criar uma dinâmica de REAL mudança.
Realizar estudos sobre o perfil, motivações, comportamentos e preferência das populações, a fim de afinar estratégias e organizar uma BOA AGENDA de actividades e que durem o ano inteiro de forma habitual.
Modernizar o conceito e o aspecto patrimonial e cultural, tornar os seus símbolos como “imagens de marca” dos concelhos, frutos de um extenso imaginário colectivo e que devem, igualmente, ser tidos como recursos importantes para o desenvolvimento local, possíveis de serem rentabilizados. Assim, o nosso património sócio-cultural, ambiental, desportivo e associativo tanto pode ser usado para fins turísticos e produtivos, como para galvanizar a importância de uma terra, projectando-a no futuro, como num cruzamento onde passado e presente se encontram e onde juntos seguem em frente.
Não bastam somente atitudes políticas, são necessárias sobretudo atitudes de cidadania! Desligar a cultura de dependências, de protagonismos e de clientelismos políticos, permitindo ás pessoas compreender melhor a sociedade em que vivem e motivando-as a intervir, preparando principalmente as gerações mais novas, para o exercício de uma cidadania plena e consciente, que se traduza em atitudes de cidadãos conscientes das acções que devem empreender, sobretudo ao nível local e relativamente ao destino das suas terras.
Se aceitamos receber uma herança importante, temos a obrigação de saber conquistar o orgulho, tanto dos nossos avós, como dos nossos filhos e netos, passando-a (a estes) mais enriquecida, aumentada e valorizada.
Em resumo: permitir a passagem do testemunho de forma sublime, para que a história, lá mais para diante, não nos trate muito mal!

Esta Europa dos Tratados: Tratado de Lisboa

06 Janeiro 2008

PORTUGAL/UE/TRATADOTratados, acordos, convenções, protocolos, tréguas, pactos, concordatas, cartas, concessões, bulas e uniões, é toda uma vasta parnefália de documentos do género, que existem desde que o homem se organizou em comunidades. Começaram por ser anunciados oralmente, gravados na pedra, no papiro, na cerâmica, no pergaminho, no papel e agora até em base digital.
Contando, de uma lista, todas as celebrações escritas e importantes de que há testemunho e prova, encontramos no mínimo cerca de duzentos documentos escritos. Entre esses temos alguns celebérrimos, como o Tratado de Alcanices (1297-define as nossas fronteiras no Alentejo), Methuen (1703-entre Portugal e Inglaterra), Tordesilhas (1494-Portugal e Espanha dividem entre si o mundo), Versalhes (1919-após a 1ª Guerra Mundial), Carta das Nações Unidas (e que daria origem à ONU), Atlântico Norte (e que criou a NATO), etc, etc, etc.
Um dos primeiros exemplares registados de um Tratado Internacional, é o Tratado de Kadesh, celebrado no século XIII a.C., isto é, há cerca de 3500 anos, entre Ramsés II do Egipto e Hatusil III rei dos Hititas.
O Tratado mais antigo do mundo ainda em vigor, é a Aliança Luso-Britãnica, assinado em 1373 entre a Inglaterra e Portugal.
Mas o que é um Tratado?
O dicionário diz que é um documento pelo qual sujeitos de direito internacional – principalmente, Estados Nacionais e Organizações Internacionais – estipulam direitos e obrigações entre si.
Explicando por miúdos, são documentos que ajudam a regular as relações entre povos diferentes. O papel fundamental dos Tratados na história das relações internacionais é inquestionável, sendo o balanço francamente positivo, embora sejam conhecidos Tratados tristemente célebres, como o que foi assinado entre Ribbentrop e Molotov e que encorajaria Hitler a iniciar a 2ª Guerra Mundial. Mas tem que se reconhecer a importância cada vez maior dos Tratados como meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, sejam quais forem os seus sistemas constitucionais e sociais.
Os principais objectivos onde devem assentar todos os Tratados são: igualdade de direitos, autodeterminação dos povos, igualdade soberana e independência dos Estados, proibição de ameaça ou do emprego da força, respeito pelos direitos humanos. Todos estes princípios devem conjuntamente conduzir à manutenção da paz e da segurança internacionais, desenvolvimento das relações amistosas e a franca cooperação entre as nações.
Ora, o TRATADO DE LISBOA, assinado em Dezembro ultimo pelos 27 países que compõem a União Europeia, não é menos importante que todos os outros consagrados anteriormente. Ele está inserido na estratégia que a Europa tem vindo a seguir e a desenvolver desde 1957. Nesse ano foi assinado o famosíssimo Tratado de Roma, que culmina e credencia o “milagre europeu”, de uma Europa que recomeçara a empreender, a investir e a inovar, a reerguer-se de novo orgulhosa, depois de duas guerras mundiais dentro das suas portas, que custaram ambas mais de setenta milhões de mortos no espaço de duas gerações, e que lhe abalou os fundamentos da sua preponderância, sendo ultrapassada por outros continentes, fragilizado a sua civilização, desunida e arruinada, ficando dependente da caridade americana e soviética. A civilização moderna, após a 2ª Guerra Mundial, revelaria à Europa, sem dó nem piedade, que ela já não era no mundo, o centro de uma bela e pujante civilização, centro de um poder absoluto.
Mas houve homens incríveis (Jean Monet, por exemplo), que contribuíram para o reerguer da democracia europeia, nas últimas décadas.
Falaram com outros homens, sentaram-se à mesma mesa, sonharam com um grande continente onde os canhões se haveriam de calar definitivamente. Forjaram textos e assinaram-nos conjuntamente baseados nos tais princípios que atrás citei. Levaram-nos depois para os seus países e conseguiram convencer os seus povos de que havia factores que podiam levar à unificação, isto é, a Europa recuperara e alcançara progressos em vários domínios: Progresso Técnico (revolução nos transportes, profusão de invenções, de meios de comunicação e difusão da informação); Linguísticos (grandes línguas que se tornaram universais como factores de compreensão e aproximação); Económicos (economias nacionais e continentais cada vez mais interligadas), Culturais (costumes, gostos, tempos livres, que se tendiam a uniformizar e a universalizar e, portanto, a aproximar os homens) e factores Politico-ideológicos (fundo de ideias comuns, um património comum de valores). Havia que partilhar tudo isto com o maior número possível de parceiros. Os mais ricos ajudariam os mais pobres (vieram ou não para Portugal muitos milhões de Euros? A forma como foram utilizados isso é que é discutível!) e juntos elaborariam uma carta de ideias comuns. Daí a importância dos primeiros Tratados e dos que se seguiram, emendando, reajustando, reformando e melhorando as relações entre os países que se foram chegando e alargando a grande família Europeia.
Afinal, a Europa dera ao mundo, desde sempre, muitas ideias que a tornam, em parte, uma civilização comum.
E foi um longo caminho desde 1957: criação da Comunidade Económica Europeia (CEE), o Acto Único Europeu em 1987 e que congrega o Mercado Interno, o Tratado da União Europeia (Maastricht) em 1992 e que instituiu a verdadeira União Europeia, o Tratado de Nice em 2001 e que deu à UE um funcionamento eficaz; a instituição da moeda única e agora o Tratado de Lisboa que pretende substituir o Projecto de uma Constituição Europeia, e que emenda e reforma dois Tratados em vigor: o Tratado da União Europeia e o Tratado da Comunidade Europeia, passando a ser um documento que une esses dois Tratados, ao mesmo tempo que pretende agilizar, desburocratizar e simplificar o funcionamento desta grande Europa unida, agora com 27 (!) países sentados à mesma mesa.
Neste Tratado existem quatro pontos que interessam saber: 1- Que a União Europeia irá ter um Presidente estável eleito pelos 27 por um período de dois anos e meio, renovável uma vez. Isto é, terá um presidente fixo em vez da regra das presidências rotativas; 2- Irá ter um super Ministro dos Negócios Estrangeiros para lidar com as outras potências; 3- Reconhece a iniciativa popular, isto é, um milhão de cidadãos podem pedir à Comissão Europeia (o órgão executivo da União Europeia) uma medida legislativa; 4- Consagra a possibilidade dos Estados poderem abandonar a União Europeia.
Dá também mais poderes legislativos ao Parlamento Europeu mas reduz-lhe o número de deputados. A Comissão Europeia (de que o nosso Durão Barroso é actualmente Presidente) fica também com menos elementos, etc, etc.
Uma vida melhor para os Europeus????
De há cinquenta anos para cá, a Europa mudou e o mundo também. O mundo globalizou-se, a sua população aumentou, o clima alterou-se. O que era antes a “civilização da terra é agora a civilização do satélite”. A economia mundializou-se e surgiram novas ameaças (o terrorismo) que pesam sobre a segurança dos cidadãos. Sozinhos, os Estados-membros desta União Europeia não são capazes de enfrentar todos estes novos desafios que não conhecem fronteiras. É assim um esforço colectivo à escala europeia, numa Europa que se deve modernizar continuamente, por si, com utensílios eficazes para o seu funcionamento conjunto, agora alargada com 27 membros, porque não deve permanecer entrincheirada, impossibilitada de se expandir.
O Tratado de Lisboa está bem feito, é eficaz, é fácil de ler???
Todos podemos ter as nossas “visões” da Europa, mas nem todos estamos aptos a escrever Tratados. Estes devem ser feitos por pessoas competentes e especializadas, gente que saiba de Relações Internacionais e não, unicamente, por sonhadores com ideias para a Europa.
Perguntar se o Tratado pode ser lido e entendido por qualquer pessoa merece outra pergunta: todos os cidadãos portugueses leram a constituição portuguesa? E mesmo os que a leram, quantos são os que a entenderam?
O Tratado de Lisboa, estou certo, é de boa-fé, não tem segredos, está disponível livremente para consulta.
Foi feito por Chefes de Estado e de Governo (Conselho Europeu), assentes em governos democráticos, isto é, por aqueles que nós elegemos e mandatámos para nos governar.
A sabedoria do homem-comum não chega para fazer Tratados, mas também é verdade que existem algumas sombras e vazios que necessitam de ser desvendados e explicados, debatidos e divulgados. É que, a Europa não pode ser vista apenas com espírito de cálculo e de álgebra, ou num nível puramente técnico, dos especialistas e das suas notáveis especulações, de economia dirigida e do planeamento perspicaz. Queria era, que todo esse espírito tecnocrático se embrenhasse de alma humanista, dos homens, e que não lhe dessem como único alimento sábias contas, mas que também acalentassem os seus entusiasmos, as suas sãs loucuras, sempre impregnadas de sabedoria e que tanto ajudaram a criar a alma europeia. Espero que a consciência colectiva Europeia esteja igualmente gravada religiosamente neste Tratado de Lisboa, onde imperam os números, porque a consciência dos homens, essa é imprevisível e não pode ser ultrapassada por cima, por Tratados assinados com canetas de prata, com pompa e circunstancia, escapando a essa consciência colectiva, por entre a densa prosa refinadamente jurídica, económica e politica.
Há acima de tudo valores políticos e civis, e que devem ser partilhados por todos os cidadãos, que sentados à mesma mesa a fazer Tratados, aceitem sobretudo, que é necessário haver a noção de uma auto-imagem e de um auto-reconhecimento de uma ideia “Europeia”, apoiada nos homens, nos povos que formam a grande família europeia, e que vai do Cabo da Roca ao Mar Negro. Uma “ideia de Europa”, permanentemente reinscrita por todos e onde os Tratados são inevitáveis e necessários.

O PDM: Plano Director Municipal

16 Dezembro 2007

vista_aerea_de_figueiro_dos_vinhosO primeiro PDM do nosso concelho foi publicado no Diário da República em Fevereiro de 1995. Até essa data ninguém sabia o que era um PDM!
Veio-se a constatar ao longo do seu horizonte de vigência que tem lacunas e erros graves, nalguns casos diria mesmo, grosseiros.
Contudo, convém lembrar a população, que as Câmaras Municipais há 12 anos não tinham qualquer experiência (nem ferramentas técnicas eficazes) em planeamento territorial mais extenso.
Os PDM’s foram elaborados por entidades externas aos municipios, por gabinetes com perfil e competência técnica mas que não estavam por dentro da vivência e do pulsar dos concelhos e das suas gentes. Resultaram PDM’s feitos um pouco à pressa, por imposição da União Europeia, senão os dinheirinhos da Europa deixavam de pingar para as Câmaras Municipais. Os presidentes de Câmara há 12 anos sofreram uma dupla pressão: económica e temporal, isto é, concederam-lhes prazos excessivamente curtos para apresentarem os seus PDM’s.
O resultado não se sentiu de imediato mas apenas ao longo destes anos. Aprendeu-se muito com os erros e ganhou-se calo para estas coisas do Planeamento. Os municípios equiparam-se com gabinetes técnicos e procurou-se mitigar os desajustamentos dos PDM’s. Para isso, os técnicos camarários procuravam exaustivamente saídas e soluções, que permitissem de alguma forma conciliar a lei com os anseios naturais das populações. Iam ao terreno, apontavam soluções ou alternativas que permitissem a construção, etc.
Mas o que são realmente os Planos Directores Municipais?
São planos que cobrem a totalidade do concelho. Classificam os solos, os perímetros urbanos (Cidades, vilas, aldeias), fornecem os indicadores urbanísticos (áreas de construção, nº de pisos, tipo de construção, etc), tendo em conta os objectivos de desenvolvimento dos concelhos.
É que, o desenvolvimento do território a nível nacional e regional faz-se, deste modo, conjuntamente a nível local em que são articuladas as politicas sectoriais locais, programando a gestão do território municipal no seu todo.
São assim definidos: a estrutura ecológica municipal, a qualidade ambiental, a preservação do património cultural, a localização das infraestruturas, equipamentos, serviços, industrias, actividades turísticas, comerciais e serviços. Isto é, onde se pode e não se pode construir. Em suma, o objectivo central de um PDM é o espaço urbano, o desenvolvimento urbano e consequentemente as actividades económicas (agricultura, floresta, pescas, industria, turismo, transportes, comércio e serviços), tudo aquilo que gere riqueza e desenvolvimento a uma região, a um concelho.
O conceito de PDM teve a sua génese, como plano territorial mais extensivo, na década de 60 do séc. XX, com os chamados planos concelhios. Como PDM’s propriamente ditos, os primeiros são de 1982 e somente em 1990 foram regulados por decreto-lei, juntamente com os Planos de Urbanização e os Planos de Pormenor.
No entanto existem outros Planos que pretendem disciplinar e ordenar o nosso território: Planos Nacionais (Planos de Desenvolvimento Regional e Planos Nacionais de Politica do Ambiente); Planos Sectoriais (Energéticos, Turismo, Florestas, Rodoviário Nacional); Planos de Ordenamento do Território (Planos Regionais de Ordenamento do Território, Planos Especiais de Ordenamento do Território e Planos Municipais de Ordenamento do Território – onde se insere, por sua vez, o nosso Plano Director Municipal -, os Planos de Urbanização, de Pormenor e de Salvaguarda).
Como estamos a ver, até nestas coisas de Planeamento e de Ordenamento existe uma hierarquia. Os grandes chefes são os Planos Nacionais, e por aí abaixo. O nosso PDM é um mero “sargento” às ordens dos grandes Planos-Capitães. É que, os grandes Planos ordenam, e o Ordenamento situa-se a montante, isto é, tem maior agregação e importância que o Planeamento.
Por isso são terrivelmente racionalistas. As soluções finais não se podem alterar com facilidade. E é aqui que a coisa não bate certo. Ao mesmo tempo que ambicionam representar uma imagem daquilo que venha a acontecer no futuro de uma região ou de um concelho, possuem poucos, ou nenhuns mecanismos que permitam modificar ou alterar a sua forma final depois de aprovados e implementados, porque obedecem a uma hierarquia rígida e taxativa a que não podem fugir, durando pelo menos cerca de uma década. Não têm em conta o dinamismo natural da sociedade e do mundo (de lembrar também, que os Presidentes de Câmara perdem os seus mandatos caso o PDM seja violado).
Costumam as pessoas dizerem: “Então já não mando naquilo que é meu, nos meus terrenos?!”. A verdade, é que nenhum de nós vive isoladamente, fechado dentro do seu quintal. Vivemos em grupos, comunitariamente, com necessidades comunitárias. Sozinhos não encontramos resposta para elas. Precisamos de nos agrupar, de conjugar as necessidades individuais. O interesse geral tem que estar acima do interesse individual.
Neste momento o nosso PDM está em trabalho de revisão.
Fazem-se estudos que avaliem a viabilidade e a importância das soluções que foram adoptadas em 1995. Revêem-se essas politicas e as decisões anteriormente tomadas para desencadear um novo PDM, numa nova imagem de futuro para o concelho.
Indicar onde estão os problemas, onde se falhou e contribuir para fornecer soluções e alternativas a prosseguir no planeamento do novo PDM. Quais os pontos que falharam anteriormente e quais as novas prioridades a ter em conta. E neste processo a participação da sociedade civil e das suas instituições é importante. Num processo participativo existem diversas formas de ver o futuro, assim, deve-se procurar articular e compatibilizar soluções de compromisso, sem exageros, nem falsas expectativas ou secretismos, e que não se afastem das prioridades vitais para o desenvolvimento do concelho, harmonizando os vários interesses.
Estudar a fundo as alternativas, optimizar os nossos próprios recursos e potencialidades, que permitam a procura de soluções mais preventivas e minimizadoras de conflitos, num Plano mais flexível e mais aberto à dinâmica natural da sociedade.
Para isso, há que garantir a participação dos vários actores sociais do concelho, sem sofismas, no processo de revisão do PDM.
Se a formulação de objectivos é claramente uma actividade politica, cabe então às autoridades politicas responsáveis pela revisão do nosso PDM, identificá-las e apontá-las com o consenso de todos.
O PDM deve resultar e concretizar-se através do diálogo, do esclarecimento antecipado e da inserção de contributos públicos na decisão final e não apenas ser uma decisão fortemente centralizada. É necessário não esquecer os indivíduos e as suas comunidades e o seu papel como elementos actuantes no desenvolvimento económico e social.
Se o PDM pretende ser uma visão de futuro que se quer para o concelho, esse esforço para procurar adaptar o nosso território concelhio à satisfação de objectivos de desenvolvimento social e económico, tem que ser assegurado por todos.
E todos temos que estar envolvidos, co-responsabilizados nas decisões a tomar e nas consequências positivas ou negativas que poderão advir.

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