O «Casulo» – Capitulo III – Terceira vida (1982 – 2008)

Setembro 30th, 2008

casulo_alcado_nascenteNa sua terceira“vida”, o “Casulo” torna-se hospedeiro de uma Associação – o Centro Cultural de Figueiró dos Vinhos – que “acolhe” generosamente e à qual oferece todo o seu poder simbólico. Acreditou que podia reerguer-se pouco a pouco, sair definitivamente do anonimato patrimonial e voltar ao convíio das gentes Figueiroenses. Voltava a sonhar com uma nova Primavera existencial. Contudo, esta renascida Primavera Cultural, dura somente cerca de uma década e o “Casulo” voltaria a enfrentar um longo e penoso Inverno cultural e patrimonial.
centro_cultural_de_figueiro_dos_vinhosEm 27 de Fevereiro de 1982, um grupo de Figueiroenses reúne-se no Salão Nobre da Câmara Municipal “com o fim de dar vida a um velho sonho da população do concelho”: fundar um Centro Cultural na Vila de Figueiró dos Vinhos. A iniciativa congrega pessoas de todos os quadrantes. A uni-las, um grande e voluntarioso entusiasmo. Nesse mesmo dia, elegem os primeiros corpos sociais da Associação, com o orgulho e o mérito de serem os fundadores de uma causa comum: Marta Forte G.Branco, João Rodrigues, Luis Filipe Lopes, Carlos Medeiros, Fernando Lopes, António Lacerda, Fernando Santos Conceição, Manuel Alves da Piedade, Padre Manuel Ventura, Fernando G. Branco e Fernando Pires, são alguns dos nomes que estiveram na vanguarda desta iniciativa. Contudo, faltava-lhes uma sede fixa e condigna, que não obrigasse a Associação a uma vida de nomadismo, para realizarem as suas reuniões e que iam sendo feitas, ora no Salão Nobre dos Paços do Concelho, ora na sala contígua do Cartório Notarial. Na fase final, as suas reuniões tinham lugar numa sala cedida pelos Bombeiros Voluntários de Figueiró dos Vinhos. À distancia, namoravam o “Casulo”, e para o qual ambicionavam transferir a sua sede, num “noivado” que já se iniciara, discretamente, pelo menos desde Abril desse ano. Simultaneamente, a Direcção desta Associação, tomava tambem conhecimento de um projecto elaborado pelo Gabinete de Apoio Técnico e que objectivava adaptar o “Casulo” a “Centro Cultural”. Desta forma, a Edilidade Figueiroense estava tambem apostada em não repetir o erro de 1937 e, conjuntamente com o Centro Cultural, traçava uma estratégia, que incluía contactos com o proprietário do “Casulo”, a fim de adquirirem o imóvel. O projecto de recuperação-adaptação para esse edificio, para além de coincidir com os desejos do Centro Cultural, estava tambem em coerência com a classificação que o Municipio conseguira para o “Casulo”, de Imóvel de Interesse Municipal, pelo Dec. 28/82 de 26 de Fevereiro. Ajudava tambem o facto, da primeira direcção do Centro Cultural, ser constituída por um grupo de pessoas com grande prestigio nos meios Figueiroenses, facto este que terá pesado na anuência do proprietário em vender a esta Associação o imóvel e, sobretudo, porque objectivava albergar uma Associação Cultural, num espaço plenamente contextualizado para esse fim. Assim, em 29 de Junho de 1984, e pela quantia de oito milhões de escudos, o “Casulo” deixava de ser propriedade privada e passava a ser sede de uma Associação de Utilidade Pública. Quase meio século depois, o “Casulo” passava por uma nova transacção. Porém, teria de aguardar a rescisão do contrato de arrendamento com a sua última inquilina, para poder cumprir em pleno a sua nova missão, dentro do seu espaço simbólico.
A mudança do Centro Cultural de Figueiró dos Vinhos da sua antiga sede, isto é, de uma sala cedida pelos Bombeiros Voluntários, para a “Casa Malhoa”, foi feita num enquadramento algo deprimente, e que nos é revelado pela transcrição da acta da reunião da Direcção, datada de 5 de Fevereiro de 1987: “Às actividades que acabamos de expôr (e que foram muitas), devem juntar-se as seguintes acções desenvolvidas no âmbito da instalação deste Centro na sua nova sede – A Casa Malhoa.(…)Tratamento e limpeza do jardim e horta anexos à casa, os quais nos foram entregues em condições altamente degradadas e cujos trabalhos foram dispendiosos e demorados. Pequenos arranjos na instalação eléctrica, sem carácter definitivo e com o objectivo de instalar as exposições atrás referidas. Limpeza das dependências interiores com o mesmo fim. Mobilamento da Sala de reuniões, já que a casa nos foi entregue sem qualquer mobiliário à excepção da mesa e cadeiras da sala de estar, a qual possui revestimento mural a pergamóide gravado com entablamento no tecto já desprovido de quadros a óleo, mas possuindo um candeeiro do principio do século. Mobilamento da Sala da Direcção(…)”.
Em 23 de Fevereiro de 1987, na sua sede do “Casulo”, tomava posse uma renovada Direcção do Centro Cultural, que viria a ampliar e a reforçar esta nova Primavera existencial do edificio. Era composta por uma equipa jovem, que profissionalmente trabalhava no Gabinete Técnico da Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos: Rui Manuel Almeida e Silva, Eduardo Kol de Carvalho (arquitecto que viera de Lisboa), José Manuel Fidalgo, Maria Adelaide Leitão e Manuela Santos Alves. Dotados com formação e sensibilização patrimonial, que iam adquirindo com os trabalhos de execução do Plano de Pormenor de Salvaguarda do Centro Histórico da Vila de Figueiró dos Vinhos, e ao qual aplicavam, inclusivamente, a filosofia das Cartas Patrimoniais Intenacionais, elegeram como prioridade a reabilitação completa e cirúrgica do “Casulo” de Malhoa. O edificio seria a base donde irradiaria um ambicioso programa cultural, e que o colocaria como ponto de encontro entre a população e a Arte, a História, o Património e a Etnografia do concelho, abrindo diáriamente as suas portas e promovendo múltiplas iniciativas. Os trabalhos de recuperação foram emblemáticos e exemplares, realizados com tecnologias e materiais tradicionais, aplicando técnicas “antigas” e repondo a sua anterior tipologia. Tudo foi recuperado, desde a cave ao sotão: paredes exteriores e interiores, telhado, portas e janelas, madeiramentos, estuques, frisos, pinturas e caiações, ferragens, lago e jardim, espaços interiores, etc. Só não se procedeu às reposições arquitectónicas originais. O “Casulo” renascia!
Na verdade, entre Fevereiro de 1987 e Junho de 1993, o “Casulo” voltou a erradiar vida, cor e luz: inúmeras exposições de temática diversificada, visitas culturais guiadas, edição de um boletim cultural “O Casulo” (com 13 edições), levantamento do património concelhio, instalação de uma biblioteca com cerca de mil volumes para consulta e estudo dos sócios, apresentação e feiras de livros, etc. Estabeleceram-se contactos com entidades nacionais e estrangeiras (Secretaria de Estado da Cultura, Fundação Gulbenkian, Instituto da Juventude, Região Turismo do Centro; Brasil, Itália e Japão), promoveram-se actividades lúdicas e recreativas, realizaram-se as Festas Populares (S.Martinho, Sto. António, S. João), construiu-se um coreto e anfiteatro nos terrenos adjacentes do “Casulo”, e que inclusivamente, chegou a ser visitado pelo então Primeiro Ministro, Anibal Cavaco Silva. Promoveram-se Programas diversos: Ocupação dos Tempos Livres; Apoio ao Associativismo e Apoio aos Trabalhadores Desempregados. Um grupo de Professores de Artes Plásticas, de Lisboa e do Porto, ofereceu um conjunto de vinte paineis e que vieram a colmatar o vazio existente na sala de visitas do “Casulo”. Aquela casa voltava a ser frequentada, novamente, por um espirito “inquieto”, sonhador e profícuo. No seu apogeu, o Centro Cultural contava com cerca de 300 sócios.casulo_de_malhoa_com_claraboia_do_atelier
O grupo que esteve na base deste sucesso associativo, e que tanto se repercutiu no “Casulo, entre Fevereiro de 1987 e Junho de 1993, decide passar o “testemunho” a um novo grupo de jovens cheios de entusiasmo e convicção. Estes, herdavam uma herança demasiado pesada mas cuja essência aceitaram prosseguir e sustentar. Assim, em 11 de Junho de 1993, é eleita uma nova Direcção do Centro Cultural, e que seria a última Direcção eleita daquela Associação, e a avaliar pelo Livro de Actas da Assembleia Geral.
Na primeira fase da sua gestão directiva, a Associação ainda conseguiu levar a efeito algumas iniciativas importantes, mantendo o brilho e o fulgor do “Casulo”. Todavia, não possuo elementos concretos e que me permitam avaliar, documentalmente, o desempenho desta última Direcção, mas tão somente uma Acta (cheia de entusiasmo) lavrada no Livro de Actas da Assembleia Geral, de 29 de Dezembro de 1993, e cuja leitura nada fazia prever ou adivinhar o que se passaria lá mais para a frente no tempo, e na vida do “Casulo”, e cuja história teria um final triste e desolador. Assim, passados alguns anos, e surpreendentemente, as portas do “Casulo” voltariam a fechar, reflexo de uma óbvia desmotivação por parte do grupo associativo, que se percutia na ausência de programa orientador e de acções concretas por parte do Centro Cultural. Gradualmente, ia tomando também forma o espectro visível de uma nova degradação fíisica do “Casulo”, levando a Direcção do Centro Cultural, a candidatar-se aos fundos do PIDDAC (Programa de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central) constituído por valores do Orçamento do Estado, na alçada do então Ministério do Planeamento, que possibilitaria intervir na recuperação física do edifício, e cuja candidatura o Centro Cultural apresentou em 1998, tendo sido aprovada pela Direcção Geral das Autarquias Locais. Entretanto, e mais recentemente, a Direcção Geral das Autarquias Locais solicitava à Associação a devolução do adiantamento que esta recebera, acrescidos dos respectivos juros de mora, por não ter havido (até essa data) prova da aplicação da verba. Desta forma, e dado que a verba não foi devolvida, o Estado, inevitavelmente, executou a penhora do “Casulo” e dos seus terrenos anexos, para pagamento da divida. Com a execução da penhora pelo Ministério das Finanças, em Maio último, a Câmara Municipal usou do direito preferencial, que lhe assistia para o resgate do imóvel, e “salva” o “Casulo” do risco que este incorria em se transformar, novamente, numa propriedade legitimadora de poderes pessoais. O resgate deste património custou aos cofres da Câmara 160 mil Euros.
Neste momento, encontra-se em curso um plano cultural denominado “Rota de Malhoa”, e que inclui os municipios de Figueiró dos Vinhos, Caldas da Rainha, Alpiarça (Casa dos Patudos) e Lisboa, que tem o seu ponto central e unificador nas potencialidades naturalistas da região e no seu património integrado. Focaliza-o e contextualiza-o as potencialidades culturais, disponibilizadas pelo espólio fisico, material e memorial de José Vital Branco Malhoa. Que sítios e locais lhe aguçaram a inspiração, que gentes, usos, costumes e tradições subsidiaram a sua alma criadora e que vestígios testemunhais ainda é possível detectar para melhor compreendermos a extensa obra que nos deixou.
O Município prepara-se, igualmente, para fundar um Museu de Arte Naturalista, que funcionará como “Escola”de divulgação das artes e que, principalmente, acolherá e despoletará paixões para as questões do património concelhio, que urge recuperar, inventariar, classificar, monografar, mostrar e divulgar, objectivando concentrar “ todo o património histórico que está disperso por vários pontos do concelho”, dando-o a conhecer a todos.
É necessário, devolver ao “Casulo”, e de uma vez por todas, a sua dignidade e o fim para o qual foi criado, tentando reencontrar nele o quotidiano do pintor, as tradições materiais, imateriais e memoriais da casa onde viveu, e onde tambem se tornou imortal.
O futuro Museu Municipal (e cujo ivestimento rondará os 900 mil Euros), será implantado nos terrenos da horta pertencentes ao “Casulo”, possibilitando uma dinâmica umbilical ao espaço memorial dessa casa. As essências do “Casulo” e do Museu Municipal alimentar-se-ão recíprocamente, num axioma mediático comum, articulado em redor dos mesmos valores fundamentais: manter, conservar e reabilitar constantemente o património, como actos de cidadania, em reconhecimento de uma memória colectiva, que diz respeito a todos, e longe de elitismos redutores.

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