Lugares de memória do concelho de Figueiró dos Vinhos

21 Junho 2009

O que são lugares de memória?

São lugares onde a memória se incarna, referenciando testemunhos das nossas recordações e que conferem à lembrança um carácter colectivo.
A estes lugares de memória podem estar associados objectos, instrumentos, documentos, instituições, lugares, e aos quais conferimos um estatuto referenciador da nossa vivência individual ou colectiva. O conceito pode alargar-se até desembocar na família, na nação e na etnia, cuja composição e pulsar são topografados por lugares de memória multidiversificados.
A estes espaços atribuímos recordações ou relembramos outras, como registos que fazem parte da nossa formação identitária individual e colectiva: a casa dos avós ou dos tios, a aldeia onde nasceram alguns familiares, o estádio de futebol, a ribeira onde nos banhávamos no verão, determinada igreja, um certo jardim, etc.
São locais carregados de lembranças, às quais conferimos importância para a formação das nossas histórias individuais, enquanto actores contributivos para a história colectiva, coincidente com a nossa vivência e passagem por esses lugares, em interacção com o grupo que os frequenta e lhes confere uma certa identidade com a qual nos identificamos. Por exemplo: quando andámos a estudar, grande parte de nós tinha um certo café onde era hábito reunir-se a comunidade estudantil, numa espécie de ponto de encontro comum e que desse modo era imbuído e alimentado por um certo tipo de pessoas, que partilhavam esse espaço por razões semelhantes, num “ritual” atractivo homogéneo, criando uma atmosfera com a qual se identificavam mutuamente e onde ficaram registadas memórias pessoais, intimamente ligadas ao lugar e ao nome do café, que fácilmente as reactivará cada vez que este for lembrado.
Contudo, existem espaços que tambem podem ser entendidos como referenciais histórico-colectivos, porque tiveram da comunidade ou do grupo, uma vontade simbólico-intencional de relembrar, de memoriar, de forma habitual (ou cíclica), o que a sua singularidade representa para eles, por serem espaços-lugares, que concorrem para o processo de estruturação da sua identidade colectiva.

Segundo Pierre Nora, os lugares de memória podem ser divididos em 3 grupos:

1- Lugares topográficos: arquivos, bibliotecas, museus, isto é, lugares criados para preservar documentos históricos e as heranças do nosso passado histórico e cultural.

2- Lugares simbólicos: onde se realizam comemorações, peregrinações, aniversários importantes, isto é, locais emblemáticos para a comunidade, onde tiveram lugar certos acontecimentos e que foram apropriados pela comunidade como importantes para a sua história comum, e daí essenciais para a afirmação da sua identidade colectiva.

3- Lugares funcionais: manuais, autobiografias, associações e instituições, que têm como fim preservar e divulgar acontecimentos, monumentos, personalidades, fazendo parte da memória colectiva e tidos como elementos identitários de um grupo ou comunidade.

Assim sendo, que lugares poderemos identificar como sendo lugares de memória do nosso concelho, isto é, espaços que sejam sentidos e entendidos pelos figueiroenses como locais de identificação da sua história comum, da sua memória e identidade colectivas?

Lugares topográficos: a Biblioteca Municipal, a Câmara Municipal, as Juntas de Freguesia.

Lugares simbólicos: as igrejas (da vila e das sedes de freguesia) e as (suas) procissões mais importantes do calendário religioso, o Casulo de Malhoa, o Convento do Carmo, a Fonte das Freiras, a Torre da Cadeia, o antigo Clube Figueiroense, a Casa da Criança, a Aldeia do Xisto do Casal de S. Simão, o antigo campo de Futebol “Dr. Fernando Lacerda”, o Ringue de Patinagem, o “Campo da Mocidade”, o Cabeço do Peão, a Escola Preparatória Major Neutel Abreu, o Ramal (Av. Padre Diogo Vasconcelos), as festas populares do concelho (sobretudo o S. João), as festas e romarias associadas às nossa capelas espalhadas pelo concelho e que normalmente marcam o Verão Figueiroense, etc.

Lugares funcionais: a Santa Casa da Misericórdia, a Filarmónica Figueiroense, os Bombeiros Voluntários, a Associação Desportiva, o Jornal “A Comarca”, isto é, locais onde se preserva um certo tipo de memória, especificamente associada à instituição que a representa e enforma mas importantes para a compleição da história Figueiroense.

Outros lugares existem e que entretanto serão objecto de reflexão e trazidos até aqui.

Fora deste quadro identificador podemos acrescentar outros locais, cuja simbologia e singularidade marca (ou marcou) gerações de figueiroenses, tais como: as fragas de S. Simão, a Foz de Alge, a Fonte do Cordeiro, a Quinta dos Paivas, o Hotel Terrabela, o antigo (e demolido) Café Central, certas casas familiares ligadas à história da vila, a Fábrica do Pão-de-Ló e muitos outros locais, alguns deles já desaparecidos, ou “adormecidos”.
Todavia, também é certo e justo afirmar, que a vila e o concelho nos últimos 60 anos, têm tido um mau relacionamento com a preservação da sua história e do seu património. Muitos locais desapareceram, ou foram adulterados, como por exemplo, o «Jardim Público», (“Jardim de Cima”, junto à Igreja), inaugurado em 1929 e que sofreu com a substituição dos seus bancos vermelhos e dos candeeiros em estilo “Arte Nova”, que tinham sido ali colocados no início da década de 30 e que fizeram (e faziam) parte da memória de gerações de figueiroenses, memória que não foi respeitada, sacrificados em nome de um progresso bacoco e de uma imagem desprovida de sentimento, plastificada e descaracterizada.

Este texto apenas tem como móbil despertar para esta questão: que locais temos como “Lugares de Memória” da comunidade Figueiroense? Que locais desapareceram ou foram transformados pela dinâmica da sociedade mas cujos vestígios ainda permanecem e resistem na nossa memória colectiva? E que locais foram rudemente maltratados em estratégias de renovação urbanística sem sentido?

(Fonte da Foto: site da Biblioteca Municipal. Antigo edificio onde se localizava o “Café Central”, demolido para dar lugar à CGD.)
Bibliografia: NORA, Pierre, «Memória Colectiva» in Nova História, Coimbra, Almedina, 1990; NORA, Pierre, Entre memória e história: a problemática dos lugares, Projecto História, S. Paulo, PUC-SP, 1993; JOÃO, Maria Isabel, Memória, História e Educação, Braga: Núcleo de Estudos Históricos da Universidade do Minho, 2005.

Os outros símbolos e patrimónios do nosso Concelho

22 Maio 2009

zezere_jpegQuais são os outros símbolos do nosso concelho?

Se tivermos que escolher ou reflectir sobre os símbolos que igualmente caracterizam o nosso concelho, as suas gentes e tudo aquilo que congregam e veiculam nos seus usos, costumes e tradições, que simbologia imaginamos ou idealizamos para nos identificar, tida como reprodução das nossas características culturais, etnográficas, patrimoniais, etc, permissiva a uma leitura da nossa sociologia, da nossa produção humana e social, vivificada dentro do nosso território concelhio?
Os símbolos são veículos poderosos de comunicação, tidos como instrumentos de difusão de cultura e etnografia das comunidades, cuja imagética legitima e enfatiza automaticamente uma dada vivência concreta, numa dada mensagem codificada baseada na identificação simbólica dos valores comunitários genuínos. Os símbolos contam uma história e exprimem crenças acerca das gentes de um determinado espaço território, de uma determinada região, codificando nos seus símbolos as suas características mais comuns. Essa imagética simbólica é o veículo que anuncia o grupo fora do seu território, prenunciando nos seus elementos a sua identidade, assumindo-se como embaixador da sua singularidade e genuinidade, sobretudo quando os simbolos se estreitam e entrecruzam com património que indelevelmente ostentam.

Que símbolos e patrimónios possuímos e que poderão identificar os figueiroenses:

Em relação ao seu património natural e paisagístico: poderá ser o plátano, o pinheiro, a figueira, a acácia, a oliveira, o castanheiro, o serpenteado da Ribeira de Alge, o estuário da Foz de Alge, as Fragas de S. Simão, o Cabeço do Peão, as serranias envolventes, os nossos jardins floridos, a Quinta dos Paivas, a Quinta do Casal S. João, a Quinta das Lameiras?!

Em relação ao seu património arquitectónico: poderá ser o Casulo de Malhoa, a vivenda do Padre António Inglês, a vivenda de Simões de Almeida, o casario do nosso Centro Histórico, as antigas casas rurais das nossas aldeias (por exemplo, a Aldeia do Xisto do Casal de S. Simão), a Biblioteca Municipal, a Casa da Cultura – Clube Figueiroense, o Hotel Terrabela, o edifício do “Solar”?!

Em relação ao seu património monumental: poderá ser a Igreja Matriz, o Convento do Carmo, a Torre Comarcã, a simples capela no cimo da serra (por exemplo a Ermida de S. Simão, de S. Neutel ou do Cabeço do Peão), a Fonte das Freiras?!

Em relação ao seu património histórico-arqueológico: poderiam ser as ruínas das Ferrarias da Foz de Alge, os troços de antigas estradas romanas, as portas quinhentistas da vila?!

Em relação ao seu património artístico e cultural: poderemos falar em José Malhoa, Simões de Almeida, Henrique Pinto, Beatriz Lacerda?! Poderiam ser também os altares em talha dourada das nossas igrejas e capelas ou as esculturas e pinturas que pontilham esses espaços, sem esquecer os magnificos painéis de azulejos do séc. XVII e XVIII?!

Em relação ao seu património etnográfico: poderá ser o cacho de uvas (evocador das vindimas e do vinho da região), a matança do porco, o antigo moinho de água ou a espiga de milho (símbolos das “terras de pão” do nosso concelho e evocador de antigas tradições, como as “descamisadas”, etc), a nossa gastronomia mais típica (o pão-de-ló, as castanhas doces, as broinhas de casamento, o peixe do rio, o mel serrano, a doçaria conventual), os antigos cantares das gentes do campo, o laínte, os barcos tradicionais do Rio Zêzere?!

Existirão, certamente, mais elementos e que caberão nesta hipotética lista, com a mesma importância dos que agora foram enunciados.
Urge recolher e inventariar todo o património concelhio, recordar e recuperar as suas significâncias, como elementos identificadores da nossa identidade e memória figueiroense. Atribuir-lhe um fio condutor, interligá-lo, redescobrir-lhe os seus fundamentos, os seus segredos e mensagens, porque são referências da nossa herança comum e para além disso, porque é também das suas “narrativas” que bebe a nossa história comum.

Esculturas do Convento do Carmo

14 Maio 2009

convento_carmo_esculturas1Legenda das Fotos:

1- Santo Alberto: nicho esquerdo do piso superior do Retábulo – mor: o livro aberto deitado representa o seu grau de doutor da Igreja, simboliza o conhecimento da ciência que Deus emprestara aos homens. Escreveu a “Regra da Vida” para os Carmelitas que viviam no Monte Carmelo, na Palestina, conhecida como a “Regra de Santo Alberto de Jerusalém”. Escultura de transição para o Barroco. (1.20m de altura)
2- Santo Elias: nicho direito do piso superior do Retábulo – mor: o guerreiro que se tornou eremita no Monte Carmelo e que aqui se apresenta com o hábito de monge carmelita. Foi o precursor da Ordem do Carmo. Na mão esquerda exibe um pequeno templo. (cerca de 1.00m de altura).
3- São João da Cruz: nicho direito do piso inferior do Retábulo – mor: fundou a Ordem dos Carmelitas masculinos. Um dos teorizadores da Igreja, com uma vasta obra literária que influenciou muitos autores espirituais. O livro meio aberto que tem na mão direita significa o contraste entre a matéria fecundada, com os mistérios e os conhecimentos ainda por estudar, isto é, a Biblia, em cuja leitura e meditação reside a lectio divina e o conhecimento de Deus. Escultura de transição para o Barroco. (1.20m de altura).
4- Santa Teresa de Jesus: nicho esquerdo do piso inferior do Retábulo – Mor: foi a reformadora da Ordem do Carmelo. Ostenta uma atitude pedagógica, com um livro aberto na mão esquerda, que simboliza uma vida dedicada às suas fundações, que visitava constantemente, inspirando-as através dos seus ensinamentos. Parece dirigir-se aos fiéis de forma magestosa e serena. (1.20m de altura)
5- Nossa Senhora do Carmo com o Menino: centro do Retábulo – Mor (tendo no braço direito um escapulário do Carmo): Nª Srª do Carmo é um titulo consagrado a Nossa Senhora, aqui tambem conhecida por Nª Srª do Monte Carmelo. As esculturas apresentam traços maneiristas, embora sejam consideradas do período barroco. (1.30m de altura, exceptuando a coroa).
6- Imagem da Capela de Francisca Evangelha;
7- Capela de S. José (da Esq. para a Dª): S. Joaquim, S. José e Santa Ana;
8- S. Sebastião: retábulo esquerdo do Transepto: figura máscula, de grossas pernas de guerreiro e com um rosto que exprime algum sofrimento contido. (0.90m de altura)
9- Nossa Senhora da Conceição: retábulo direito do Transepto. Rosto que produz doçura e interiorização de sentimentos. A figura está em posição orante, de rosto voltado para o céu. Ricamente vestida. A imagem assenta sobre um globo dourado, donde sobressai uma meia-lua da mesma cor e sobre o qual esmaga uma serpente com o pé direito (os males do mundo), simbolos da sua iconografia. Escultura do barroco pleno. (1.07m de altura).

Donos da memória: 0 /// Biblioteca Municipal: 2

07 Maio 2009

Os donos da memória… tesouro2
Há quem pense ser dono da nossa memória colectiva, pela quantidade de elementos patrimoniais que detêm “à sua guarda”. Coleccionadores particulares que têm de tudo um pouco: livros, jornais, correspondência, postais, fotografias, pintura, escultura, azulejaria, arte sacra e por aí fora, formando pequenas galerias arquivísticas e musealizadas e que na maior parte não passam de meras “galerias de curiosidades”, que utilizam para seu usufruto e que raramente cedem a quem quer que seja, independentemente do objectivo, muitas vezes nobre, que acompanha o pedido de empréstimo, com intuitos académicos, de investigação e de consulta documental. Em suma, é quase sempre difícil conseguir alguma coisa de alguns coleccionadores privados.
Não questiono os seus direitos sobre o património que detêm junto de si, nem sequer contesto o direito que têm em cedê-lo ou não, apesar de saberem que, nalguns casos, a “cedência” passaria apenas por uma simples consulta para fins meritoriamente académicos. Pois muitos deles nem isso permitem.foto_cab-peao
O que eu questiono é o despeito e a soberba com que “se agarram” a esses objectos, como se todo o património que reúnem lá em casa lhes conferisse um estatuto especial, acima do natural interesse histórico e colectivo. São meros donos de objectos (valiosos), a que não dão uso nem utilidade, a não ser para o seu ego, que “enriquece” em vaidade para consumo próprio. Todavia, têm que ter consciência de duas coisas: que não se podem julgar proprietários de pedaços da história e que o seu método para a preservar, mantém prisioneiros valiosos testemunhos, que dela emanam, entre as paredes dos seus escritórios privados.
Felizmente, que as novas tecnologias, aliadas à competência de algumas instituições públicas, vão esvaziando pouco a pouco a “soberba”, com que alguns coleccionadores particulares orientam, gerem e administram as colecções que detêm. carnaval73
Aponto o grande exemplo da Biblioteca Municipal de Figueiró dos Vinhos, que tem levado a cabo um trabalho meritório de investigação, pesquisa, compilação e divulgação de algum Património Figueiroense, colocando-o livremente à disposição de todos e sem restrições de espécie alguma. Refiro-me à belíssima colecção que reúne TODA a Imprensa escrita que se publicou no concelho de Figueiró dos Vinhos, desde finais do século XIX até à actualidade, num total de 33 títulos Jornalísticos, que representam centenas de números editados e que totalizam 22 000 páginas digitalizadas. Eu próprio tenho-me valido desse espólio documental (fabuloso) tanto para os meus trabalhos académicos e pessoais, como para saciar simplesmente a sede de recordar coisas do nosso passado colectivo. Isto é, há um retorno concreto e recíproco, entre uma Instituição Pública (neste caso a Biblioteca Municipal de Figueiró dos Vinhos) e os seus utentes, num intercâmbio que capitaliza o serviço que essa Instituição presta, servindo a generalidade da comunidade de forma altruísta, obedecendo ao compromisso de divulgar (ao máximo) o acesso à leitura e à cultura e, simultaneamente, contribuir generosamente para os estudos da história local e regional, em linha com um projecto ainda mais ambicioso: construir um imprescindível e necessário «Fundo Local», que reúna um grande espólio documental, de tipologia diversificada e que sirva estudantes, investigadores e os utentes em geral.foto_mercado
Outra iniciativa de louvar por parte da Biblioteca Municipal, é o enorme espólio fotográfico que está neste momento a reunir e a compilar, com o apoio de entidades públicas e privadas e, principalmente, de muitos particulares, que não hesitando em associar-se de forma generosa a esta iniciativa, colocaram à disposição da Biblioteca Municipal centenas de fotos, que cobrem todo o século XX figueiroense e cuja digitalização tem enriquecido, constante e diariamente, um “banco” valioso de imagens, que ilustram memórias e identidades da nossa história concelhia e que podem ser consultadas na secção (designada «Figueiró em Imagens») da página web da Biblioteca e cujo link associei a este blogue.

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Concluindo, há uma grande diferença de atitudes, entre aqueles que persistem em reunir, quase só para si, todo um património que é do interesse colectivo, e a acção da Biblioteca Municipal: os primeiros, apesar dos seus esforços, continuam a consentir que grande parte do nosso passado colectivo continue “amnésico” ou “anónimo”, porque só eles continuam a ser detentores dos seus “segredos”, a segunda, tem a sábia ousadia de arrancar esse passado das entranhas que o mantinham em coma, esquecido e subestimado, trazendo-o para um espaço comum e público, até junto da nossa memória colectiva, permitindo-nos recordar aquilo que fomos, para entender aquilo que somos, como referência ligadora e dinâmica, em direcção ao futuro.regeneracao
Quando temos uma Biblioteca Municipal, com a envergadura da de Figueiró dos Vinhos, há sempre a opção de, prioritariamente, concorrermos para a sua fortuna.

uniao-figueiroense
Talvez tenha chegado a hora de começarmos a pensar conjuntamente e menos individualmente.

Livros da Biblioteca do Convento do Carmo

04 Maio 2009

brasao2Soube há pouco tempo, em conversa com um antiquário, que recentemente foram vendidos dezenas de livros e que pertenceram à Biblioteca do Colégio do Carmo de Figueiró dos Vinhos (que chegou a possuir, pelo menos, cerca de 1500 livros). Os livros que foram agora vendidos, tinham inclusivamente a “chancela” do Convento na contra-capa e foram “despachados” ao desbarato ( uns foram vendidos a 10,00 Euros , outros a 15,00, etc).  O alfarrabista onde eles foram parar, concerteza que desconhecia em absoluto o valor que eles tinham para nós, figueiroenses. Infelizmente, o antiquário referido, chegou tarde de mais, para poder salvar alguma coisa de vulto, conseguindo apenas adquirir 2 desses livros.

A história do  circuito que esses livros, hipotéticamente fizeram,…nem vale a pena contá-la, indignado por saber, que o nosso património comum continua a ser alvo de transacções “clandestinas”, sem dó nem piedade, como se àqueles que dele têm conhecimento, não valesse a pena resgatá-lo, como se não tivéssemos orgulho do nosso passado, onde se enraizam as nossas memórias, passado esse, que em muitos aspectos, foi bem melhor que a “plástica” do presente.

Usos, tradições, costumes e património do nosso concelho

04 Maio 2009

no-pinh_j1Divulgar os usos, os costumes, as tradições, enfim, todo o nosso património material e imaterial do concelho de Figueiró dos Vinhos e promover tertúlias “divertidas” para debater os seus aspectos e contornos, a sua existência e conservação, a sua importancia enquanto documentos testemunhais, que complementarizam a nossa história e passado comuns. Reflectir, igualmente, no planeamento de estratégias que permitam a sua sustentabilidade e rentabilização, englobando-o em programas turisticos-culturais, atraindo até ele todos os agentes do concelho, num pocesso dinamico conjunto e estruturante, objectivando a consciencialização do mesmo, como matéria herdada, a preservar e a defender, reencontrando-o, explicando-o, enriquecendo a sua especificidade, revalorizando e reescrevendo a sua mensagem, acordar o seu diálogo com todos os figueiroenses, que há décadas perguntam: ONDE ESTÁ O NOSSO PATRIMÓNIO ARTISTICO, CULTURAL, HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO E ETNOGRÁFICO??? ONDE PÁRA ELE??? QUEREMOS SABER DELE, PORQUE É NOSSO!!!

(Foto: José Malhoa, Dr. Vasconcelos, Arqº Reynaud, Simões d’Almeida (Tio) e Padre Diogo de Vasconcelos)

Oficina da memória

02 Maio 2009

merendaBenvindos a um espaço onde se forjam as memórias antigas e esquecidas.
Recordar é um acto eminentemente individual mas tem um carácter relacional com a memória enquanto fenómeno eminentemente colectivo, enquanto função de partilha de um passado comum que objectiva a promoção de laços de filiação entre os membros de uma comunidade, com base no seu passado colectivo. A comunidade tende a oficializar uma memória colectiva deliberadamente desenhada para simbolizar a unidade e coesão do seu grupo, garantindo a sua legitimidade e a sustentação do seu consenso social.
Deste modo, entendo que a memória é simultaneamente permanente e mutável. Permanente porque não podemos alterar os factos do passado, mutável porque adequamos os factos passados consoante as necessidades e as ansiedades do presente, o que leva a concluir, que cada presente constrói a sua história. Deste modo, a memória torna-se instrumental e influenciada por objectivos do presente, tendentes a revestir o passado com versões a serem utilizadas e assumidas pelos poderes instituídos, que instrumentalizam a memória através dos meios de comunicação, do sistema de ensino, dos monumentos, dos museus, das bibliotecas e de celebrações-comemorações ritualizadas.
Entre o que se recorda e o que se esquece, entre o que se narra e o que se inconfessa, existirão sempre memórias marginalizadas, dependentes das conjunturas e das circunstancias com que emergem certas recordações, bem como a ênfase com que se evocam certos contornos e pormenores. Entre a permanente interacção entre o vivido e o aprendido, o vivido e o transmitido, nas histórias individuais e colectivas, existirão sempre zonas de sombra, silêncios e memórias dissidentes. O silêncio, por vezes longo, de certas memórias e recordações, não conduz ao esquecimento, mas resiste, apesar da doutrinação ideológica e conjuntural que as confina ao exílio da vontade de recordar. Isto é, o esquecimento definitivo e o inconsciente recalcado e reprimido não são estanques mas permanecem em permanente movimento, transmitindo-se oralmente e e de geração em geração, permanecendo latentes e vivos, negociando as recordações com o tempo, que as enquadrará social e politicamente em tempo oportuno.
Compete-nos a nós, utilizar a memória colectiva, como um corredor onde desenvolvemos uma viagem permanente, migrando constantemente entre os dois pólos do mesmo, o passado e o presente, como justo equilíbrio de referência, identificação e coerência, com aquilo que somos e onde nos forjamos continuamente.

Identidades esquecidas

02 Maio 2009

medalha_cruz_guerra2Quem somos nós? De que “massa” somos feitos? Que elementos contribuiram para formar a nossa identidade, quiçá, figueiroense?

Da Castanheira de Figueiró às trincheiras da Flandres: o Cesário

30 Abril 2009

cesario_franciscoQuando em 4 de Abril, do longínquo ano de 1917, as primeiras tropas portuguesas chegam às trincheiras da frente de batalha, na Grande Guerra de 1914-1918, deparam-se com amplos territórios nevoentos e chuvosos, cheios de humidade e lama, infestados de ratazanas, a cheirarem a morte constante, desprovidos de árvores, arrasados pelas metralhadoras e pelas granadas dos canhões. São sobretudo lavradores, pescadores, artesãos e operários, transformados em soldados, quase todos analfabetos, jovens serranos que são enviados para um inferno de lama, frio, chumbo e fogo e onde o ar cheirava permanentemente a pólvora e a gás mostarda. (Nesse mesmo dia, seria morto o primeiro soldado português na frente ocidental).
Cesário Francisco, Soldado nº 83, da 3ª Brigada de Infantaria, do 4º Batalhão, do Regimento de Infantaria nº 15 e da 1ª Bataria de Artilharia, embarcou em Lisboa no dia 15 de Março de 1917, rumo à Flandres, conjuntamente com mais alguns milhares de compatriotas seus, integrados no 2º contingente da 1ª Divisão do Corpo Expedicionário Português (CEP), destinados a ocupar um sector na «frente» de combate.
medalhas_2De referir, que a primeira morte ocorrida entre os soldados do concelho de Figueiró dos Vinhos, foi a de João Simões, filho de Manuel Simões, da Sigoeira, freguesia de Aguda. Para além deste militar, morreram pelo menos mais 3 militares do nosso concelho e que constam nos arquivos do CEP, entre os quais: o 2º sargento Manuel Francisco da Silva (que já tinha sido ferido duas vezes em combate) e o soldado Vitorino Rodrigues Ferreira (que faleceu de doença adquirida no campo de batalha), ambos da freguesia de Figueiró dos Vinhos.
Nesse dia 15 de Março de 1917, quando o barco que leva Cesário Francisco a bordo larga do Cais de Alcântara, rumo às trincheiras “das Franças”, não leva somente humildes serranos fardados, leva também o espírito e a alma lusas, de um povo habituado a encaixar os desencontros do seu destino mas que sempre recusou separar-se da sua identidade genuína. Na bagagem seguia também, a harmónica, a “concertina”, a guitarra, os “ferrinhos” e o pífaro, lado a lado com a máscara de gás, o cantil, as cartucheiras e a espingarda.
O nosso herói era natural do lugar da Castanheira de Figueiró, onde nasceu a 7 de Maio de 1892. Possuía um espírito alegre e descontraído, irradiava simpatia e, ao que parece, tinha também uma voz belíssima para cantar o fado. Era por todos respeitado e fácilmente congregava simpatia à sua volta. Quando foi chamado para o dever das armas já era casado, com Hermínia da Conceição.
Já na Flandres, e em vésperas de Santo António, no dia 12 de Julho de 1917, o seu batalhão foi colocado de reserva em Paradis, a cerca de 3 Kms da linha da frente. Nesse local, com guerra ou sem guerra, os portugueses decidiram montar um arraial para comemorar o santo popular, com a única condição de não se fazer a tradicional fogueira, por motivos óbvios. Os very lights, que riscavam o céu nocturno, faziam lembrar os foguetes dos dias de festa das suas aldeias. Os morteiros, que ao longe iam rebentando, pareciam substituir o troar do fogo preso, em volta da capela. Desta forma, era como se o cenário estivesse completo. Música é que não faltava para animar o arraial popular, que ia ficando composto, inclusivamente com militares e oficiais doutras unidades e nacionalidades, que se iam chegando, surpreendidos com a “audácia” dos portugueses, que não hesitavam em montar uma festarola a 3 Kms da frente de batalha. Não lembrava ao diabo uma coisa destas! Uma guitarra, um harmónio e uma flauta compunham a orquestra. A certa altura, calou-se o harmónio e a flauta para dar lugar ao “choradinho” da guitarra, que clamava por um fado, saciando o apelo forte das saudades das serranias beirãs, com o timbre metálico das suas cordas, que penetrava forte nas trincheiras, numa melopeia triste, ecoando por terras da Flandres. Logo surgiu uma plêiade de cantadores de fado, uns mais desafinados que outros, até que, para resolver o problema, se lançou a ideia de um concurso para apurar o melhor fadista. Sem demora, constitui-se logo ali um júri e juntou-se dinheiro para os vencedores do espontâneo “festival”.
No final, restavam somente 3 ou 4 concorrentes mais afoitos. É nesta altura que aparece o nosso Cesário Francisco: «Homem alto, esgrouviado, moreno, olhos rasgados, tipo de inteligente». Militar cumpridor, pacato, discreto e não dado a protagonismos mas com uma voz que possuía o segredo certo da entoação e que fazia aflorar nos espíritos a seiva da alma lusitana. Enquanto ele cantava, o campo ficou em silêncio, murmurava-se para não perturbar a inspiração do exímio fadista, que lembrava a pátria longínqua e a alma que todos carregavam. Desta forma, Cesário teve o seu momento de fama naquela véspera de Santo António, numa noite de guerra, perto das trincheiras da morte. Depois dessa noite, raros foram aqueles que se esqueceram do fadista do 4º Batalhão. Antes o tivessem esquecido!
Cerca de um mês depois, em 24 de Agosto, a primeira linha sofria um ataque feroz dos alemães, transformando os campos num inferno de fuzilaria, de metralha e de bombardeamento. À posição onde se encontrava o nosso Cesário Francisco, começaram a chegar vagas, cada vez maiores, de feridos e estropiados, da fulminante ofensiva que se desenrolava a cerca de 3 Kms dali. O alto comando aliado precisava de enviar uma mensagem, muito urgente, para a linha da frente, necessitando de um «voluntário» para o espinhoso recado. O comandante da Companhia de Cesário Francisco olha em redor, à procura do homem certo e que estivesse à altura dessa terrível missão. Ora, desde a véspera de Santo António, que este oficial nunca mais esquecera o rosto do militar fadista, que tanto o comovera, e que até o obrigara a disfarçar um pigarreado de comoção, que lhe “entalara” a garganta. Estava decidido, seria ele a transportar a mensagem. Chama-o, entrega-lhe um papel e diz-lhe: «Vai levar isto lá abaixo!». Militar exemplar, Cesário recebe o papel sem retorquir ou pestanejar e presta-se a cumprir a ordem.
“Ir lá abaixo” significava passar por uma série de trincheiras, constantemente batidas pelas metralhadoras alemãs, pelo zumbido dos morteiros e por balas de todos os calibres. Algumas trincheiras estavam obstruídas, obrigando-o a ir de volta, a descoberto pelo campo, com os morteiros a rebentarem em redor dele. Um rebentamento de um obus projecta-o no chão mas ele levanta-se de imediato, sacudindo a terra com que a força de choque o cobrira, e avança. As balas zumbem à sua volta sem lhe tocar – talvez algum santo o proteja?! – diziam os seus camaradas. Entretanto, quando está prestes a alcançar a primeira linha, ouve-se um silvo agudo e um morteiro estoira mesmo ao seu lado. Desta vez, Cesário Francisco é projectado violentamente por terra e não se levanta. Contudo e apesar de muito ferido, consegue erguer um braço, agitando a mão freneticamente, brandindo o papel, gritando: «Eh! Rapazes!…Uma ordem lá de cima!». Rápidamente, é recolhido por maqueiros enviados da trincheira, constatando-se que tem grande parte do corpo golpeado, com muitos e graves ferimentos.
Enquanto recolheu ao hospital, para ser tratado dos 25 ferimentos que recebera, na sua terra, em Castanheira de Figueiró, chega a noticia que ele desaparecera em combate. A esposa chegou a pôr luto por ele e a angustia tomou conta da família durante mais de um ano.
medalhas_1Da ficha deste militar, que consegui apurar nos arquivos do CEP, consta o seguinte: «Ferido em combate em 24 de Agosto de 1917, dia em que baixou ao H.C.S. nº1 e evacuado em 4 de Setembro para o H.C. 32. Condecorado com a Cruz de Guerra em 5 de Novembro. Teve alta em 27 de Dezembro. Julgado apto para os serviços auxiliares do exército em sessão de 29 do mesmo mês. Seguiu para o D.A.C. em 13 de Janeiro de 1918. Louvado por bravura e dedicação com que cumpriu os seus deveres, transmitindo ordens e comunicações debaixo de intenso bombardeamento do inimigo.»
Cesário Francisco entrara para a história.
O nosso herói desembarca em Lisboa em Maio de 1918, ostentando no peito fardado, 4 medalhas: a cruz de guerra; a medalha da vitória; a medalha de comportamento exemplar e a medalha de campanha da 1ª Guerra Mundial. Recentemente, em acto oficial, os seus herdeiros decidiram oferecer estas medalhas à Câmara Municipal, para que sejam expostas no futuro Museu Municipal, bem como um raro exemplar do livro de Quirino Monteiro e Melo Vieira– «Gambúzios», onde são descritos os feitos heróicos de alguns soldados da Grande Guerra, entre eles, o de Cesário Francisco. O gesto dos herdeiros deste bravo militar, constitui uma lição a ter em conta: que ninguém é dono da memória colectiva, nem dos seus testemunhos, que devem ser partilhados no presente, a pensar nas gerações vindouras, por todos os que valorizam o património, como fonte de conhecimento e de entendimento do nosso passado comum, porque a história não é propriedade de ninguém, nem tão pouco apanágio de vaidades pessoais.
Quando Cesário Francisco, deitado na maca, dorido e ensanguentado, foi interpelado pelo comandante de batalhão, que o animava realçando a sua coragem, somente se preocupou com uma coisa, respondendo ao oficial: «É verdade meu comandante, mas o que mais me rala é que não torno a cantar o fado!» …
(Este artigo foi apoiado no livro acima citado, «Gambúzios», e em documentação obtida no Arquivo Histórico Militar).

“História do Municipalismo Figueiroense: Coordenadas Politicas e Sócio –Culturais de 1910 a 2005”

15 Outubro 2008

1926Desde 1910 até 2005 quem foram os Presidentes da Câmara Municipal do Concelho de Figueiró dos Vinhos, quem os coadjuvou, e quem fez parte do seu executivo? Como era composta a estrutura governativa concelhia e de que forma evoluiu?
Afinal, desde 1910 até 2005, quem foram os artesãos na oficina concelhia? Que programas politicos e socios-culturais produziram e que ferramentas utilizaram para os pôr em prática?
Desta forma, pretende-se desenvolver um Projecto sobre a História do Municipalismo Figueiroense, a fim de se entender a lógica politica e sócio-cultural do nosso Concelho, enquanto atravessava a 1ª República, o corporativismo municipal no Estado Novo, o jovem poder local democrático saído do 25 de Abril e o desafio Europeu dos anos oitenta até 2005.
vale_do_rio_1963Como se estruturou o poder; como funcionou a lógica dos poderes instituídos em relação às identidades comunitárias, e que estratégias usaram na materialização dos horizontes urbanísticos; qual foi o relacionamento que os poderes municipais mantiveram com os actores sociais concelhios, com as elites locais e os contra-poderes, com o associativismo e com os actores económicos, culturais e políticos; que legado cultural e patrimonial nos deixaram, como reflexos da sua capacidade criativa e inovadora??? Quais as suas obras mais duradoiras e que se perpetuam no tempo?
Isto é, referenciar a História do nosso Concelho através dos seus actores políticos constituídos como poderes, e analisar o seu potencial de decisão na construção do concelho durante a caminhada do Estado Republicano.

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