Donos da memória: 0 /// Biblioteca Municipal: 2

Maio 7th, 2009

Os donos da memória… tesouro2
Há quem pense ser dono da nossa memória colectiva, pela quantidade de elementos patrimoniais que detêm “à sua guarda”. Coleccionadores particulares que têm de tudo um pouco: livros, jornais, correspondência, postais, fotografias, pintura, escultura, azulejaria, arte sacra e por aí fora, formando pequenas galerias arquivísticas e musealizadas e que na maior parte não passam de meras “galerias de curiosidades”, que utilizam para seu usufruto e que raramente cedem a quem quer que seja, independentemente do objectivo, muitas vezes nobre, que acompanha o pedido de empréstimo, com intuitos académicos, de investigação e de consulta documental. Em suma, é quase sempre difícil conseguir alguma coisa de alguns coleccionadores privados.
Não questiono os seus direitos sobre o património que detêm junto de si, nem sequer contesto o direito que têm em cedê-lo ou não, apesar de saberem que, nalguns casos, a “cedência” passaria apenas por uma simples consulta para fins meritoriamente académicos. Pois muitos deles nem isso permitem.foto_cab-peao
O que eu questiono é o despeito e a soberba com que “se agarram” a esses objectos, como se todo o património que reúnem lá em casa lhes conferisse um estatuto especial, acima do natural interesse histórico e colectivo. São meros donos de objectos (valiosos), a que não dão uso nem utilidade, a não ser para o seu ego, que “enriquece” em vaidade para consumo próprio. Todavia, têm que ter consciência de duas coisas: que não se podem julgar proprietários de pedaços da história e que o seu método para a preservar, mantém prisioneiros valiosos testemunhos, que dela emanam, entre as paredes dos seus escritórios privados.
Felizmente, que as novas tecnologias, aliadas à competência de algumas instituições públicas, vão esvaziando pouco a pouco a “soberba”, com que alguns coleccionadores particulares orientam, gerem e administram as colecções que detêm. carnaval73
Aponto o grande exemplo da Biblioteca Municipal de Figueiró dos Vinhos, que tem levado a cabo um trabalho meritório de investigação, pesquisa, compilação e divulgação de algum Património Figueiroense, colocando-o livremente à disposição de todos e sem restrições de espécie alguma. Refiro-me à belíssima colecção que reúne TODA a Imprensa escrita que se publicou no concelho de Figueiró dos Vinhos, desde finais do século XIX até à actualidade, num total de 33 títulos Jornalísticos, que representam centenas de números editados e que totalizam 22 000 páginas digitalizadas. Eu próprio tenho-me valido desse espólio documental (fabuloso) tanto para os meus trabalhos académicos e pessoais, como para saciar simplesmente a sede de recordar coisas do nosso passado colectivo. Isto é, há um retorno concreto e recíproco, entre uma Instituição Pública (neste caso a Biblioteca Municipal de Figueiró dos Vinhos) e os seus utentes, num intercâmbio que capitaliza o serviço que essa Instituição presta, servindo a generalidade da comunidade de forma altruísta, obedecendo ao compromisso de divulgar (ao máximo) o acesso à leitura e à cultura e, simultaneamente, contribuir generosamente para os estudos da história local e regional, em linha com um projecto ainda mais ambicioso: construir um imprescindível e necessário «Fundo Local», que reúna um grande espólio documental, de tipologia diversificada e que sirva estudantes, investigadores e os utentes em geral.foto_mercado
Outra iniciativa de louvar por parte da Biblioteca Municipal, é o enorme espólio fotográfico que está neste momento a reunir e a compilar, com o apoio de entidades públicas e privadas e, principalmente, de muitos particulares, que não hesitando em associar-se de forma generosa a esta iniciativa, colocaram à disposição da Biblioteca Municipal centenas de fotos, que cobrem todo o século XX figueiroense e cuja digitalização tem enriquecido, constante e diariamente, um “banco” valioso de imagens, que ilustram memórias e identidades da nossa história concelhia e que podem ser consultadas na secção (designada «Figueiró em Imagens») da página web da Biblioteca e cujo link associei a este blogue.

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Concluindo, há uma grande diferença de atitudes, entre aqueles que persistem em reunir, quase só para si, todo um património que é do interesse colectivo, e a acção da Biblioteca Municipal: os primeiros, apesar dos seus esforços, continuam a consentir que grande parte do nosso passado colectivo continue “amnésico” ou “anónimo”, porque só eles continuam a ser detentores dos seus “segredos”, a segunda, tem a sábia ousadia de arrancar esse passado das entranhas que o mantinham em coma, esquecido e subestimado, trazendo-o para um espaço comum e público, até junto da nossa memória colectiva, permitindo-nos recordar aquilo que fomos, para entender aquilo que somos, como referência ligadora e dinâmica, em direcção ao futuro.regeneracao
Quando temos uma Biblioteca Municipal, com a envergadura da de Figueiró dos Vinhos, há sempre a opção de, prioritariamente, concorrermos para a sua fortuna.

uniao-figueiroense
Talvez tenha chegado a hora de começarmos a pensar conjuntamente e menos individualmente.

Uma Resposta a “Donos da memória: 0 /// Biblioteca Municipal: 2”

  1. Rodrigo diz:

    Na verdade, até o próprio Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, que, recordemos, veio até nós por convite da jovem Denise, apontou as qualidades da Biblioteca de Figueiró, salientando sobretudo a preocupação pela preservação dos arquivos históricos, como alicerces da nossa memória.
    Por outro, Marcelo Rebelo de Sousa escreveu no semanário Sol que a Biblioteca de Figueiró mostrou o caminho a seguir às demais congéneres, pela aposta nos novos instrumentos multimédia, que são por seu turno, alicerces do nosso futuro.
    Estou de acordo com o TóZé: há que dar mérito a quem o tem!

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