Lugares de memória do concelho de Figueiró dos Vinhos
TóZéSilva 21 Junho 2009
O que são lugares de memória?
São lugares onde a memória se incarna, referenciando testemunhos das nossas recordações e que conferem à lembrança um carácter colectivo.
A estes lugares de memória podem estar associados objectos, instrumentos, documentos, instituições, lugares, e aos quais conferimos um estatuto referenciador da nossa vivência individual ou colectiva. O conceito pode alargar-se até desembocar na família, na nação e na etnia, cuja composição e pulsar são topografados por lugares de memória multidiversificados.
A estes espaços atribuímos recordações ou relembramos outras, como registos que fazem parte da nossa formação identitária individual e colectiva: a casa dos avós ou dos tios, a aldeia onde nasceram alguns familiares, o estádio de futebol, a ribeira onde nos banhávamos no verão, determinada igreja, um certo jardim, etc.
São locais carregados de lembranças, às quais conferimos importância para a formação das nossas histórias individuais, enquanto actores contributivos para a história colectiva, coincidente com a nossa vivência e passagem por esses lugares, em interacção com o grupo que os frequenta e lhes confere uma certa identidade com a qual nos identificamos. Por exemplo: quando andámos a estudar, grande parte de nós tinha um certo café onde era hábito reunir-se a comunidade estudantil, numa espécie de ponto de encontro comum e que desse modo era imbuído e alimentado por um certo tipo de pessoas, que partilhavam esse espaço por razões semelhantes, num “ritual” atractivo homogéneo, criando uma atmosfera com a qual se identificavam mutuamente e onde ficaram registadas memórias pessoais, intimamente ligadas ao lugar e ao nome do café, que fácilmente as reactivará cada vez que este for lembrado.
Contudo, existem espaços que tambem podem ser entendidos como referenciais histórico-colectivos, porque tiveram da comunidade ou do grupo, uma vontade simbólico-intencional de relembrar, de memoriar, de forma habitual (ou cíclica), o que a sua singularidade representa para eles, por serem espaços-lugares, que concorrem para o processo de estruturação da sua identidade colectiva.
Segundo Pierre Nora, os lugares de memória podem ser divididos em 3 grupos:
1- Lugares topográficos: arquivos, bibliotecas, museus, isto é, lugares criados para preservar documentos históricos e as heranças do nosso passado histórico e cultural.
2- Lugares simbólicos: onde se realizam comemorações, peregrinações, aniversários importantes, isto é, locais emblemáticos para a comunidade, onde tiveram lugar certos acontecimentos e que foram apropriados pela comunidade como importantes para a sua história comum, e daí essenciais para a afirmação da sua identidade colectiva.
3- Lugares funcionais: manuais, autobiografias, associações e instituições, que têm como fim preservar e divulgar acontecimentos, monumentos, personalidades, fazendo parte da memória colectiva e tidos como elementos identitários de um grupo ou comunidade.
Assim sendo, que lugares poderemos identificar como sendo lugares de memória do nosso concelho, isto é, espaços que sejam sentidos e entendidos pelos figueiroenses como locais de identificação da sua história comum, da sua memória e identidade colectivas?
Lugares topográficos: a Biblioteca Municipal, a Câmara Municipal, as Juntas de Freguesia.
Lugares simbólicos: as igrejas (da vila e das sedes de freguesia) e as (suas) procissões mais importantes do calendário religioso, o Casulo de Malhoa, o Convento do Carmo, a Fonte das Freiras, a Torre da Cadeia, o antigo Clube Figueiroense, a Casa da Criança, a Aldeia do Xisto do Casal de S. Simão, o antigo campo de Futebol “Dr. Fernando Lacerda”, o Ringue de Patinagem, o “Campo da Mocidade”, o Cabeço do Peão, a Escola Preparatória Major Neutel Abreu, o Ramal (Av. Padre Diogo Vasconcelos), as festas populares do concelho (sobretudo o S. João), as festas e romarias associadas às nossa capelas espalhadas pelo concelho e que normalmente marcam o Verão Figueiroense, etc.
Lugares funcionais: a Santa Casa da Misericórdia, a Filarmónica Figueiroense, os Bombeiros Voluntários, a Associação Desportiva, o Jornal “A Comarca”, isto é, locais onde se preserva um certo tipo de memória, especificamente associada à instituição que a representa e enforma mas importantes para a compleição da história Figueiroense.
Outros lugares existem e que entretanto serão objecto de reflexão e trazidos até aqui.
Fora deste quadro identificador podemos acrescentar outros locais, cuja simbologia e singularidade marca (ou marcou) gerações de figueiroenses, tais como: as fragas de S. Simão, a Foz de Alge, a Fonte do Cordeiro, a Quinta dos Paivas, o Hotel Terrabela, o antigo (e demolido) Café Central, certas casas familiares ligadas à história da vila, a Fábrica do Pão-de-Ló e muitos outros locais, alguns deles já desaparecidos, ou “adormecidos”.
Todavia, também é certo e justo afirmar, que a vila e o concelho nos últimos 60 anos, têm tido um mau relacionamento com a preservação da sua história e do seu património. Muitos locais desapareceram, ou foram adulterados, como por exemplo, o «Jardim Público», (“Jardim de Cima”, junto à Igreja), inaugurado em 1929 e que sofreu com a substituição dos seus bancos vermelhos e dos candeeiros em estilo “Arte Nova”, que tinham sido ali colocados no início da década de 30 e que fizeram (e faziam) parte da memória de gerações de figueiroenses, memória que não foi respeitada, sacrificados em nome de um progresso bacoco e de uma imagem desprovida de sentimento, plastificada e descaracterizada.
Este texto apenas tem como móbil despertar para esta questão: que locais temos como “Lugares de Memória” da comunidade Figueiroense? Que locais desapareceram ou foram transformados pela dinâmica da sociedade mas cujos vestígios ainda permanecem e resistem na nossa memória colectiva? E que locais foram rudemente maltratados em estratégias de renovação urbanística sem sentido?
(Fonte da Foto: site da Biblioteca Municipal. Antigo edificio onde se localizava o “Café Central”, demolido para dar lugar à CGD.)
Bibliografia: NORA, Pierre, «Memória Colectiva» in Nova História, Coimbra, Almedina, 1990; NORA, Pierre, Entre memória e história: a problemática dos lugares, Projecto História, S. Paulo, PUC-SP, 1993; JOÃO, Maria Isabel, Memória, História e Educação, Braga: Núcleo de Estudos Históricos da Universidade do Minho, 2005.
Quais são os outros símbolos do nosso concelho?
Legenda das Fotos:






Soube há pouco tempo, em conversa com um antiquário, que recentemente foram vendidos dezenas de livros e que pertenceram à Biblioteca do Colégio do Carmo de Figueiró dos Vinhos (que chegou a possuir, pelo menos, cerca de 1500 livros). Os livros que foram agora vendidos, tinham inclusivamente a “chancela” do Convento na contra-capa e foram “despachados” ao desbarato ( uns foram vendidos a 10,00 Euros , outros a 15,00, etc). O alfarrabista onde eles foram parar, concerteza que desconhecia em absoluto o valor que eles tinham para nós, figueiroenses. Infelizmente, o antiquário referido, chegou tarde de mais, para poder salvar alguma coisa de vulto, conseguindo apenas adquirir 2 desses livros.
Divulgar os usos, os costumes, as tradições, enfim, todo o nosso património material e imaterial do concelho de Figueiró dos Vinhos e promover tertúlias “divertidas” para debater os seus aspectos e contornos, a sua existência e conservação, a sua importancia enquanto documentos testemunhais, que complementarizam a nossa história e passado comuns. Reflectir, igualmente, no planeamento de estratégias que permitam a sua sustentabilidade e rentabilização, englobando-o em programas turisticos-culturais, atraindo até ele todos os agentes do concelho, num pocesso dinamico conjunto e estruturante, objectivando a consciencialização do mesmo, como matéria herdada, a preservar e a defender, reencontrando-o, explicando-o, enriquecendo a sua especificidade, revalorizando e reescrevendo a sua mensagem, acordar o seu diálogo com todos os figueiroenses, que há décadas perguntam: ONDE ESTÁ O NOSSO PATRIMÓNIO ARTISTICO, CULTURAL, HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO E ETNOGRÁFICO??? ONDE PÁRA ELE??? QUEREMOS SABER DELE, PORQUE É NOSSO!!!
Benvindos a um espaço onde se forjam as memórias antigas e esquecidas.
Quem somos nós? De que “massa” somos feitos? Que elementos contribuiram para formar a nossa identidade, quiçá, figueiroense?
Quando em 4 de Abril, do longínquo ano de 1917, as primeiras tropas portuguesas chegam às trincheiras da frente de batalha, na Grande Guerra de 1914-1918, deparam-se com amplos territórios nevoentos e chuvosos, cheios de humidade e lama, infestados de ratazanas, a cheirarem a morte constante, desprovidos de árvores, arrasados pelas metralhadoras e pelas granadas dos canhões. São sobretudo lavradores, pescadores, artesãos e operários, transformados em soldados, quase todos analfabetos, jovens serranos que são enviados para um inferno de lama, frio, chumbo e fogo e onde o ar cheirava permanentemente a pólvora e a gás mostarda. (Nesse mesmo dia, seria morto o primeiro soldado português na frente ocidental).
De referir, que a primeira morte ocorrida entre os soldados do concelho de Figueiró dos Vinhos, foi a de João Simões, filho de Manuel Simões, da Sigoeira, freguesia de Aguda. Para além deste militar, morreram pelo menos mais 3 militares do nosso concelho e que constam nos arquivos do CEP, entre os quais: o 2º sargento Manuel Francisco da Silva (que já tinha sido ferido duas vezes em combate) e o soldado Vitorino Rodrigues Ferreira (que faleceu de doença adquirida no campo de batalha), ambos da freguesia de Figueiró dos Vinhos.
Da ficha deste militar, que consegui apurar nos arquivos do CEP, consta o seguinte: «Ferido em combate em 24 de Agosto de 1917, dia em que baixou ao H.C.S. nº1 e evacuado em 4 de Setembro para o H.C. 32. Condecorado com a Cruz de Guerra em 5 de Novembro. Teve alta em 27 de Dezembro. Julgado apto para os serviços auxiliares do exército em sessão de 29 do mesmo mês. Seguiu para o D.A.C. em 13 de Janeiro de 1918. Louvado por bravura e dedicação com que cumpriu os seus deveres, transmitindo ordens e comunicações debaixo de intenso bombardeamento do inimigo.»
Desde 1910 até 2005 quem foram os Presidentes da Câmara Municipal do Concelho de Figueiró dos Vinhos, quem os coadjuvou, e quem fez parte do seu executivo? Como era composta a estrutura governativa concelhia e de que forma evoluiu?
Como se estruturou o poder; como funcionou a lógica dos poderes instituídos em relação às identidades comunitárias, e que estratégias usaram na materialização dos horizontes urbanísticos; qual foi o relacionamento que os poderes municipais mantiveram com os actores sociais concelhios, com as elites locais e os contra-poderes, com o associativismo e com os actores económicos, culturais e políticos; que legado cultural e patrimonial nos deixaram, como reflexos da sua capacidade criativa e inovadora??? Quais as suas obras mais duradoiras e que se perpetuam no tempo?
