Há 80 anos, um sonho: «Figueiró dos Vinhos – Estância de Turismo»

Julho 13th, 2009

* FESTAS DE S. JOÃO DE 1929 *

programa_festasHá 80 anos atrás, em Junho de 1929, Figueiró dos Vinhos fervia de expectativa e de entusiasmo perante as estrondosas festas de S. João, que eram anunciadas aos sete ventos concelhios com pompa e circunstancia e sob o patrocínio de quatro entidades: Câmara Municipal, Comissão de Turismo / Associação Comercial e Industrial e Comissão das Festas Religiosas.
«O povo de Figueiró, prepara-se com galhardia, a fim de receber as ilustres Autoridades do nosso distrito, expressamente convidadas pela Câmara Municipal e Comissão de Turismo para assistirem às nossas festas do S. João que terão lugar nos próximos dias 23 e 24», lia-se na “Regeneração” cerca de duas semanas antes dos festejos.
Prometiam-se festas dum brilho nunca visto, com vistosas ornamentações, inéditas iluminações eléctricas, bandas de música, fogos de artificio dos primeiros pirotécnicos do país, gyncana de automóveis, batalha de flores, danças populares e interessantes festas desportivas, etc, e tudo isto num ano em que o comércio da vila e a economia em geral atravessavam um momento difícil.
A “Regeneração” incitava ao bairrismo e à união de todos os figueiroenses que se orgulhavam da sua “Sintra do Norte”. Para as festas, para além das autoridades administrativas do distrito, foi igualmente convidada toda a Imprensa de Leiria, para assistir a este vibrante e intenso espírito bairrista, fruto da união «dos valores do comércio, da indústria, das forças vivas e de todos quantos ambicionam garantir a Figueiró dos Vinhos um nome alevantado».
O ponto alto das festas era a inauguração do “Jardim Público” (o Jardim Parque seria inaugurado no ano seguinte) e o lançamento da primeira pedra para a construção das Casas dos Magistrados (hoje “Casa da Juventude”). Para além destes dois acontecimentos primordiais, reavivava-se também a inauguração da luz eléctrica na vila «levada a efeito pelos homens desta situação» (na pequena central da Lapa da Moura), inaugurada cerca de três meses antes (a 31 de Março de 1929), bem como a construção da ponte das Bairradas, que representava a ligação com o distrito de Castelo Branco.
Encarregou-se a Filarmónica Figueiroense de iniciar as festas no Domingo, dia 23, saudando a vila às primeiras horas da manhã, “com um esplêndido passo dobrado”. Seguidamente comungaram 143 crianças, a quem foi tambem servido um “jantar”por “senhoras elegantes e gentis”. Entretanto, chegavam os atletas e a Filarmónica de Pombal, que desfilaram conjuntamente com a Filarmónica Figueiroense pelas ruas da vila, culminando com um esplendoroso concerto no coreto. À tarde foi a vez das provas desportivas: lançamento do disco, lançamento do peso, corridas de 80m e de 150m, “luta de tracção”e futebol (tendo vencido a equipa do Sporting Clube de Pombal, por 2-1, a quem foi entregue um troféu de prata). O campo de jogos esteve sempre apinhado de gente, dada a novidade de algumas modalidades desportivas ali disputadas. Quando caiu a noite, as ruas engalanadas brilharam etereamente com a luz eléctrica, sobretudo o Ramal (Av. Padre Diogo Vasconcelos) que, para o povo, apresentava um aspecto deslumbrante e mágico. O Sr. João Luis Nunes do Carapinhal encarregou-se do fogo de artifício, entretendo a população, que dançou e cantou até de madrugada. Na segunda-feira, 24 de Junho, as comemorações revestiram um ar mais solene, dada a presença das autoridades e personalidades distritais. Coube à Filarmónica Pombalense acordar a vila logo pela madrugada (se é que alguém dormiu nessa noite). Figueiró amanhecia nesse 24 de Junho de 1929, orgulhoso e revestido com um aspecto citadino, com a chegada de muitos carros, camionetas e “camions”, carregadas de forasteiros que não queriam perder os festejos figueiroenses. Entretanto, na igreja matriz decorria a festa religiosa a S. João. No púlpito, o Padre António Inglês, proferia um eloquente e brilhante sermão, com a sua voz poderosa e sonante, comovendo toda a assistência. Depois do almoço, às 15h, formou-se um cortejo para esperar o Governador Civil do Distrito de Leiria e demais autoridades que o acompanhavam. Eis que chegam os ilustres convidados e as duas filarmónicas tocam “A Portuguesa”, enquanto o cortejo, num mar de gente que vai ovacionando os ilustres convidados, se encaminha a pé e a custo para a Câmara Municipal. No salão nobre, o Presidente da Câmara, Dr. Mário Guimarães Cid das Neves e Castro, faz o elogio aos convidados, ao qual o Governador Civil agradece. Este, no seu discurso, aproveita também para elogiar uma personalidade Figueiroense, a quem, segundo ele, também se deviam as presentes obras: o Dr. José Martinho Simões e que nessa altura já se destacava na nova e emergente politica nacional. Por toda a sala reboam salvas de palmas, ovações, “vivas” e aclamações entusiásticas. Seguidamente procederam-se às inaugurações, iniciando-se estas pelo “Jardim Público”, onde o Dr. Manuel Simões Barreiros (Presidente da Comissão de Iniciativa) convida o Governador Civil “a soltar o laço que vedava aquele elegante recinto”. Já no Barreiro (actual Rua Major Neutel Abreu) o ilustre convidado lança a primeira pedra para a construção das Casas dos Magistrados.jardim-publico_1_jpeg
De tarde e depois da procissão seguiu-se a “batalha das flores”, com um corso automobilístico que percorreu o Ramal, provocando uma intensa chuva floral multicolorida, despertando um entusiasmo delirante na multidão espectadora. O carro mais bem enfeitado e vencedor deste festival foi o de Martim Luiz Garcia, que alegorizava um moinho com três jovens moleirinhas “capazes de pôr à roda a moleirinha de qualquer mortal”. Seguidamente realizou-se a Gymcana, que tinha a particularidade das viaturas serem conduzidas por senhoras, prova que foi presenciada e aplaudida “por milhares e milhares de pessoas”. O primeiro prémio coube ao carro conduzido pela “mademoiselle” Maria Luísa, o segundo prémio foi para um casal de condutores de Alvaiázere e o terceiro para uma jovem de Pombal e cujo co-piloto era de Leiria. O júri era constituído pelo Delegado da Comarca e por personalidades de Castanheira de Pêra e Pedrogão Grande. batalha-flores_2_jpeg
Nesta segunda-feira, apesar das iluminações terem sido prejudicadas com a ruptura do dique da Barragem da Lapa da Moura, que não aguentou tanta pressão (mantendo-se as iluminações à moda do Minho), os festejos fecharam com um grande banquete para 50 convidados, iniciando-se por volta das 21h e só terminando madrugada dentro, culminando com um esplendoroso fogo de artificio de Viana do Castelo. Para além dos convidados ilustres, é referida a presença de algumas personalidades figueiroenses e que estiveram igualmente nesse banquete, ou na “Comissão de Honra” dos festejos, naquele ano longínquo de 1929. Homens que marcaram uma época, frutos do seu tempo e da conjuntura histórica que então se vivia mas que muito contribuíram para concretizar os sonhos de um concelho que queria “viver, marchar e progredir”, vencendo os incrédulos e os cépticos, que ainda hoje não acreditam na dinâmica das sociedades. Homens estes que representavam uma nova filosofia de exercício do poder, de um novo poder que já se erguia no horizonte concelhio, à semelhança com o que acontecia a nível nacional. Homens de partidos diferentes, homens de condição social diversa mas que se uniam em torno de vontades firmes e que marcariam a memória e a identidade Figueiroense durante as décadas seguintes, entre os quais: Dr. Mário Guimarães Cid das Neves e Castro (Presidente da Câmara), José Manuel Godinho (vice-Presidente da Câmara), Dr. José Martinho Simões (na altura Director Geral do Ministério do Interior), Dr. Manuel Simões Barreiros (Presidente da Comissão de Iniciativa e futuro presidente da Câmara), Padre António Inglês, Dr. Manuel de Vasconcelos (ex-Presidente da Câmara e responsável pela construção da estrada distrital entre Pombal e Figueiró dos Vinhos), Dr. Diniz de Carvalho, Tenente Carlos Rodrigues Manata (futuro vice-Presidente da Câmara e Administrador do concelho), Manuel dos Santos Abreu (Administrador do Concelho e que viria a ser tambem vereador), Francisco Rodrigues Ferreira (Comissão de Iniciativa e Associação Comercial), Joaquim Matos Pinto, António Alves Tomaz Agria, João António Semedo, José Pedro dos Santos, Joaquim Estêvão Rodrigues, João Luiz Júnior (proprietário do Hotel Comercial da vila), Antero Simões Barreiros, Joaquim José da Conceição Júnior, Augusto Severino, entre outros nomes que vincaram a história do nosso concelho nestes tempos em que a politica se utilizava num «combate pelo conforto do povo, pelos interesses do concelho, pelas aspirações, progresso e prosperidade da linda Cintra do Norte do distrito de Leiria», com todos eles sentados à mesma mesa, há oitenta anos atrás, num simbólico “S. João”, padroeiro de Figueiró dos Vinhos.cartaz_festas2
(Citações e fonte documental: Jornal «A Regeneração», Maio e Junho de 1929. Fotos: arquivo pessoal do autor e Jornal “A Regeneração”).

2 Respostas a “Há 80 anos, um sonho: «Figueiró dos Vinhos – Estância de Turismo»”

  1. Paulina Martins diz:

    Obrigada por esta interessante recolha histórica.
    Bons tempos em que as festas de Figueiró dos Vinhos tinham um acompanhamento de gente de alta qualidade!

  2. Felizardo Martins diz:

    Amigo Tozé, descobri o teu Blog por acaso e partilho a opinião da Paulina, “Interessante recolha histórica”..mas não sendo eu tão velho como isso e não querendo ser saudosista …não posso resistir e aplicar a frase dos nossos avós ” antigamente parece que tudo era mais Bonito” o tempo passou rápido, prova disso a nossa idade..no entanto tudo o resto pareçe ter parado no tempo!!

    Um Abraço

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