Os Homens que vieram do futuro

Outubro 9th, 2009

foto_192810 de Maio de 1928, banquete de homenagem ao Dr. José Martinho Simões: esta não é somente uma simples e singular fotografia tirada há 81 anos, retratando um grupo de homens, dispostos nas escadas da Igreja Matriz de Figueiró dos Vinhos, em atitude solene, numa diáfana manhã de quinta-feira, num Maio longínquo da segunda década do século passado.
O repórter do jornal «A Regeneração», que assistiu ao banquete, escreveria a 19 de Maio de 1928: “No salão Nobre do elegante Club Figueiroense, vive-se uma hora de entusiasmo franco, desmedido e inexplicável. Os homens moços estão em maioria absoluta. Há, por isso mesmo, alegria ruidosa, viva, sã, verdadeira exaltação e delírio da alma, transbordante de prazer. Erguem-se as taças de champanhe (…)”.
José Martinho Simões, advogado, natural dos Trespostos (Campelo), tinha sido nomeado há cerca de um ano, em 25 de Maio de 1927, Director Geral da Administração politica e Civil do Ministério do Interior. O banquete era uma prova de reconhecimento, por parte das “forças vivas” do concelho de Figueiró dos Vinhos (e também dos concelhos em redor) pelo elevado cargo que conseguira atingir e que desempenhava no Governo da Nação.
Contudo, servia também como pretexto para unir famílias, politicas e facções rivais em torno de uma ideia – o progresso de Figueiró dos Vinhos e da região – e, simultaneamente, assegurar continuidade e transição à politica encetada pelos «novos de Figueiró», isto é, José Martinho Simões, Manuel Simões Barreiros, Carlos Rodrigues Manata, padre António Inglês e José Manuel Godinho, iniciada dois anos antes, mitigando desta forma a perda do seu “peão” mais importante, em função da sua transição para junto do poder máximo.
A foto, olhada de relance, parece apenas uma imagem que nos revela um grupo de homens atentos à máquina fotográfica, armada a meio da calçada pelo fotógrafo Albuquerque e que por detrás do aparelho se esmera, a fim de dar o enquadramento perfeito ao grupo de notáveis que se perfilam diante de si, investindo toda a sua habilidade, para que o clichet saia o mais correcto e nítido possível.
Mas quem olha para esta foto espectacular, não se apercebe que está diante de dois tempos, aparentemente indistintos e que estes homens representam. Dois tempos nitidamente diferentes mas dispostos a tomar o mesmo testemunho. Na foto sente-se a hipnose do poder, de um poder em transição e que aquele momento retém inequivocamente, numa fiel reprodução, cujas consequências ondularão através das páginas e das décadas da história de um concelho.
O grupo olha-nos, atentos à lente que os captará e projectará no futuro, cientes do acto que recusará a omissão dos seus nomes e o esvair das suas existências, conscientes de que são os artífices de uma época, em que o futuro foi por eles imaginado, desenhado e materializado, de tal forma convicto e firme, que os sulcos das suas acções ainda hoje teimam em afrontar os nossos dias, passados 81 anos. Os ecos dos seus nomes chegam-nos de tempos a tempos transportados pelo vento que foi soprado nesse final de manhã do dia 10 de Maio de 1928, atravessando as décadas do corredor histórico, desaguando diante de nós em refluxos evocadores.
Estes homens são os protagonistas de uma gesta de vanguardistas, decalcados nos nossos registos memoriais, no porvir dos tempos, nas heranças que os testemunham constantemente e confiam nas gerações vindouras para que as suas memórias não se imolem num futuro longínquo e que agora nos pertence.
Cada vez que olho para esta foto sinto um arrepio, como se estivesse numa máquina do tempo vindo do futuro…mas paradigmaticamente já a olhar para ele, diante dele, apesar de o fazer através de um velho retrato com 81 anos de existência, porque estes homens não permitiram que o porvir fosse escrito por outros senão por eles próprios, e muito menos por nós que os contemplamos. Nós somos meros leitores das suas acções, somos meros monges copistas das crónicas que nos deixaram, e é por isso, que esta foto continua a representar o futuro, porque aquele grupo ainda hoje ali está, posando nas escadas da Igreja, como uma espécie de “velha guarda” que recusa abandonar o seu posto, firme e resoluta, juntando vontades e politicas diferentes mas com um único bastião a uni-los – os superiores interesses dos povos – e tal como o Juiz Bravo Serra faria questão de salientar no discurso que proferiu durante o banquete, ao sublinhar o verdadeiro significado daquela reunião, realçando “a formosa lição cívica – expressão duma requintada consciência colectiva”.
Outro participante no mesmo, o Dr. Manuel Simões Barreiros (e que à data ainda não era presidente da Câmara) diria também a certa altura: “À sombra da nossa bandeira, cabem todos os que amam Figueiró e pretendem o seu embelezamento”.
O futuro do concelho para esta plêiade de homens cheios de garbo, só era possível com a união de todos e, por essa razão, já tinham a premonição dos nossos olhares e à distância de 81 anos já pressentiam o nosso assombro, ainda recôndito mas confessado perante a sua acção. E sabendo disso, ali estão eles, atentos ao gesto do Albuquerque, que os avisará do “click” que os agarrará, perenizará e os fará atravessar os tempos, de geração em geração.
Em honra da memória destes homens, que só unidos souberam compreender o futuro e cuja obra se estende até aos nossos dias, fica este texto, cujo conteúdo viaja constantemente entre o passado e o futuro, como lição que não pode ser subestimada mas perpetuamente relembrada na nossa memória e história colectiva.
(Na elaboração deste artigo um agradecimento muito especial à Sra. Dª Maria Fernanda Quaresma Ferreira Dias, verdadeira memória viva do concelho de Figueiró dos Vinhos, por me ter ajudado a identificar muitos dos protagonistas desta foto, para além de me ter emprestado um exemplar original da mesma, e também à Sra. Profª Guida Pinto que colaborou nessa identificação. A foto está também disponível no site da Biblioteca Municipal, em “Figueiró em Imagens”.)

Legenda da Foto (dos que foi possível identificar): 1- José Pedro dos Santos; 2- Artur de Paiva Furtado; 3- Antero Simões Barreiros; 4- José Correia (Cast. De Pêra); 5- Zilo Alves da Silva; 6- Acúrcio Portela; 7- Manuel Nunes; 8- Artur Nunes Agria; 9- António Ferreira; 10- Guilherme Agria; 11- Alfredo Correia de Frias; 12- Bravo Serra; 13- Manuel Diniz Júnior; 14- Armando Sérgio da Encarnação; 15- João António Semedo; 16- Joaquim José da Conceição Júnior; 17- Joaquim de Matos Pinto; 18- Álvaro Gragera dos Santos Abreu; 19- Francisco António Rei; 20- José Manuel Godinho; 21- António Azevedo Lopes Serra; 22- Francisco R. Ferreira; 23- Mário Ferreira; 24- Manuel Ferreira; 25- Augusto Severino da Silva; 26- António Alves Thomaz Agria; 27- Gilberto de Paiva David; 28- Fidalgo (filarmónico); 29- Ângelo (filarmónico); 30- Joaquim Fonseca (filarmónico); 31- Carlos de Araújo Lacerda; 32- Acursio de Araújo Lacerda; 33- Camilo de Araújo Lacerda; 34- João Valadão; 35- António Eugénio da Costa Agria; 36- José Eduardo Nunes; 37- José Simões Barreiros Júnior; 38- José Belezas (filarmónico); 39- Manuel dos Santos Abreu; 40- Padre António Inglês; 41- Carlos Rodrigues Manata; 42- Mário Cid das Neves e Castro (Presidente da Câmara à data); 43- Manuel Simões Barreiros; 44- José Martinho Simões; 45- Padre José Nogueira (Presidente da Câmara de Pombal); 46- Padre José Ferreira (Pedrogão Grande). Estiveram também presentes, entre outros, Manuel de Vasconcelos (antigo presidente da Câmara) e António de Vasconcelos.
Nota: Fica a foto na esperança que os nossos leitores consigam identificar mais personagens, ou eventuais rectificações a fazer aos que se acham já identificados, agradecendo desde já a vossa colaboração nesse sentido.

Uma Resposta a “Os Homens que vieram do futuro”

  1. José Teixeira diz:

    Caro Amigo,
    Dr. José Silva,

    Tenho lido com muitíssimo interesse todos o seus artigos da nossa COMARCA, os quais tenho vindo a coleccionar. . .

    Sou natural de Pedrógão Grande e há muito que tenciono dar-lhe os parabéns pelos seus preciosos trabalhos de pesquisa e de alguma forma colocar-me ao dispor para alguma colaboração. A complexidade que se tornou a vida de professor nestes últimos anos tem-me impedido de já o ter feito.

    Recentemente li este artigo maravilhoso sobre “Os homens que vieram do futuro”. Dos quais também se poderia dizer que ansiavam e preparavam o futuro. . .

    O pedido de colaboração que deixou no final leva-me a escrever-lhe agora, numa escapadela à vida profissional e às minhas actividades do âmbito da Etnografia e Folclore.

    Em relação à fotografia pareço identificar no rosto de um jovem padre que figura entre o numero 24 e o 28, o do Rev. padre José Ferreira que foi Presidente da Câmara de P. Grande e aí paroquiou na mesma freguesia durante 50 anos e com o qual tive o prazer de conviver e que me baptizou. Pela visualização de fotos antigas onde se pode ver o referido pároco, parece não existirem dúvidas. A confirmação teria de ser feita pelas datas, mas creio que em 1928 já era pároco da freguesia de P.G. Assim que tiver oportunidade irei confirmá-lo. O Padre José Ferreira era natural de Maças de D. Maria.

    Parabéns pelo seu BLOG! Revela um grande amor por F.Vinhos e um profundo trabalho de pesquisa e dedicação à sua terra. Faço votos que seja um sucesso, na senda da divulgação e descoberta da nossa COMARCA

    Cumprimentos do amigo ao dispor,

    José Teixeira

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