Um “herói” incómodo: Dr. Manuel Simões Barreiros

Fevereiro 12th, 2008

manuel_simoes_barreiros_e_amigosManuel Simões Barreiros era filho de um simples comerciante e nasceu em 1894 no lugar do Fontão Fundeiro, freguesia de Campelo. Aos 12 anos acompanhava o pai atrás de uma carroça, a comerciar por terras de Trás-os-Montes, vida que levou até aos 16 anos, altura em que se cansou de saborear essa existência dura, de saltimbanco de feira em feira, feita por caminhos inóspitos e rudes.
Decidido a conquistar melhor futuro, matriculou-se no liceu com 16 anos. O certo, é que volvidos dez anos (1920) saía da Universidade licenciado em Medicina, com a classificação de Bom. Fizera em dez anos o que normalmente levaria treze anos a fazer. dr_manuel_simoes_barreiros1
Nesse mesmo ano de 1920 foi nomeado médico municipal de Figueiró dos Vinhos. Não tardou em romper com antigas práticas médicas e a impor novos métodos e conceitos de fazer clínica, incluindo cirurgia, numa espécie de revolução da saúde que encetou entre as nossas gentes. Percorria distâncias enormes numa região onde a melhor maneira de locomoção era o cavalo. Saía muitas vezes de casa madrugada alta e regressava pela noite fora. Muitas vezes nem tempo tinha para as refeições.
Em 1923, era tal a solicitação dos seus serviços e o aumento de doentes, que foi obrigado a adquirir um automóvel para se deslocar. Nunca recusou em acorrer à aldeia mais remota, inclusivamente nos concelhos vizinhos. A vida naquele tempo era dura. As maleitas eram muitas! Deste modo, palmilhou estas terras que conhecia como ninguém e teve assim a oportunidade de contemplar a vida do seu concelho, nascendo-lhe a vontade de “reformar isto tudo!” (citações do próprio), ir mais alem, fora do âmbito restrito da sua vida de médico de província.
Nas palavras dele: “sentia-me atraído para uma obra que visionava grande e que era necessária”, numa ânsia de melhores dias que almejava para a sua terra. Queria e sentia, o dever de lançar obras “para que todo o concelho se desenvolvesse sob os mais diversos pontos de vista, quer materiais, quer políticos, quer sociais”. Para enfrentar esta áspera luta da mudança teve com ele grandes nomes a que soube aliar-se: Dr. José Martinho Simões, Tenente Carlos Rodrigues Manata, José Manuel Godinho, Padre António Inglês, Mário Denis Ferreira, entre outros.
Lembro, que naquele tempo para se ir a votos, para alem da coragem necessária, era preciso saber enfrentar grupos de “caceteiros”, “chapeladas” e até tentativas de “liquidação forçadas”. Respiravam-se odores estranhos no ar, misturados com o suor dos camponeses e o cheiro a pólvora dos revólveres dos caciques.
Mas foi assim, que este grupo de jovens, então na casa dos 30 anos mas com “uma fé inabalável”, acreditou no “ressurgimento da nossa terra”, única ideologia que lhes dava alento, força e entusiasmo.
De referir, que toda a sua obra e gerência municipal, exercida entre 1932 e 1947, foi exercida no tempo do Estado Novo, numa época de fortes condicionalismos politico-ideológicos e económicos. Contudo, não se pode negar à história a evidência dos factos e a verdade que por eles fala, principalmente, quando os mesmos estão materializados em obra feita, testemunhos de uma vontade férrea, de quem passou por este mundo e o quis melhorar um pouco, pensando sobretudo naqueles que nada tinham.
Manuel Simões Barreiros teve a oportunidade aliada à capacidade e soube-as aproveitar bem para “revolucionar” o nosso concelho! Dotou-o com uma vila de vanguarda, uma “pequena cidade” como dizia o então ministro da educação e que os jornais ampliavam. Em 1928, muito antes de ser Presidente da Câmara, já a sua equipa conseguira para o concelho a classificação de “Estancia de Turismo”, por decreto estatal. Fizeram propaganda em álbuns turísticos, postais ilustrados, revistas e jornais nacionais e em pouco tempo a vila começou a ser visitada por turistas. O concelho começou a ser conhecido por “Sintra do Norte”. Foi um pioneiro com ideias avançadas para o seu tempo. Lutou, inclusivamente, contra as mentalidades com métodos e ideias novas, que ajudaram a desenvolver a agricultura, o comércio e “até a implantar uma pequena industria” que então possuímos, transformando estruturalmente a sociedade figueiroense. Em poucos anos, transformou igualmente a fisionomia urbana da vila e do concelho. Deu à vila dois belos jardins e que são ainda hoje o orgulho de todos os figueiroenses, a nossa “sala de visitas da vila”; melhorou e implantou a assistência médica nos meios rurais, com profilaxia maternal e infantil; reformou e construiu escolas (13) pelas sedes de freguesia e noutros lugares (e equipou-as com material escolar e didáctico); abasteceu o concelho de água, instalando fontanários (mais de 30) em quase todos os lugares do concelho; melhorou e abriu estradas e caminhos municipais em todas as freguesias, ligando-as à sede do concelho e criou-lhe também as Estradas Municipais; abasteceu a vila com água ao domicílio; electrificou-a (rivalizando com qualquer grande cidade); instalou os correios, telégrafos e telefones; construiu e melhorou pontes (28) ligando povoações e acabando com o isolamento de outras; deu à vila novas praças, um mercado municipal (onde era o mercado do peixe), a Casa do povo, reformou o edifício da Câmara Municipal, abriu avenidas novas na vila, implantou a instrução secundária, instalou um Centro de Saúde e chegou mesmo a planear um grande projecto de urbanização que estendia o tecido urbano da vila a partir da actual avenida das escolas e que ocupava uma área de cinco hectares, onde não faltavam um parque de jogos, campos de ténis, escolas, um novo e moderno edifício da Câmara Municipal, parque infantil, moradias, estacionamentos, etc. E tudo isto nos anos 40. Projecto, que infelizmente não teve tempo de concretizar.
Lembramos, que na altura o nosso concelho tinha cerca de doze mil habitantes (hoje tem cerca de metade), isto é, havia mais gente a quem era necessário “acudir”, e que naquele tempo não tínhamos a ajuda da União Europeia ou dos Programas dos Quadros Comunitários de Apoio. A Câmara Municipal tinha somente meia dúzia de funcionários, não havia arquitectos, engenheiros ou técnicos especializados. É certo que os tempos eram outros e não quero fazer somente a apologia da história, como se estivesse preso ao passado, num acto nostálgico e séptico quanto ao futuro. Antes pelo contrário! Mas não posso esquecer, que também temos os nossos heróis locais e que ao reavivar a sua memória, mais do que brandir a espada do exemplo, é brandir a minha gratidão por tudo aquilo que fizeram pelas nossas terras. A gratidão pertence à história e compete aos homens assumir as duas coisas, não como um passado morto, arquivado, mas que vive na memória colectiva, por tudo aquilo que outros, antes de nós, fizeram e ofereceram, melhorando a nossa maneira de viver.
Manuel Simões Barreiros não estava amarrado a conceitos ultrapassados, era um visionário, longe de interesses partidários, com ideias estruturais, projectos estruturantes e que dizia o que verdadeiramente pensava, uma espécie rara de político e que hoje está em vias de extinção. Ser de esquerda, de direita, comunista, socialista ou social-democrata, hoje pouco diz às pessoas, principalmente sobre o que elas realmente querem para as suas terras.
Este homem e a sua equipa, os “novos de Figueiró” como eram apelidados (quando surgiram), atravessaram tempos de crise nacional e internacional, passaram por anos muito complicados, militaram num estado arcaico e pouco inovador, presidiram a uma câmara em que as finanças locais estavam longe de serem o que são hoje, e no meio destas considerações, há uma coisa que sobressai e que ninguém pode negar: a sua bandeira era o concelho de Figueiró dos Vinhos, o seu partido era a sua terra, a sua politica era fazer obra útil para as suas gentes, independentemente da agilidade e do jeito que tinham para andar em cima de areias movediças. Para enumerar todas as obras que este homem realizou enquanto Presidente da Câmara, eram necessárias várias páginas deste jornal. Como ele dizia em 1943: “ o plano concebido por nós era grandioso demais para esta câmara, de erários reduzidos…”. Mas dos fracos não reza a história.
E assim este homem simples, era sobretudo um político desenvolto, conhecedor profundo do seu concelho e das suas reais aspirações, que desprezava literalmente moralismos de sábios iluminados, preferindo o realismo da obra pensada, estudada, avaliada e realizada.
Um plano que não se ficou em palavras e em desenhos mas que se concretizou em obras generosas, em auxilio das populações, acertando sempre em cheio no alvo das necessidades locais, porque foi sempre um andarilho, de povoação em povoação, “auscultando” as populações. Pela terra sacrificou tudo, a começar pela sua vida privada e profissional.
Contudo, há-de sempre existir uma escola de pessoas no lado oposto àqueles que produzem, irritando-se cada vez que alguém faz alguma coisa e principalmente, com aqueles que melhoram as condições de vida dos seus conterrâneos. Os seus adversários políticos nunca lhe deram tréguas, até conseguirem em Dezembro de 1947, por concluios e compadrios políticos, o seu afastamento da Câmara Municipal. Morreria pouco tempo depois, em Julho de 1948, com o coração carregado da ingratidão dos povos, e acreditem ou não, não existe em nenhuma acta da Câmara Municipal, imediatamente a seguir à data da sua morte, nenhuma referência ao facto ou com o mais leve louvor ou gratidão. Só encontro uma explicação para este facto: Manuel Simões Barreiros tornara-se um “herói” incómodo, por ser difícil de igualar. Quanto menos se falasse nele melhor, porque se afastava a tentação das comparações.
Mas na verdade, será sempre fora das “actas” oficiais, que os povos recordarão tanto os bons como os maus presidentes de câmara (para eles o “meio termo” não existe)!
Contudo, mesmo “abafado” em termos oficiais, o nome dele passa de geração em geração! Porquê?
Porque as obras que os nossos autarcas realizarem em beneficio genuíno dos nossos concelhos, em prol das suas populações, será a sua melhor assinatura, que perdurará no tempo, inscritas na consciência dos povos e que por mais ingratos que estes sejam, nunca poderão ser esquecidos.

4 Respostas a “Um “herói” incómodo: Dr. Manuel Simões Barreiros”

  1. JOSE LUIS COVITA diz:

    Carísimos,

    Este sr. Manuel Simões Barreiros é o mesmo que teve uma empresa de camionagem?

    Cumprimentos
    José Luis COVITA

    • Hugo Barreiros diz:

      Boa Tarde
      Sr Luis, o da empresa de camionagem era o irmão Antero Barreiros, por sua vez meu bisavo.
      Cumprimentos
      Hugo Barreiros

  2. Hugo Barreiros diz:

    Boas To-Zé
    Não sabia da existencia deste teu blog, mas esta verdadeiramente um espetaculo, vi coisas que não fazia ideia de que tinham existido na nossa bela terra de que tenho tantas saudades. e especialmente desta parte dedicada ao meu tiobisavo.
    Continua com este bom trabalho para nos os “cachopos” vermos o que era.
    Um abraço
    Hugo Barreiros

  3. Manuel Neves Barreiros diz:

    Ola, sou Manuel Neves Barreiros, filho de Altivo Simoes Barreiros que veio para o Brasil de Portugal, que casou-se aqui com Emidia Maria das Neves. Hoje nossa familia Barreiros e imensa aqui no Brasil e desejamos achar muitos outros ainda, ainda mais nossos familiares que ficaram em portugal na epoca! Aguardo contato ! Obrigado!

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