O vanguardismo de Figueiró dos Vinhos há cerca de 50 anos

Novembro 29th, 2009

publicid_anos_50_60Regista-se, que em meados da década de 60 do século passado, havia em Figueiró dos Vinhos os seguintes estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços: 10 armazéns de lanifícios; 2 armazéns de malhas e atoalhados; 12 estabelecimentos de fanqueiro (comerciantes de fazendas de algodão, linho, lã, etc); 15 mercearias; 3 casas de materiais de construção; 3 serrações de madeiras; 1 indústria de recauchutagem de pneus; 2 fábricas de lanifícios; 2 fábricas de cerâmica; 2 padarias; 5 cafés; 1 hotel; 3 pensões; 5 casas de pasto; 10 sapateiros; 1 correeiro; 1 ferrador; 4 barbearias; 2 casas de artigos eléctricos; 2 ourivesarias; 3 papelarias; 3 farmácias; 1 drogaria; 1 lavandaria-tinturaria; 4 alfaiatarias; 7 modistas; 2 depósitos de tabaco; 3 estúdios de fotografia; 2 estações de serviço de combustíveis; 2 agências bancárias (BESCL e CGD); 4 oficinas de reparação automóvel; 1 Escola de Condução; 1 colónia de férias (do BNU); 4 lagares de azeite; 1 destilaria de aguardente; 3 aviários; 2 talhos; 2 casas de bicicletas; cerca de 50 tabernas; 2 centrais de despachos com ligação à C.P; 8 táxis; 1 empresa de camionagem (“das de maior percurso”); 1 Hospital sub-regional; Escola “Secundária”; Casa do Povo; Tribunal Judicial; Casa da Criança; Estancia de Turismo classificada.
Assim, no início da década de 60 do século passado, Figueiró dos Vinhos vivia um período de algum progresso comercial e industrial. A vila – e o concelho – proporcionava aos seus habitantes um leque variado de estabelecimentos de comércio, indústria e serviços quanto bastasse, permitindo-lhe ser auto-suficiente em torno da sua própria economia local. Não se pense que tudo girava em meia-dúzia de monopolistas que açambarcavam a oferta de mercado. Antes pelo contrário, confirma-se que havia concorrência sobretudo na vertente comercial. À população era facultado um leque variado e diversificado de escolha. Mas o melhor de tudo isto, é que rareavam as falências ou o encerramento compulsivo de lojas comerciais por falta de clientes ou por míngua do negócio. Tal como é vulgar dizer-se, “dava para todos!”
Quem não se lembra, do corrupio dos empregados dos “armazéns de fazendas” que se gerava ao final das tardes, munidos de carrinhos de rodas carregados de encomendas, cirandando na Rua Dr. Manuel Simões Barreiros rumo à “estação das camionetas” ou aos Correios, para serem despachadas?!
Quem não se lembra do cheirinho a café fresco, que emanava do interior das mercearias, e das contas feitas a lápis no pacote de papel pardo, onde o merceeiro acondicionava o açúcar, a farinha, etc, a peso?!
Quem não se lembra dos “galões” e dos “bolos de arroz” que se lanchavam num certo café, que ficava por debaixo dos Correios, onde hoje fica a Caixa Geral de Depósitos?!
Quem não se lembra do apito das sirenes das serrações de madeiras, tão característicos, marcando o horário de trabalho?! Quem não se lembra do “paquete” à porta do Hotel Terrabela cumprimentando quem passava?! Quem não se lembra da barbearia do Sr. Manuel Rosa e do cheiro a after shave que dela emanava, de cada vez que lá entrávamos para comprar o jornal?!
Quem não se lembra das carroças e das carrinhas carregadas de azeitona rumo aos lagares, e do cheiro característico da laboração lagareira?!
Eu lembro-me de tudo isto! Contudo, as gerações mais novas já têm outra dimensão imagética da vila Figueiroense, e para eles nada disto detém carga nostálgica, como para aqueles que viveram de perto estes tempos mais recuados, cuja memória e identidade individual são seduzidas de forma automática, por uma esquina, um nome, um símbolo, uma rua, um odor e que fazem despoletar fácilmente as nossas recordações, principalmente às gerações “de outros tempos”. A recordação é um processo dinâmico, centrado e despoletado por motivações individuais, cujos arquivos estão encerrados na memória individual de cada um, de acordo com a sua vivência no seio de uma comunidade, num certo lugar e numa certa época. Todavia, a chamada «memória colectiva», é o registo de uma série de factos e acontecimentos que as comunidades pretendem preservar, a fim de os transmitirem às gerações futuras, para que estas saibam donde vêm, a quem “pertencem”, e que lhes sirvam de referência na construção das suas identidades individuais, motivando-os a darem continuidade e vitalidade à comunidade de origem.
Desta forma, e para que conste também na memória das gerações mais novas, aqui fica o registo de uma certa vitalidade “buliçosa”, de um certo empreendedorismo corajoso, de uma certa originalidade dinâmica, de um certo investimento apontado na direcção certa, que se foi fomentando, subsidiando, apoiando, gerando, reproduzindo, até vingar numa certa época, numa certa conjuntura, e que identificava esta vila, há cerca de 50 anos, como uma “vila de vanguarda” para a região. De lá para cá, o que é que se perdeu? O que é que se ganhou?
Também é certo que o concelho não dispunha de piscina municipal, praias fluviais, pavilhões gimnodesportivos, postos médicos nas freguesias, boas acessibilidades (IC8), etc. Mas também é verdade, que tais infraestruturas não chegaram para fixar ou atrair população ou impedir que o comércio e a industria local definhem desalentadamente. Acho que andamos todos errados há imenso tempo. Alguma vez existiu uma estratégia de desenvolvimento local sustentado para o concelho? Sabemos quais são os nossos agentes de desenvolvimento local? Estão identificados? Há um programa de intervenção claro e estruturalmente delineado, para os potenciais intervenientes sociais e económicos do concelho? E quem são esses intervenientes, estão definidos? Os investimentos públicos são estruturantes e interligados com a especificidade do concelho e com possíveis investimentos económico-privados ou publico-privados? Quais são as características e potencialidades económico-sociais do nosso concelho? O que tem impedido e condicionado os investidores para não investirem no nosso concelho? O mapa económico do concelho e da região está identificado? Em suma, saber quais são os factores que têm estrangulado o desenvolvimento do concelho? E quais os que têm sido subestimados? Este conjunto de questões é a minha humilde contribuição para o debate.
Lembro contudo, que o concelho Figueiroense tinha nas décadas de 50-60 cerca de 12.000 habitantes, e que só a freguesia de Figueiró dos Vinhos possuía cerca de 6.000 residentes, quase tantos como aqueles que actualmente habitam em todo o concelho. Assim sendo, são dessa época os números que apresento, relacionados com o comércio, a indústria e os serviços e que granjearam vitalidade à vila e ao concelho, para que se recordem dinamicamente, sem saudosismos bacocos, mas sobretudo para que sirvam como objecto de reflexão em torno do que queremos para o futuro das nossas terras do interior beirão, e que tem de ser necessariamente encadeado com o nosso passado, com a nossa identidade, com os nossos recursos endógenos e com tudo aquilo que pode brotar deles e de nós.

(Nota: a imagem inserida neste artigo, contém anuncios publicitários da década de 50 e 60)

2 Respostas a “O vanguardismo de Figueiró dos Vinhos há cerca de 50 anos”

  1. Miguel Peres diz:

    Caro Tó-ze

    Ao ler este texto, apesar de eu já apanhar esta década no seu final, surgiram em mim recordações que jamais esquecerei.
    O cheiro a terra molhada nas primeiras chuvas de outono, os interminaveis dias de chuva no inverno, o acordar na primavera com o barulho da máquina de sulfatar (já mecanica) do caseiro do Sr. Simões Pereira.
    As Rosas selvagens que nasciam nos muros, Barreiro acima, que por vezes colhia prá minha mãe quando vinha da escola.
    E mais, muito mais…
    Sem nostalgias, acho francamente que erámos todos mais felizes, novos e velhos, o tempo era nosso aliado, hoje fazemos dele inimigo.

    Com um Abraço

  2. Jose Gomes diz:

    Amigo
    Hoje que faço 48 anos estou numa “crise” de nostalgia :-) mas nessa crise e a procurar Figueiró na net, não posso deixar de referir que visitei Figueiró há cerca de 12 anos – quando se faziam provas de motonáutica numa barragem perto. A sensação da altura era que parecia estarmos parados no tempo, mas a olhar para isso Hoje fica uma nostalgia e um aparte ao Miguel Peres ( será que não é o tempo que faz de nós vitimas…?)

    Saudações

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