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Partidos políticos e candidatos à “Coisa Pública”

31 Julho 2008

politicos_wgHá cerca de duzentos anos, a Revolução Francesa (1789-1799), alargou o campo da política, estendendo-a ao alcance de todos os cidadãos e a todas as actividades, deixando de ser apenas apanágio de um grupo minoritário, intimamente ligado ao poder. A felicidade tornou-se numa noção clara e um direito do indivíduo, e o Estado assumia a responsabilidade pela manutenção dessa condição. A política tornou-se coisa de todos e polarizava-se como mais um instrumento do pleno humanismo social e que tornava o homem, cada vez mais, dono do seu próprio destino, donde irradiava toda a evolução do mundo. A “coisa pública” abria-se ao cidadão comum, e despia-se do secretismo que envolvia a administração do Estado.
Dessa Revolução surgiriam os “Agrupamentos”, os “Clubes” e as “Sociedades Populares” e que seriam os primórdios dos futuros partidos políticos. Durante a era Liberal (séc. XIX) estes grupos não passavam de facções locais, que se formavam apenas com a aproximação das eleições, para preparar os seus candidatos, apoiá-los e patrociná-los, desfazendo-se logo a seguir ao acto eleitoral. Pouco a pouco, estes grupos passam a ter uma vida existencial permanente e formulam as suas doutrinas políticas. Contudo, funcionavam mais como centros de pressão e influência, e com os quais se pretendiam instalar nos círculos do poder, do que como representantes de verdadeiros programas solucionadores das maleitas nacionais.
Com o advento do sufrágio universal e a crescente institucionalização dos actos eleitorais patrocinados pela corrente democrática, estes Grupos tornam-se em algo mais. Começam por se formar de modo institucional e passam a ser verdadeiras “escolas” de pensamento, centros de reflexão, de doutrinas e ideologias políticas que propagam, e cuja actividade vai também assegurando uma certa educação política às populações. Assim, de partidos de “notáveis” (no liberalismo) passam a partidos de militantes (na democracia), federam-se internacionalmente e alargam constantemente as suas bases. Passa-se de uma vida politica confinada aos círculos mundanos ou aos Clubes, para uma vida politica mais alargada e onde todos podem participar, com comícios e campanhas eleitorais nas praças públicas, nas avenidas, nos teatros, etc. Os chefes desses partidos passam a ter o estatuto de figuras públicas conhecidas, a sua voz representa as massas anónimas, que lhe conferem um poder legitimador e que o Estado aprendeu a respeitar e a não subestimar.
Hoje em dia, todos podem intervir activa e livremente na política, sem constrangimentos de qualquer ordem. Qualquer um se pode filiar (ou simpatizar) livremente num qualquer partido político. Tanto assim é, que os grandes partidos medem a sua “grandiosidade” pelo número de militantes que têm e que, constantemente, exibem como credenciais.
No nosso país, somente após o 25 de Abril de 1974, se instituiu o modelo democrático do sufrágio universal, isto é, o povo, na sua totalidade, e mediante as fórmulas democráticas, conquistou a soberania de eleger periodicamente os seus governantes – seja a nível nacional ou local. Antes de 1974, e durante a vigência do Estado Novo, os Presidentes das Câmaras (e que se chamavam “Presidentes das Comissões Administrativas”) eram nomeados pelos governadores civis e eram quase sempre escolhidos de entre os notáveis dos concelhos. Em 12 de Novembro de 1976 realizam-se em Portugal as primeiras eleições democráticas – eleições legislativas – e a 12 de Dezembro do mesmo ano, as primeiras eleições para os órgãos das autarquias locais. Desde aí, já houve nove eleições para escolhermos os nossos Presidentes de Câmara.
Deste modo, foi tambem dada às populações a soberania para julgar, avaliar e escolher, quem se propõe para governar as suas terras. Assim, os políticos autárquicos sabem bem, que prestam contas às suas populações de quatro em quatro anos. O povo ou aprova a sua continuação à frente das Câmaras Municipais …ou demite-os, pura e simplesmente.
A conquista do poder, é feita numa espécie de vindima eleitoral, revestida de colorido, com muitas bandeiras e bandeirinhas, camisolas, cachecóis, autocolantes, cartazes cheios de mensagens “hipnóticas” e automáticas, com os políticos de porta a porta, a interromperem-nos o jantar, para distribuírem as suas “promessas”, as suas “soluções” milagrosas, a falarem-nos ao coração, numa grande máquina “politiqueira” bem montada e organizada, e que quase sempre termina com uma grande caravana automóvel, com os partidos rivais a verem quem leva mais carros, e no fim, apoteoticamente, num grande comício inflamado na principal praça ou rua da terra, e que se esforçam para apinhar de gente.
As semanas das campanhas eleitorais transformam, deste modo, o país num imenso palco de propaganda e de exaltação das personalidades politicas, recheadas de discursos providenciais cheios de tudo (ou quase tudo) que prometem resolver. Se este jogo pela conquista do poder antigamente privilegiava as elites, hoje, infelizmente, favorece o populismo, a cara conhecida, o nome sonante, e que nem sempre são sinónimo de competência para gerirem a “coisa pública”. Alimentados por uma bem articulada estrutura de influências, os partidos políticos estão-se a transformar, novamente, em meras agências de “notáveis” que pretendem eleger, servindo-se de uma bem montada rede mediatizada (e publicitária), tudo fazendo para defender o seu “mercado eleitoral” e os candidatos que patrocinam.
Os partidos políticos nasceram para serem locais de debate de ideias, de diagnóstico ideológico e de argumento reflectido. Todavia, em pouco tempo, conseguiram transformar-se em instituições descredibilizadas e arcaicas, geridas muitas vezes por autênticas famílias feudais, ansiosas por controlarem tudo, incluindo os anseios da sociedade civil, para onde estendem as suas influências tentaculares. Agravam assim, a apatia dos cidadãos, que se vão afastando cada vez mais da intervenção politica, “doentes” e esvaziados dos seus sonhos e expectativas, porque os “seus” políticos se desligam cada vez mais do mundo das pessoas reais e dos problemas que tardam, ou esquecem de resolver.
Muitas vezes pergunto, se hoje em dia os cidadãos votam em programas e ideias, ou se em pessoas e em partidos?! Sou levado a acreditar que, infelizmente, raras são as vezes em que votam nas duas coisas juntas. É pena, porque a liberdade de escolha e o direito de voto, que foi oferecido a todos, é a mais sagrada conquista da democracia, que dá às populações o poder e o desígnio de escolher os seus governantes. Mas é também, simultaneamente, a arma mais importante do direito colectivo, porque simboliza, afirma e impõe a sua soberania perante um Estado tantas vezes prepotente. Contudo, este direito que o povo detém, tem que ser um direito de plena consciência, bem esclarecido e não submetido unicamente à pressão e ao fascínio das épocas eleitorais, para evitar que a politica se torne numa espécie de antecâmara, onde se trocam favores e se negoceiam “dotes”. As Assembleias Municipais, começam a assemelhar-se a locais onde se usa mais a táctica e o ardil político do que a construção e a promoção do diálogo através do debate de objectivos, que visem solucionar os reais anseios das populações. Os partidos políticos deviam ser exemplos desinteressados para as ideologias que representam e orgulhar os adeptos que pretendem conquistar para as suas causas. Contudo, tornaram-se grupos de pressão poderosos e formadores de opinião, com uma retórica vocabular eloquente e artificialmente construída, com que cenografam e manipulam as emoções. Cheiram demasiado a ambição pelo poder, caindo facilmente em incoerência ideológica, vivendo muitas vezes do clientelismo fácil e de lealdades fabricadas e que se vão cultivando numa espécie de “municipalismo paroquial”. São polvos que tentam chegar a todos os lugares onde cheire a poder e, caso seja necessário, não hesitam em mediatizar-se e a instalar-se nos jornais e nas associações locais, com a intenção de fiscalizarem todo o tipo de decisões e, deste modo, anular adversários, que se possam transformar em contra-poderes dos seus complexos jogos políticos.
Muitos são também os “notáveis”, que estão mais preocupados com as suas carreiras politicas do que com o interesse genuíno das populações. Muitas vezes, aqueles que se apresentam como candidatos, propondo-se para liderar o futuro e o destino dos seus concelhos, são fruto de estratégias partidárias, realizadas em reuniões onde poucos falam e onde o segredo envolve as decisões, não restando ao partido outro remédio senão nomeá-los como tal.
Contam “afirmar-se” com o tempo decorrente das campanhas eleitorais mas que é manifestamente insuficiente, para avaliarmos as suas ideias e as soluções que propõem. O folclore eleitoralista enfeita facilmente as suas mensagens de “esperança” e cheias de “providencialismo”.
Os candidatos ao governo da “coisa pública”, deviam forjar as suas credenciais pessoais no meio da comunidade, e que dizem representar, longe das campanhas eleitorais, donde sairia também um programa e um projecto, erguidos com os contributos colhidos no terreno e da boca dos seus concidadãos. O que as populações almejam são políticos sem máscara e não “actores” com o papel bem decorado.
Não existem pessoas naturalmente talhadas ou nascidas para os cargos de chefia politica, nem mesmo aqueles que exibem constantemente os seus altos curriculuns tecidos e aprimorados por uma qualquer carreira politica e que parecem fazer deles seres de outro mundo, infalíveis e inquestionáveis. Não!!
Os candidatos aos cargos políticos deviam, acima de tudo, constituir-se por homens e mulheres de consciência, que pretendam exercer os cargos governativos sem vaidade pelos seus lustrosos estatutos, suportando-os com modéstia e, de igual forma, sabendo aceitar humildemente os seus erros junto das (suas) populações, a quem constantemente devem tambem saber pedir conselho. A juntar a isto, deviam ter a ciência necessária, que lhes permita serem tanto animadores, como bons gestores da vida das comunidades locais, munirem-se com a necessária flexibilidade humana e dotarem-se, simultaneamente, com a imprescindível competência técnica, qualidades que lhes permitiriam agilizar esses altos cargos, e cujo exercício está longe de ser fácil, exigindo-lhes muita abnegação, humildade, trabalho e sabedoria genuínas.
Mas deviam sobretudo, serem feitos daquela matéria com que se fazem os sonhos colectivos. E seria bom, que esses pretensos candidatos a “homens do leme”, saíssem tambem do meio desses sonhos, prontos a inscreverem no futuro uma história comum e que orgulhasse gerações passadas e presentes, bem como as vindouras.
Contudo peço-lhes, que antes de se apresentarem como candidatos, julgando-se já aptos para exercerem os deveres da “coisa pública”, que tenham a fortuna e a coragem, de saberem observar e aprender com o exemplo daqueles que, presentemente, de norte a sul do país, ainda praticam e exercem o poder pelo puro prazer de servir as suas populações.
O novo ano que se aproxima – 2009 – vai ser fértil em eleições e campanhas eleitorais. Os portugueses irão ser chamados a votos por duas vezes: uma para elegerem os seus representantes ao governo do país e a outra para elegerem os órgãos das suas autarquias locais. Vai ser um ano em cheio para os “profissionais” da política. Irão aparecer nas nossas caixas de correio os panfletos e as mensagens do costume, na televisão vamos ter que aturar os tempos de antena dos vários partidos políticos e na rua vamos ser muito bem cumprimentados por pessoas que raramente falavam para nós, e que agora acrescentam uma outra mesura ao cumprimento.
A democracia não é um sistema perfeito, todavia, ainda não foi inventado um melhor e que permita às comunidades ter, pelo menos, a sensação de que a sua opinião tambem conta para as decisões dos poderes instituídos. Que o digam os nossos pais e avós que viveram épocas muito complicadas, em que as suas ideias não gozavam de qualquer liberdade expressiva.
Acredito, que por este país fora, já há quem prepare a “máscara” para usar no longo ano eleitoral que se aproxima, que já ensaie vários discursos para vários cenários, e que já treine sorrisos pepsodente e palavras de circunstancia e simpáticas para quando nos apertarem a mão, ou nos beijarem os filhos, com o folclore e as maquilhagens do costume. Uns a quererem ser donos do poder, outros a quererem exercê-lo para sonhar futuros comuns. E perante aqueles que se disfarçam para disputarem as eleições, o nosso exercício está, exactamente, em saber discernir, quem é quem por detrás da “máscara”. E isso só é possível com liberdade de expressão e em democracia.