Arquivo de: 'Crónicas dum Tempo'

Os Homens que vieram do futuro

09 Outubro 2009

foto_192810 de Maio de 1928, banquete de homenagem ao Dr. José Martinho Simões: esta não é somente uma simples e singular fotografia tirada há 81 anos, retratando um grupo de homens, dispostos nas escadas da Igreja Matriz de Figueiró dos Vinhos, em atitude solene, numa diáfana manhã de quinta-feira, num Maio longínquo da segunda década do século passado.
O repórter do jornal «A Regeneração», que assistiu ao banquete, escreveria a 19 de Maio de 1928: “No salão Nobre do elegante Club Figueiroense, vive-se uma hora de entusiasmo franco, desmedido e inexplicável. Os homens moços estão em maioria absoluta. Há, por isso mesmo, alegria ruidosa, viva, sã, verdadeira exaltação e delírio da alma, transbordante de prazer. Erguem-se as taças de champanhe (…)”.
José Martinho Simões, advogado, natural dos Trespostos (Campelo), tinha sido nomeado há cerca de um ano, em 25 de Maio de 1927, Director Geral da Administração politica e Civil do Ministério do Interior. O banquete era uma prova de reconhecimento, por parte das “forças vivas” do concelho de Figueiró dos Vinhos (e também dos concelhos em redor) pelo elevado cargo que conseguira atingir e que desempenhava no Governo da Nação.
Contudo, servia também como pretexto para unir famílias, politicas e facções rivais em torno de uma ideia – o progresso de Figueiró dos Vinhos e da região – e, simultaneamente, assegurar continuidade e transição à politica encetada pelos «novos de Figueiró», isto é, José Martinho Simões, Manuel Simões Barreiros, Carlos Rodrigues Manata, padre António Inglês e José Manuel Godinho, iniciada dois anos antes, mitigando desta forma a perda do seu “peão” mais importante, em função da sua transição para junto do poder máximo.
A foto, olhada de relance, parece apenas uma imagem que nos revela um grupo de homens atentos à máquina fotográfica, armada a meio da calçada pelo fotógrafo Albuquerque e que por detrás do aparelho se esmera, a fim de dar o enquadramento perfeito ao grupo de notáveis que se perfilam diante de si, investindo toda a sua habilidade, para que o clichet saia o mais correcto e nítido possível.
Mas quem olha para esta foto espectacular, não se apercebe que está diante de dois tempos, aparentemente indistintos e que estes homens representam. Dois tempos nitidamente diferentes mas dispostos a tomar o mesmo testemunho. Na foto sente-se a hipnose do poder, de um poder em transição e que aquele momento retém inequivocamente, numa fiel reprodução, cujas consequências ondularão através das páginas e das décadas da história de um concelho.
O grupo olha-nos, atentos à lente que os captará e projectará no futuro, cientes do acto que recusará a omissão dos seus nomes e o esvair das suas existências, conscientes de que são os artífices de uma época, em que o futuro foi por eles imaginado, desenhado e materializado, de tal forma convicto e firme, que os sulcos das suas acções ainda hoje teimam em afrontar os nossos dias, passados 81 anos. Os ecos dos seus nomes chegam-nos de tempos a tempos transportados pelo vento que foi soprado nesse final de manhã do dia 10 de Maio de 1928, atravessando as décadas do corredor histórico, desaguando diante de nós em refluxos evocadores.
Estes homens são os protagonistas de uma gesta de vanguardistas, decalcados nos nossos registos memoriais, no porvir dos tempos, nas heranças que os testemunham constantemente e confiam nas gerações vindouras para que as suas memórias não se imolem num futuro longínquo e que agora nos pertence.
Cada vez que olho para esta foto sinto um arrepio, como se estivesse numa máquina do tempo vindo do futuro…mas paradigmaticamente já a olhar para ele, diante dele, apesar de o fazer através de um velho retrato com 81 anos de existência, porque estes homens não permitiram que o porvir fosse escrito por outros senão por eles próprios, e muito menos por nós que os contemplamos. Nós somos meros leitores das suas acções, somos meros monges copistas das crónicas que nos deixaram, e é por isso, que esta foto continua a representar o futuro, porque aquele grupo ainda hoje ali está, posando nas escadas da Igreja, como uma espécie de “velha guarda” que recusa abandonar o seu posto, firme e resoluta, juntando vontades e politicas diferentes mas com um único bastião a uni-los – os superiores interesses dos povos – e tal como o Juiz Bravo Serra faria questão de salientar no discurso que proferiu durante o banquete, ao sublinhar o verdadeiro significado daquela reunião, realçando “a formosa lição cívica – expressão duma requintada consciência colectiva”.
Outro participante no mesmo, o Dr. Manuel Simões Barreiros (e que à data ainda não era presidente da Câmara) diria também a certa altura: “À sombra da nossa bandeira, cabem todos os que amam Figueiró e pretendem o seu embelezamento”.
O futuro do concelho para esta plêiade de homens cheios de garbo, só era possível com a união de todos e, por essa razão, já tinham a premonição dos nossos olhares e à distância de 81 anos já pressentiam o nosso assombro, ainda recôndito mas confessado perante a sua acção. E sabendo disso, ali estão eles, atentos ao gesto do Albuquerque, que os avisará do “click” que os agarrará, perenizará e os fará atravessar os tempos, de geração em geração.
Em honra da memória destes homens, que só unidos souberam compreender o futuro e cuja obra se estende até aos nossos dias, fica este texto, cujo conteúdo viaja constantemente entre o passado e o futuro, como lição que não pode ser subestimada mas perpetuamente relembrada na nossa memória e história colectiva.
(Na elaboração deste artigo um agradecimento muito especial à Sra. Dª Maria Fernanda Quaresma Ferreira Dias, verdadeira memória viva do concelho de Figueiró dos Vinhos, por me ter ajudado a identificar muitos dos protagonistas desta foto, para além de me ter emprestado um exemplar original da mesma, e também à Sra. Profª Guida Pinto que colaborou nessa identificação. A foto está também disponível no site da Biblioteca Municipal, em “Figueiró em Imagens”.)

Legenda da Foto (dos que foi possível identificar): 1- José Pedro dos Santos; 2- Artur de Paiva Furtado; 3- Antero Simões Barreiros; 4- José Correia (Cast. De Pêra); 5- Zilo Alves da Silva; 6- Acúrcio Portela; 7- Manuel Nunes; 8- Artur Nunes Agria; 9- António Ferreira; 10- Guilherme Agria; 11- Alfredo Correia de Frias; 12- Bravo Serra; 13- Manuel Diniz Júnior; 14- Armando Sérgio da Encarnação; 15- João António Semedo; 16- Joaquim José da Conceição Júnior; 17- Joaquim de Matos Pinto; 18- Álvaro Gragera dos Santos Abreu; 19- Francisco António Rei; 20- José Manuel Godinho; 21- António Azevedo Lopes Serra; 22- Francisco R. Ferreira; 23- Mário Ferreira; 24- Manuel Ferreira; 25- Augusto Severino da Silva; 26- António Alves Thomaz Agria; 27- Gilberto de Paiva David; 28- Fidalgo (filarmónico); 29- Ângelo (filarmónico); 30- Joaquim Fonseca (filarmónico); 31- Carlos de Araújo Lacerda; 32- Acursio de Araújo Lacerda; 33- Camilo de Araújo Lacerda; 34- João Valadão; 35- António Eugénio da Costa Agria; 36- José Eduardo Nunes; 37- José Simões Barreiros Júnior; 38- José Belezas (filarmónico); 39- Manuel dos Santos Abreu; 40- Padre António Inglês; 41- Carlos Rodrigues Manata; 42- Mário Cid das Neves e Castro (Presidente da Câmara à data); 43- Manuel Simões Barreiros; 44- José Martinho Simões; 45- Padre José Nogueira (Presidente da Câmara de Pombal); 46- Padre José Ferreira (Pedrogão Grande). Estiveram também presentes, entre outros, Manuel de Vasconcelos (antigo presidente da Câmara) e António de Vasconcelos.
Nota: Fica a foto na esperança que os nossos leitores consigam identificar mais personagens, ou eventuais rectificações a fazer aos que se acham já identificados, agradecendo desde já a vossa colaboração nesse sentido.

Há 111 anos: Fábrica de Cerâmica de Figueiró dos Vinhos

07 Outubro 2009

doc_1898_assinat_fabrica_1_jpg«Primeira sessão preparatória
em 18 de Agosto de 1898.

Anno de mil oitocentos noventa e oito aos dezoito dias do mêz de Agosto do dito anno n’esta villa de Figueiró dos Vinhos e em uma das sallas da Sociedade Recreativa Figueiroense onde compareceram os Excellentissimos senhores: Dr. Manoel Carlos Pereira Baetta e Vasconcellos; Diogo Pereira Baetta e Vasconcellos; José Simões d’Almeida Júnior; José Vital Branco Malhoa; Manoel Henriques Pinto; Manoel Quaresma D’Oliveira; Luiz Ernesto Reynoad e António d’Azevedo Lopes Serra se constituíram em sessão preparatória, a fim de deliberarem sobre a maneira de poderem levar a effeito o estabelecimento d’uma empresa industrial, de cerâmica n’esta villa, (…) deliberaram por unanimidade dar principio aos trabalhos preliminares para a instalação da fábrica. Foi resolvido e approvado o seguinte: Que a Empresa se denominasse = Fábrica de cerâmica de Figueiró dos Vinhos; Que ficasse encarregado do estudo e redacção da escriptura da empresa o sócio Dr. Manoel Carlos Pereira Baetta e Vasconcellos; Que o sócio Luis Ernesto Reynoad desse preinicio aos trabalhos, na qualidade de Director Technico da Empresa. Sendo presente por este sócio o orçamento para as primeiras despesas de installação no valor de um conto e trezentos mil réis (…). Calcolando-se em trezentos e vinte e cinco mil reis as primeiras despesas a fazer, deliberando que cada sócio entrasse com partes eguaes na relação de vinte e cinco por cento sobre aquella importância (…), não entrando o sócio António Serra com a sua parte em dinheiro para lhe ser descontado na importância do terreno que este senhor vende à Empresa para a construção da fábrica a cincoenta réis o metro quadrado (…). Em seguida procedeu-se à elleição dos membros que hão de formar a Direcção Administrativa da empresa, sendo elleitos por aclamação. Para presidente o sócio Dr. Manoel Carlos Pereira Baetta e Vasconcellos; para vice presidente o sócio Diogo Pereira Baetta e Vasconcellos; para secretário o sócio António d’Azevedo Lopes Serra; para thezoureiro o sócio Manuel Quaresma D’Oliveira; para Director technico o sócio Luiz Ernesto Reynoad (…).»
Esta é parte da acta que foi lavrada há 111 anos, em 18 de Agosto de 1898, numa sala do Clube Figueiroense e que comprova a fundação de uma sociedade, que viria a dar existência na vila de Figueiró dos Vinhos a uma fábrica de cerâmica no final do século XIX, fundada por um grupo de homens onde se incluíam os Pintores José Malhoa e Henrique Pinto; o Escultor Simões d’Almeida (Tio); o Padre Diogo de Vasconcelos e o irmão deste, Dr. Manuel de Vasconcelos (que viria a ser Presidente da Câmara); Manuel Quaresma D’Oliveira (empresário figueiroense); o Arquitecto Luis Ernesto Reynaud (arquitecto da ampliação do «Casulo» e da reconstrução/remodelação que a Igreja Matriz beneficiava na altura) e o farmacêutico da terra António Azevedo Lopes Serra (Farmácia Serra).
Cerca de um mês depois da sociedade ter sido fundada, uma outra acta era lavrada a 29 de Setembro, em que se deliberava «que se mandasse ao sócio Manoel Henriques Pinto amostras de todos os barros para elle obter na olaria de Thomar mais provas» (na época este Pintor dava aulas em Tomar), isto porque, «as informações sobre o barro, é que não serve para louça de boccal estreito por ser fraco e não se auguentar».
Resta apenas acrescentar que a fábrica teve de se contentar em produzir telhas e tijolos, uma vez que a matéria-prima, como de facto se veio a apurar, não era apropriada para modelações artísticas e produções mais subtis. Contudo, não deixa de ser curioso o enlevo da iniciativa, cuja acção era levada a efeito por um punhado de homens, movidos pela iniciativa empresarial intimamente ligada às potencialidades artísticas de alguns deles, nomeadamente, José Malhoa, Henrique Pinto e Simões D’Almeida.
Foi pena que a empresa não tivesse vingado, e nem quero imaginar, caso ainda hoje perdurasse, a «escola» de potencialidades artísticas e técnicas que a mesma teria motivado, criado e representado para a região, com o seu epicentro em Figueiró dos Vinhos.
O livro de actas, a que tive acesso, está conservado em boas mãos e só espera que o Museu de Arte Naturalista seja concluído, para se entregar à sua guarda, para que todos o possamos apreciar condigna e devidamente.
Coincidência ou não (acredito que não) este é o grupo que está retratado na fotografia que aqui publiquei, sobre o titulo “Uma Foto histórica”. Ali estão eles, os oito protagonistas desta singular iniciativa empresarial.

Fábrica de Pão-de-Ló de Santo António dos Milagres

06 Setembro 2009

pao-de-loEm 1893, António Henriques Pereira Baeta e Vasconcelos, fundaria em Figueiró dos Vinhos a primeira fábrica de doçaria, cuja estrela seria o seu (nosso) famoso pão-de-ló, “à custa de muito trabalho e insonnias, depois de várias lucubrações sobre processos culinários” e tal como carta que escreveu em 1904 a José Malhoa, onde convidava o Artista para padrinho da sua bela criação gastronómica. Em 1905, António de Vasconcelos passa a designar o seu pão-de-ló como produto da “Fábrica de Pão-de-Ló de Santo António dos Milagres”.
António de Vasconcelos era irmão do não menos famoso Padre Diogo de Vasconcelos (o do quadro de Malhoa “Viático ao termo”) e de Manuel de Vasconcelos, que foi Presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos.
Um homem extraordinário, dinâmico e que participava activamente na vida publica e social de Figueiró dos Vinhos, chegando a ser proprietário e director do Jornal “O Figueiroense”, pelo menos entre 1907 e 1910, cuja composição e impressão era feita na “typographia de António de Vasconcelos” com sede administrativa na Rua da Água. Ao que consta, possuía igualmente conhecimentos fármacos e alquímicos, ao ponto de ter inventado uma pomada para queimaduras com bastante sucesso na época.
Por ser solteiro e não possuir descendência directa, cultivava uma faceta de filantropo e de protector de muitas crianças necessitadas da comunidade Figueiroense. Esse facto colocar-lhe-ia no caminho da sua vida uma criança – Maria do Céu Quaresma Lopes Bruno – que seria a futura “herdeira” da sua obra após a sua morte (ocorrida em 9 de Junho de 1937), e que viria a casar com Ângelo David e Silva. Este, adquiriria por compra às herdeiras de A. Vasconcelos “o prédio urbano de casas altas e fábrica com respectivos haveres e pertenças”, assegurando o fabrico do Pão-de-Ló de Santo António dos Milagres até inícios da década de 70. Ângelo David e Silva viria a falecer em 1980.
No curriculum da Fábrica de Santo dos Milagres é de realçar um diploma de 1916, assinado por Teófilo Braga, e que atesta uma medalha de ouro que lhe foi atribuída pela Junta Geral do Distrito de Leiria, na sequência da exposição industrial e agrícola desse ano.
Verdadeiro símbolo patrimonial do nosso concelho, o pão-de-ló de Figueiró dos Vinhos é uma imagem de marca que perdura nos corredores do tempo e na memória colectiva dos figueiroenses, que o identificam como um dos seus ex-libris e que o utilizam, naturalmente, como um dos seus cartões de visita, tendo-o como pendor da nossa identidade colectiva e sobretudo como preito da nossa maneira de bem receber, honrando a memória do homem que o criou e que o inscreveu na história e na memória de gerações de Figueiroenses.

(fontes: arquivo pessoal do autor e Jornal “Expresso do Centro”, nº 31, caderno – doçaria regional, pp. I a IV, Janeiro de 2000).

In memorian de um mundo rural já (quase) desaparecido

01 Agosto 2009

ruralidade_1Lembro-me de episódios da minha infância e adolescência, e que me têm surgido no espírito, como flashes remanescentes dos arquivos da minha memória, avivados pelo desejo de recordar uma faceta e que igualmente contribuiu para moldar a minha identidade.
Até por volta dos meus 15-16 anos, vivi muito perto dos meus avós maternos. Eram eles que tomavam conta de mim e do meu irmão durante as férias, enquanto os meus pais trabalhavam. Gente humilde, que dedicou toda a sua vida ao amanho e cultivo das terras, nas hortas que arrendavam. Nunca tiveram um pedaço de terra seu, nunca conheceram o sentimento de possuírem uma nesga de propriedade, por mais pequena que fosse. Todavia, sempre amanharam grandes hortas, que sabiam rentabilizar, utilizando uma agricultura de regadio, extremamente diversificada e produtiva. Tinham o amanho das terras entranhado nas veias, no espírito e na alma. Viviam para os campos, parecendo-me que o faziam num quotidiano obcecado, extremamente dependentes da vida ao ar livre, dessa coisa de fazer brotar da terra, ciclicamente, o milagre da multiplicação, num ritual que se repetia anualmente, sem tréguas, de sol a sol. Nunca conheceram outra vida a não ser essa e raras vezes saíram do seu pequeno mundo, num compromisso fiel à sua arte de cultivadores mas sobretudo, obedecendo ao chamamento das suas próprias raízes e aos elementos que lhes forjaram a identidade ao longo das décadas, aceitando serenamente o destino com que a vida os tinha contemplado.
Nas férias e nos dias em que não havia aulas, lá iam os dois irmãos para a horta, quase todas as tardes. Lembro-me do “cortejo” singular que se formava no trajecto, entre a casa deles e o olival onde trabalhavam. Na frente ia o “Boby”, um cão baixo e atarracado, preto e branco, de olhar meigo e que nos esperava, olhando para trás, cada vez que se adiantava no caminho; atrás dele vínhamos nós, eu e o meu irmão, cada um com o seu sacho e que o meu avô fizera de propósito, com cabos mais curtos e que “ostensivamente” levávamos aos ombros; depois, a meio da “coluna”, vinha a minha avó, sempre a falar, com o cesto da merenda à cabeça e a chamar-nos a atenção para mil coisas, que sobressaíam no quelhão, e no fim, o meu avô Soares, a fechar o cortejo, transportando a ferramenta da jorna desse dia e sempre com uma ou outra piada.
Chegados à horta, deambulávamos pelos carreiros abertos entre as várias courelas, ladeadas de estacaria em madeira, como se fossem paliçadas, recheadas de videiras. Havia dois poços feitos em pedra para a rega, um deles ainda tinha a “cegonha” para tirar água e lembro-me de ver o meu avô a manobrá-la, com muita destreza e agilidade. Por entre as courelas, haviam regos e que irradiavam dum canal mais largo, por onde serpenteava água transparente e muito fresca. Pareciam rios em miniatura, misteriosos, por entre o pasto verde que os ladeava. Com o sacho, a minha avó lá ia abrindo, uma após outra, as regueiras que penetravam nos talhões do milho, das batatas, dos feijões, etc. Quantas vezes, descalços, munidos dos nossos valiosos sachos, não ousámos ajudar nessa tarefa, fácil só na aparência, porque exigia rapidez e destreza de pés, calcando aqui e ali, para que a água penetrasse e se demorasse mais tempo na área semeada. Até para regar a horta era necessária arte.
No tempo das sementeiras, os netos é que se encarregavam da distribuição do adubo nos sulcos abertos à “enxada”, e que ficavam rapidamente sarapintados de azul (ou cor-de-rosa) e prontos a receberem as sementes. Cada um com o seu balde, íamos calculando a porção certa a colocar, intervaladamente, no fundo do rego, para em seguida uma mulher colocar a semente em cima do adubo. A fechar esta “linha de semeadura”, vinha a minha avó que recobria o rego. Ficava tudo certinho e geometricamente perfeito. No final, o desenho da sementeira ficava curioso, feito de terra preta e a cheirar a húmus.
Nesses dias das sementeiras sentia-se um entusiasmo diferente por parte dos meus avós e que nos contagiava. O acontecimento não era para menos, porque para além de lhes exigir uma rotina diferente, também lhes concedia, embora efemeramente, o estatuto de patrões. Por conta deles, “falava-se” a duas ou três pessoas (normalmente um homem e duas mulheres) e aos quais se pagava a jorna. As hortas eram grandes e exigiam três ou quatro pares de braços para as fecundar. Nesses dias parecia que havia festa lá por casa e sentia-se uma certa vaidade no ar, por terem gente por conta própria, para além de que, esse sentimento de responsabilidade acrescido, reforçava-lhes o amor-próprio e o orgulho de pertencerem, inequivocamente, àquilo que sabiam e gostavam de fazer. Assim, durante um dia ou dois, as hortas fervilhavam de actividade com o pessoal contratado, a que se juntavam os meus avós, eu e o meu irmão e, no final do dia, os meus pais, que apareciam para ajudar, engrossando o “rancho” da sementeira.
Desses tempos, há três coisas curiosas que recordo particularmente: 1- A garrafa de vinho semi-enterrada nos regos, com um púcaro a tapá-la e por onde todos bebiam (os netos tinham um pequeno cântaro com água, tapado com uma rolha de cortiça) e que ia avançando à medida que a sementeira progredia; 2- A “hora da bucha”, quando a minha avó ia a casa buscar uma canastra (ou um pecieiro), que trazia à cabeça, coberto com uma toalha branca, recheado de “pataniscas” de bacalhau, peixinhos da horta, sardinhas fritas em ovo, presunto, chouriço, queijo, broa de milho, etc. A canastra era colocada em cima de um “pano de azeitona” (feito de serapilheira) estendido no chão e onde todos se sentavam em circulo. Era a hora da descontracção, da galhofa, da alcoviteirice, em que se trocavam as novidades e se punha em dia a regateirice da comunidade. Numa terra pequena ninguém escapava ao “reparo”, onde tudo se sabia, mesmo as coisas que não eram para se saberem. Nem o padre escapava ao “relatório”da “hora da bucha”! 3- A outra coisa que me lembro e que acontecia mais tarde, por alturas das colheitas, era a volta a casa, numa carroça puxada por uma mula. As carroças do “Bragança” e a do “Bispo” eram as mais requisitadas, sobretudo na época alta das colheitas da batata e do milho. Empoleirados em cima das sacas, eu e o meu irmão, atravessávamos a vila, orgulhosos da experiência rústica com que nos movíamos, normalmente “maquilhados” de pó e terra, depois de mais um dia a explorar as hortas, a subir às oliveiras, etc.
São igualmente do tempo das colheitas as recordações que tenho do senhorio, que era considerado com excessiva reverência por parte dos meus avós e que eu e o meu irmão julgávamos ser alguém muitíssimo importante, quase intocável, de fato escuro, com colete e uma corrente dourada que pendia de um dos bolsos. Aparecia sempre no final das colheitas para receber a renda, que era paga em géneros. O feijão e o milho que ele recebia, eram medidos com um “meio-alqueire”e que o meu avô mergulhava em duas grandes arcas que tinha em casa. A palha enfardada era entregue em “braças”. Lembro-me de estar no pátio a assistir ao apuramento do comprimento da “braça”, com o meu avô a esticar a corda, de braços abertos, inclinando o tronco para trás, até esta lhe tocar no peito. Quando isso acontecia a “braça” estava definida e pronta para servir de medida, isto é, serviria para ver quantos fardos de palha caberiam nela. O preço da palha era calculado à “braça”e não ao fardo, tanto para o senhorio como para os potenciais compradores. Normalmente, apareciam sempre três ou quatro, sendo dois deles, os nossos já referidos profissionais das carroças.
Outro acontecimento interessante e que recordo com profunda nostalgia, eram as “descamisadas”, quase sempre feitas à noite, pelo “fresco”, na eira ou no pátio. Era uma ocasião que juntava a vizinhança toda, familiares e amigos, que costumavam aparecer para a empreitada, feita à luz de “gambiarras” (na aldeia dos meus avós paternos, a iluminação era ainda feita à luz de candeeiros a petróleo, os inesquecíveis “petromaxes” e que se usaram, pelo menos, até finais da década de 70 do século passado). Pela noite dentro, iam-se amontoando na eira as carapoulas das espigas de milho, para alegria dos mais novos, que se atiravam para cima delas, fingindo mergulhar numa piscina bizarra amarelo-torrado. Cantava-se ao desafio, contavam-se anedotas, falava-se da vida alheia, reforçavam-se os laços colectivos do grupo, carregava-se a memória.
Recordo com nostalgia, a “limpeza” das oliveiras, a apanha da azeitona e a ida ao lagar para apurar as meduras de azeite que se obtinham, (ainda tenho presente o cheiro, que o interior do lagar de azeite do Sr. Simões Pereira emanava, e a visão das prensas a apertarem as esteiras, donde escorria o precioso elixir amarelo), bem como a lida em volta dos bacelos e das parreiras cobertas de vides e que culminava na faina da vindima e, sobretudo, o ritual da matança do porco e que se prolongava durante um mês inteiro, tal era o numero de familiares e que aos domingos, alternadamente, cumpriam essa tradição. Havia o “sarrabulho”, a orelha assada esfregada em sal, a febra grelhada, a pratalhada de batatas com carne e toucinho e que faziam parte da festa da “matança”, repetida religiosamente em casa de cada um dos meus tios. Recordo, igualmente, que assisti muitas vezes ao “salgar” do porco na “salgadeira” de madeira e que o meu avô possuía numa das lojas da casa. O porco era “desfeito” quase com método matemático, sendo as peças de carne cortadas e arrumadas segundo um critério bem definido. Reparo, que esta é outra arte rural perdida!
Tudo isto eram pontos da “agenda” quotidiana destas gentes dos campos e das aldeias beirãs, observados e cumpridos escrupulosamente, ainda durante as décadas de 60 e 70, e que eu vivi muito bem e de perto. Tão bem, que só agora me apercebo, o quão importantes foram, e são, para a formação e expressão da minha identidade individual. Por exemplo, nunca esqueci os nomes dos objectos e das ferramentas, nem os termos que eram usados na faina dos campos, nesse incrível mundo da ruralidade da minha infância e cujo vocabulário está apenas esquecido dentro das minhas memórias individuais mas sempre latentes, cada vez que emergem ou se confrontam com esse universo tão peculiar, dando-me a sensação de que nunca saí, verdadeira e totalmente, do seu âmago.
A nossa identidade individual nunca se consegue separar dos elementos externos e que contribuíram para a estruturar, embora esteja em permanente evolução e mutação. A identidade de um indivíduo não é estática mas dinâmica, bebendo continuamente da comunidade onde está inserido, colhendo dela os ensinamentos, comungando com ela e partilhando da sua experiência colectiva.
Tenho muito orgulho das minhas humildes raízes, e transportarei sempre comigo o nostálgico cheiro a húmus, de que também sou feito.
Os campos, a ruralidade que rodeia a nossa ténue urbanidade, fazem parte dos nossos valores colectivos, da nossa história individual e colectiva. Todos nós mergulhamos e retiramos deles muitas das nossas tradições, usos e costumes, tão profundamente ligados ao “húmus” que nos viu nascer e que transportamos no nosso *adn*, que passará para os nossos filhos e netos, de forma subtil, quase imperceptível mas que mais tarde ou mais cedo os convocará até junto das suas raízes mais profundas.
(Fontes das fotos: “Uma descamisada” – in Figueiró em imagens – Site da Biblioteca Municipal; “Los cavadores” de J. Mongrell (Espanha, 1910 ) Site FLICHR.

Imaginária (esculturas) da Igreja de Nossa Senhora do Carmo do Convento dos Carmelitas Descalços de Figueiró dos Vinhos

18 Julho 2009

sjoao-nepomuceno_jpeg6A imaginária (esculturas) existente no interior da Igreja do Convento do Carmo é composta por esculturas, maioritariamente em madeira, havendo apenas duas em material diferente: uma em pedra e outra em barro.
A única referência datada em relação a este conjunto de esculturas é a data de 1641, gravada na frontaria da Igreja do Convento, sobre um nicho onde antes se albergava a imagem de Nª Sr.ª do Carmo, feita em pedra e que hoje se resguarda na Casa Paroquial de Figueiró dos Vinhos. As outras imagens carecem desta informação, ou outra que pudesse estreitar o seu momento de criação. A Igreja atravessou três fases distintas durante a sua construção, que se iniciou por volta de 1607, após a conclusão das obras dos dormitórios dos frades e que nesse ano se mudaram para o complexo conventual. O acto litúrgico realizava-se provisoriamente, no espaço que é hoje ocupado pela sacristia, ante-sacristia e lavatório, facto que se prolongou até 1644, ano em que a “Igreja nova” ficou pronta. Nessa data já os retábulos iniciais se encontravam prontos, embora por dourar, lacuna técnica que se prolongaria, pelo menos, até 1751.
A julgar pelos cinco nichos primitivos abertos directamente na parede do altar-mor, poderemos considerar a hipótese, que as cinco esculturas existentes no actual retábulo tenham iniciado o seu percurso existencial a partir desse momento, ou seja, desde o primeiro quartel do século XVII e que em 1644 já estivessem em ligação com a estrutura em talha do retábulo inicial, conjuntamente com a escultura em pedra colocada no nicho exterior, cujo referencial temporal é 1641. Portanto, e com alguma segurança, pode-se concluir que o grosso da produção escultórica que se alberga nesta igreja, pertence ao segundo período maneirista, decorrente entre o último quartel de quinhentos e o segundo quartel de seiscentos.
A colecção de imaginária presente no interior da Igreja divide-se em três grupos: cinco esculturas do altar-mor, duas esculturas dos retábulos colaterais e duas esculturas isoladas do seu contexto litúrgico.
Das cinco esculturas analisadas do retábulo-mor, duas apresentam-se com elementos dissonantes em relação às demais, a julgar pela medições realizadas e pelo apuramento de alguns pormenores, entre os quais, um símbolo não identificado numa delas.
A centralidade temática da maioria destas esculturas traduz o reportório iconográfico (e familiar) da Ordem dos Carmelitas, na sua singularidade identitária e simultaneamente devocional. Conjugadas com a talha dourada, estas esculturas tiveram um papel fundamental na catequização dos fiéis, cuja prática recorria às figuras tridimensionais destes santos, enquadrados em alegorias religiosas, objectivando a tradução e a descodificação de temáticas iconográficas específicas, como o presente caso.
As imagens apresentam um certo rigor plástico, com as figuras de pé, firmes, serenamente hirtas, apresentando uma fisionomia que se queria perfeita, honestidade nos seus rostos, perfeição nos corpos, ornatos nos vestidos, providas com elementos iconográficos destinados a provocar o fascínio e o respeito, perante a massa dos fiéis iletrados, cuja apropriação garantia a sua função didáctica.
A imagem caracteristicamente mais maneirista é, sem dúvida nenhuma, a de São João Nepomuceno e que se situava primitivamente sobre uma pianha no lado esquerdo do nicho do retábulo de S. Sebastião. É em barro policromado, e actualmente encontra-se bastante descolorada. Figura graciosa, em forma serpenteada, insinuando um movimento peculiar em “S”. Mede 0.80m de altura. Está actualmente resguardada e poucas pessoas conhecem esta escultura. Não se sabe como veio parar a esta igreja, sendo a única feita em material diferente das existentes no seu espaço. Tal como S. Sebastião tambem foi um mártir, e isso poderá servir como eventual hipótese de ligação que justificasse a sua presença com esse retábulo.
Infelizmente ainda não consegui descortinar nenhum documento que nomeie os oficiais que estiveram presentes na elaboração destas esculturas, nem o ano exacto, embora se saiba que existiam escultores, marceneiros, imaginários e carpinteiros de alta qualidade em Figueiró dos Vinhos, muitas vezes contratados para laborarem noutras zonas do país, e como tal, deveriam ter à sua responsabilidade oficinas que também funcionavam como “escolas” ligadas a estas técnicas.
A Análise das esculturas que fazem parte da colecção de Imaginária do nosso Convento do Carmo, bem como a sua iconografia, é feita por mim na secção “Património – Docs”, presente neste blogue, acompanhado das respectivas fotos e legendagem das esculturas.
(Bibliografia consultada: S. ANA, feri Belchior de, Chronica de Carmelitas Descalços, Oficina de Henrique Valente de Oliveira, Lisboa, 1657, p.395; MARIA, Feri Joseph de Jesus, Chronica de Carmelitas Descalços, Tomo III, Officina de Bernardo António de Oliveira, Lisboa, 1753, p. 783; GONÇALVES, Carla Alexandra, Os Escultores e a Escultura em Coimbra, Uma Viagem Além do Renascimento, FLUC, Coimbra, 2005.
GONÇALVES, Carla Alexandra, Gaspar Coelho, Um escultor do Maneirismo, Livros Horizonte, Lisboa, 2001; PEREIRA, José Fernandes, Dicionário de Escultura Portuguesa, Caminho, Lisboa 2005; TAVARES, Jorge Campos, Dicionário de Santos, Lello & Irmão Editores, Porto, 1990; SERRÃO, Victor, A Pintura Maneirista em Portugal, Edição do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da Educação e das Universidades, 1992.)

Lugares de memória do concelho de Figueiró dos Vinhos

21 Junho 2009

O que são lugares de memória?

São lugares onde a memória se incarna, referenciando testemunhos das nossas recordações e que conferem à lembrança um carácter colectivo.
A estes lugares de memória podem estar associados objectos, instrumentos, documentos, instituições, lugares, e aos quais conferimos um estatuto referenciador da nossa vivência individual ou colectiva. O conceito pode alargar-se até desembocar na família, na nação e na etnia, cuja composição e pulsar são topografados por lugares de memória multidiversificados.
A estes espaços atribuímos recordações ou relembramos outras, como registos que fazem parte da nossa formação identitária individual e colectiva: a casa dos avós ou dos tios, a aldeia onde nasceram alguns familiares, o estádio de futebol, a ribeira onde nos banhávamos no verão, determinada igreja, um certo jardim, etc.
São locais carregados de lembranças, às quais conferimos importância para a formação das nossas histórias individuais, enquanto actores contributivos para a história colectiva, coincidente com a nossa vivência e passagem por esses lugares, em interacção com o grupo que os frequenta e lhes confere uma certa identidade com a qual nos identificamos. Por exemplo: quando andámos a estudar, grande parte de nós tinha um certo café onde era hábito reunir-se a comunidade estudantil, numa espécie de ponto de encontro comum e que desse modo era imbuído e alimentado por um certo tipo de pessoas, que partilhavam esse espaço por razões semelhantes, num “ritual” atractivo homogéneo, criando uma atmosfera com a qual se identificavam mutuamente e onde ficaram registadas memórias pessoais, intimamente ligadas ao lugar e ao nome do café, que fácilmente as reactivará cada vez que este for lembrado.
Contudo, existem espaços que tambem podem ser entendidos como referenciais histórico-colectivos, porque tiveram da comunidade ou do grupo, uma vontade simbólico-intencional de relembrar, de memoriar, de forma habitual (ou cíclica), o que a sua singularidade representa para eles, por serem espaços-lugares, que concorrem para o processo de estruturação da sua identidade colectiva.

Segundo Pierre Nora, os lugares de memória podem ser divididos em 3 grupos:

1- Lugares topográficos: arquivos, bibliotecas, museus, isto é, lugares criados para preservar documentos históricos e as heranças do nosso passado histórico e cultural.

2- Lugares simbólicos: onde se realizam comemorações, peregrinações, aniversários importantes, isto é, locais emblemáticos para a comunidade, onde tiveram lugar certos acontecimentos e que foram apropriados pela comunidade como importantes para a sua história comum, e daí essenciais para a afirmação da sua identidade colectiva.

3- Lugares funcionais: manuais, autobiografias, associações e instituições, que têm como fim preservar e divulgar acontecimentos, monumentos, personalidades, fazendo parte da memória colectiva e tidos como elementos identitários de um grupo ou comunidade.

Assim sendo, que lugares poderemos identificar como sendo lugares de memória do nosso concelho, isto é, espaços que sejam sentidos e entendidos pelos figueiroenses como locais de identificação da sua história comum, da sua memória e identidade colectivas?

Lugares topográficos: a Biblioteca Municipal, a Câmara Municipal, as Juntas de Freguesia.

Lugares simbólicos: as igrejas (da vila e das sedes de freguesia) e as (suas) procissões mais importantes do calendário religioso, o Casulo de Malhoa, o Convento do Carmo, a Fonte das Freiras, a Torre da Cadeia, o antigo Clube Figueiroense, a Casa da Criança, a Aldeia do Xisto do Casal de S. Simão, o antigo campo de Futebol “Dr. Fernando Lacerda”, o Ringue de Patinagem, o “Campo da Mocidade”, o Cabeço do Peão, a Escola Preparatória Major Neutel Abreu, o Ramal (Av. Padre Diogo Vasconcelos), as festas populares do concelho (sobretudo o S. João), as festas e romarias associadas às nossa capelas espalhadas pelo concelho e que normalmente marcam o Verão Figueiroense, etc.

Lugares funcionais: a Santa Casa da Misericórdia, a Filarmónica Figueiroense, os Bombeiros Voluntários, a Associação Desportiva, o Jornal “A Comarca”, isto é, locais onde se preserva um certo tipo de memória, especificamente associada à instituição que a representa e enforma mas importantes para a compleição da história Figueiroense.

Outros lugares existem e que entretanto serão objecto de reflexão e trazidos até aqui.

Fora deste quadro identificador podemos acrescentar outros locais, cuja simbologia e singularidade marca (ou marcou) gerações de figueiroenses, tais como: as fragas de S. Simão, a Foz de Alge, a Fonte do Cordeiro, a Quinta dos Paivas, o Hotel Terrabela, o antigo (e demolido) Café Central, certas casas familiares ligadas à história da vila, a Fábrica do Pão-de-Ló e muitos outros locais, alguns deles já desaparecidos, ou “adormecidos”.
Todavia, também é certo e justo afirmar, que a vila e o concelho nos últimos 60 anos, têm tido um mau relacionamento com a preservação da sua história e do seu património. Muitos locais desapareceram, ou foram adulterados, como por exemplo, o «Jardim Público», (“Jardim de Cima”, junto à Igreja), inaugurado em 1929 e que sofreu com a substituição dos seus bancos vermelhos e dos candeeiros em estilo “Arte Nova”, que tinham sido ali colocados no início da década de 30 e que fizeram (e faziam) parte da memória de gerações de figueiroenses, memória que não foi respeitada, sacrificados em nome de um progresso bacoco e de uma imagem desprovida de sentimento, plastificada e descaracterizada.

Este texto apenas tem como móbil despertar para esta questão: que locais temos como “Lugares de Memória” da comunidade Figueiroense? Que locais desapareceram ou foram transformados pela dinâmica da sociedade mas cujos vestígios ainda permanecem e resistem na nossa memória colectiva? E que locais foram rudemente maltratados em estratégias de renovação urbanística sem sentido?

(Fonte da Foto: site da Biblioteca Municipal. Antigo edificio onde se localizava o “Café Central”, demolido para dar lugar à CGD.)
Bibliografia: NORA, Pierre, «Memória Colectiva» in Nova História, Coimbra, Almedina, 1990; NORA, Pierre, Entre memória e história: a problemática dos lugares, Projecto História, S. Paulo, PUC-SP, 1993; JOÃO, Maria Isabel, Memória, História e Educação, Braga: Núcleo de Estudos Históricos da Universidade do Minho, 2005.

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