A Mariana do Casal de S.Simão (1903-2002)

Maio 2nd, 2010

mariana2Chamava-se Mariana da Silva. Nasceu, cresceu, casou, teve filhos, enviuvou e morreu com quase 100 anos de idade. Nasceu no Casal de S. Simão em 16 de Fevereiro de 1903, casou com 25 anos (1928) e faleceu poucos meses antes de completar um século de existência (finais de 2002).
Esta Mulher conheceu somente o restrito mundo onde gravitava a pequena aldeia de Casal de S. Simão, onde viveu toda a sua vida. Uma aldeia serrana beirã, onde o quotidiano era feito à força do trabalho na terra, de sol-a-sol, entre o pastoreio, as hortas, a floresta, a ribeira, o moinho, o lagar, o forno, a eira, a casa humilde, o carrego do estrume e a fecundação das leiras e botaréus. (A mesma vida que levaram as minhas avós e que transporto também no meu *ADN*). Casou com Domingos Jorge e com ele ergueu uma familia que criaram nessa aldeia, na primeira casa, logo à entrada da povoação, do lado esquerdo.
Aqui ficam três tempos diferentes de um rosto, esculpido entre a sua adolescência (foto da esqª), o dia do seu casamento (foto central) e as vésperas da sua morte.
O que é que fica de vidas como esta, como a de Mariana? Quanto tempo dura a chama de uma vida? E quem são os escultores e os artesãos do tempo que moldam as nossas? No entanto (e segundo os testemunhos dos seus familiares) sei que Mariana nunca desistiu de semear sonhos nas suas memórias, da mesma forma obstinada com que semeava as hortas no viço da sua vida.
Aqui fica a minha singela homenagem a todas as “Marianas” deste país, e pelas quais me inclino com admiração.

3 Respostas a “A Mariana do Casal de S.Simão (1903-2002)”

  1. Rodrigo diz:

    Quem sabe se não foi mais feliz do que muitos que correram mundo… Por vezes, as coisas simples são as mais difíceis de alcançar.
    Uma bela homenagem, que sinto especialmente, dado que também a minha avó se chamava Mariana.

  2. Sofia Leitão diz:

    Mariana poder-se-ia chamar outro nome qualquer….poderia viver numa aldeia outra do nosso Portugal mais profundo, belo pelo singelo, pela intocabilidade do modernismo mas, não podemos jamais esquecer, marcado pelo analfabetismo e pela impossibilidade de opções.
    Será bom viver no campo e do campo se dele pudermos sair e julgo que a esta mulher nunca ninguém terá estendido as palavras “queres vir?”…

    Vivi o cheiro das uvas na parreira, uvas morangueiras daquelas que dão cabo da barriga quando as comemos nas tardes solarengas de verão… corri alguns beijos nas descamisadas do milho em eiras perdidas no tempo, e sortuda que era recebia a espiga vermelha, carregada de invejas, das que percebiam as significâncias do beijo e eu então com oito nove anos ficava feliz apenas pela cor! Depois percorriamos a aldeia atrás do Homem do Acordeão, o pai da Paula, que nos fazia rodopiar os estômagos esquecidos de jantar…
    Carregal Cimeiro, perdeu a luz, o som, a jovialidade. E eu graças a Deus parti e por ter apenas 40 anos não me tornei uma Mariana.

    Respeito-a, respeito-as, tive uma avó “Mariana” (devota a Nossa Senhora Também) mas agradeço todos os dias ter tido a oportunidade de viver uma vida diferente da dela…
    Marias, Marianas, mulheres do início do século XX… Quão difícil deverá ter sido viver na sombra do poder dos Homens, vinho a falar em estalos abafados, filhos a limpar narizes nas saias rotas, e muitas, muitas, muitas… a sorrir enquanto carregavam nas cabeças cheias de dor, bacias de roupa para branquar no lavadouro e onde as lágrimas correriam em segredo para a fonte onde de seguida se encheriam os cântaros lá de casa…
    Obrigada Tozé por mais uma crónica belíssima!

  3. Começo por saudar o autor da reportagem e agradecer a partilha desta homenagem a que me associo, se me permite.
    Depois, concordar com o comentário anterior, de que a felicidade às vezes está realmente em valorizar as coisas simples e em procurarmos ser felizes com o que temos sem, obviamente, deixar de sonhar. Pelos ares desta nossa Mariana, ela sonhou e de que maneira…! Aquela aldeia é linda!
    Boas crónicas!

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